Nestes casos, havia o costume de fazer o indivíduo a ser execrado montar ao contrário num asno e expô-lo desta maneira diante detoda a comunidade. Era o que, na França, denominava-se "asouade" ou "asoada", e, na Inglaterra, "riding the stang" ou "skimmington ride".
Tal costume é atestado desde a Antiguidade, sendo praticado sobretudo nas comunidades mediterrânicas (Grécia, Itália, Espanha), na Europa Central e nas estepes euro-asiáticas – Criméia, Cáucaso e o Kurdistão. Na Idade Média, a aplicação dizia respeito a diversos tipos de transgressão, não apenas a do leito conjugal. Além disso, ao contrário do charivari das segundas núpcias, sua ocorrência parece dizer respeito tanto a desvios em ambito "doméstico" (adultério; inversão de papéis no interior do lar) quanto àqueles que, na atualidade, denominaríamos de ambito "público" (punição de autoridades civis e religiosas; hereges; feiticeiros).
O significado do ritual
No Ocidente Cristão, o asno era animal importante nas comunidades rurais pois servia como fonte de energia no trabalho, e como veículo de transporte. Desde a Antiguidade, era animal muito comum entre a população, contrastando por vez com o cavalo, muito mais caro e valioso. Desde este tempo esteve associado a um conjunto muito vasto de signos e serviu de referência a imagens por vezes ambiguas. Destas, a que mais força teve no imaginário ocidental foi a de que simbolizava a ignorância. Entretanto, trata-se da banalização de um conceito muito mais geral que o considerava como o emblema da obscuridade. No amplo conjunto de imagens que a ele faz referência, às vezes o asno recebe conotações positivas e, às vezes, traços declaradamente negativos.
Na proto-história do Cristianismo, os adversários dos cristãos impingiram-lhe a acusação de adorar e cultuar um asno, da qual restou-nos a expressiva inscrição de um graffiti no Museu do Collegio Romano onde se pode ver o cristão Alexamenos orando diante de uma cruz em que Cristo aparece com cabeça de asno. Algumas passagens da obra de Flávio Josefo, e, sobretudo, de Tertuliano, foram dedicadas a combater a acusação de "asnolatria".
Não obstante, algo desses antigos costumes pode ter subsistido em duas festividades de caráter facecioso: a festa da cornomania e a festa do asno.
O tema em questão, esboçado em diferentes textos e contextos do medievo, punha em evidência o evento primordial alusivo à criação da Lei e da ordem, no relato de como uma "horda selvagem" (composta por guerreiros meio humanos e meio animais; homens feras; por centauros ou lobos) teria, no passado, invadido a cidade para raptar as mulheres e mutilar os homens.
Por vezes as evocações celebram a vitória da «horda selvagem» sobre os homens (perpetuada nos charivaris das segundas núpcias, praticadas pelos jovens celibatários da comunidade); por vezes celebra o triunfo dos homens sobre os invasores e o restabelecimento da Lei (perpetuada no charivari do asno, em que o animal é castigado). A esse tema estariam relacionados o estabelecimento dos tabus sexuais e, por extensão, a instauração da ordem na sociedade. Aqui, forma e função do ritual parecem ganhar um sentido preciso, embora sujeito a variações de acordo com o tempo e o local em que se manifesta. Ao perpetuar tais costumes ancestrais, o charivari seria um meio pelo qual se preservava os elementos essenciais da cultura, sem os quais não poderia haver civilização.
Original perdido.
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