Na cultura judaico-cristã a nudez é associada a priori a um erotismo sujeito ao controle social para preservar a moral sexual, impedir a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, prevenir o adultério e garantir a estabilidade da estrutura familiar. Trava-se então um combate à nudez tentatória, sedutora e obscena, por meio da exaltação dos pudores que seriam inerentes a todos os seres humanos desde que Adão e Eva "cobriram suas vergonhas" com folhas de figueira.
Este enfoque tem origem na condenação dos legados das culturas pagãs helênica e romana que teriam sucumbido, em parte, devido aos excessos eróticos, à fraqueza moral e ao culto hedonista, tais como a homossexualidade na Grécia antiga, a recorrência cotidiana às herétias (prostitutas), o culto ao deus fálico Príapo, a nudez dos ginastas gregos e as orgias sexuais e gastronômicas em Roma. Por sua vez, o Cristianismo primitivo com forte tradição semita de ocultação do corpo estabeleceu as regras de nossos pudores atuais.
Este é o fundamento da estrutura ideológica que orienta a concepção de nudez como objeto erótico na sociedade ocidental. Delimita-se qual nudez é válida, em quais situações é permitida, quando é artística, qual o comportamento que os indivíduos devem adotar diante do nu e os lugares nos quais, parcimoniosamente, pode ser exercida. Muçulmanos, hindus e chineses, por exemplo, também adotam o controle social da nudez erótica em atendimento a seus valores morais e normas religiosas. Na espiritualidade de diferentes sociedades, o pudor em relação à nudez faz lembrar aos indivíduos que perderam sua inocência e pureza por se tornarem sexualizados, signo de uma degradação material e espiritual da imagem de Deus caída em pecado.
O conceito básico de nudez é a total ausência de vestimenta em um indivíduo. No entanto, quando começamos a explorar esse conceito percebemos que em distintas situações da vida e em diferentes culturas, o estar nu têm outros significados e implicações quanto a sua licitude. Na cultura ocidental, a consciência de estar nu é poder ver (ou permitir que outros vejam) os órgãos sexuais, os seios e as nádegas que se revelam quando as roupas são retiradas; em grupos ortodoxos braços, colo e pernas quando expostos são insinuações de nudez. Em culturas muçulmanas, a cabeça descoberta é a verdadeira nudez, maior do que as das demais partes do corpo. E em sociedades animistas da África, Austrália e da América do Sul indivíduos que não utilizam vestimentas sentem-se nus se não usarem adornos nas orelhas, lábios, braços ou pescoço.
A nudez transcende o ato de tirar ou não tirar a roupa, pois sua interpretação está condicionada a um dado contexto social e à percepção que cada cultura tem do corpo humano. Os humanos são os únicos animais capazes de estar nus, não somente porque são os únicos primatas não cobertos de pêlos, mas porque são os únicos capazes de desenvolver consciência da carência do "vestir-se" (total ou parcialmente).
A cultura ocidental contemporânea ainda mantém em seu alicerce moral a herança do sistema de pudor da Idade Média, que se construía sobre três diferentes níveis de consciência em relação à nudez, correspondentes a três valores do corpo humano. O ser humano nu, que nada mais era que a carne, é, sobretudo, um símbolo de vulnerabilidade. Em oposição ao espírito, é a parte baixa, vergonhosa do homem, lugar da tentação, do sofrimento e da morte. A nudez mostrada é, portanto, um castigo baseado na humilhação.
A vulnerabilidade da carne está ligada à sua impureza: impura porque vulnerável (incapaz de resistir à tentação, como Adão e Eva); vulnerável porque impura (o pecado original trouxe a morte ao mundo). A nudez revelada testemunha, portanto, a luxúria e a sujidade da alma. Voluntária e conscientemente, é falta de pudor e não humilhação.
A estas duas formas conscientes de nudez opõe-se a carne na sua inocência. Na vida cotidiana, a nudez vivida nada tem de escandaloso. É permitida durante o banho ou na cama, desde que não envolva artimanhas de tentação.
Nossa moral sexual em relação à nudez ainda bebe nessa fonte, representada em três situações principais:
1. A nudez como manifestação do erotismo, do desejo, da sexualidade ou da pornografia. Era a nudez da tentação;
2. A nudez como humilhação ou ridicularização do indivíduo, como expor os corpos nus de prisioneiros ou de mortos em genocídios, a prática da tortura em vítimas nuas, arrancar as roupas em praças públicas de mulheres adúlteras, ou esconder as roupas de uma pessoa em um vestiário. Era a nudez da humilhação;
3. A nudez de um "comportamento natural" (não sexualizada), como tomar banho, dormir sem trajes, a nudez infantil, ser examinado por um médico e a prática do naturismo. Era a nudez da inocência.
Na prática cotidiana estes três níveis não são exercidos em separado. Formam uma amálgama de percepção da corporeidade que reveste o corpo humano de outras significações. Todo corpo nu, de alguma maneira, se manifesta com um valor simbólico em nossa percepção. De alguma forma o corpo sempre nos interpela e nos fala diretamente, tornando impossível nossa indiferença frente ao corpo do outro. Um complexo sistema de valores, em grande medida subjetivos, rege as possíveis concepções de nudez. A depender dos códigos culturais e religiosos, uma nudez "da inocência" pode ser tentadora ou humilhante, ou uma nudez humilhante pode ser tentadora ou natural para quem olha.
Tantas são as sociedades que discutem, satanizam, combatem, proíbem, punem, mas consomem amplamente a nudez. Isto parece indicar que a percepção da nudez do outro por vezes está menos vinculada à quantidade de roupa do que ao contexto no qual sua corporeidade se manifesta.
A nudez erótica, por sua vez, muitas vezes depende mais do que está sugerido ou implícito do que dos significados explícitos que lhe são inerentes. Se todo processo de significação implica a relação do símbolo com o seu contrário, relação que pode ser implícita ou explícita, a nudez só existe em relação ao seu contrário: o estar vestido. Quando a nudez não é comparada ao estar vestido, ela sim torna-se comum e não é percebida. Um indivíduo em traje de banho, por menor que seja, nos oferece uma aparência de seu "corpo humano" notavelmente distinta do que se estivesse nu. Centímetros de tecido demarcam a diferença entre o correto e o incorreto, o pudico e o impudico, o moral e o imoral, desde que cubram determinadas áreas do corpo.
O traje de banho oculta os órgãos genitais, mas em vez de diminuir sua presença, acaba por destacá-la. O que se oculta é o que desejamos ver. Nas sociedades consideradas civilizadas, liberadas, permissivas, democráticas e racionais, o corpo pode ser exibido na praia (e ocultado em outros lugares), desde que os órgãos sexuais, os seios e as nádegas estejam protegidos dos olhares. O que os olhos não conseguem ver sob os tecidos, o cérebro imagina: algo muito importante (ou bonito, feio, interessante, curioso, grande, pequeno, gostoso, repugnante) se esconde sob o biquíni e o calção. A nudez sugerida ou parcial é também bastante erótica em nossa cultura. Daí o uso de lingerie semitransparente, box de banho semi-opaco, banheiras cobertas de espuma ou pétalas de flores, camisetas molhadas que aderem ao corpo e roupas que deixem em destaque os contornos do corpo. Essa nudez não depende da quantidade de pele mostrada, mas é erótica na medida em que revela o bastante para suscitar a fantasia em quem olha.
Fonte: Museu do Sexo
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