Os deuses da bruxaria são os mais antigos de todos. São os mesmos que os seres humanos da antiga Idade da Pedra pintaram nas paredes de suas cavernas sagradas.
Os homens da igreja e outros autores que denunciaram a bruxaria e suas práticas pagãs descreveram em seus livros duas deidades que, segundo eles, as bruxas e bruxos renderam culto em lugar do deus cristão. São a figura com chifres, parte humana e parte animal, que se sentava no trono dos covens e Sabás fracamente iluminada pelas chamas de uma fogueira ritual, enquanto os bruxos e bruxas dançavam ao seu redor, e, ao seu lado, uma formosa mulher nua que era considerada a rainha do coven, provavelmente porque representava e personificava Diana, a deusa da lua, ou sua filha Aradia. Ambas as figuras centrais do culto, que na prática eram seres humanos presidiam as danças selvagens e orgíacas em determinadas datas tradicionais do ano, festas sazonais tão antigas que ninguém sabia quando começaram. Estes são os aspectos centrais do culto da bruxaria segundo o testemunho de várias testemunhas hostis.
Ambas as divindades, o deus com chifres e a deusa nua, podem ser encontradas nas pinturas das cavernas e nos relevos de nossos antepassados pré-históricos na Europa ocidental. O deus de chifres também aparece na arte religiosa das cidades pré-arianas do vale do Indo, Mohenjo-Daro e Harappa. Ele aparece, muitas vezes descrito pelos antigos autores quando se referem às abominações da bruxaria, inclusive com o detalhe de portar uma tocha entre os chifres. Acredita-se que a civilização dessas antigas cidades da Índia datam do terceiro milênio A.C.
A imagem de uma cabeça com uma luz entre os chifres sobreviveu no culto secreto tântrico da Índia até nossos dias. O Mahanirvana Tantra, que descreve o culto da deusa suprema Adya Kali, mediante o ritual Panchatattva, e que inclui a oferenda de vinho, carne, pescado, cereal e a cópula sexual dentro de um círculo consagrado, nos fala da imolação de um animal macho com chifres que tinha de ser sacrificado à deusa. O animal era decapitado com um certeiro golpe da faca cerimonial e em seguida oferecia-se a cabeça cortada, com uma luz entre os chifres, com as palavras: "Com uma luz sobre ela, ofereço esta cabeça a Devi com obediência".
Antes de acusar os tântricos de crueldade com os animais, devemos ter em conta o fato de que acreditam que através desse ato o animal sacrificado fica liberto da escravidão de sua vida como animal, permitindo que ele regresse num estado mais elevado de existência. Para isso se reza uma oração especial diante do animal antes de sacrificá-lo. Não seria muito arriscado imaginar que o animal sacrificado representa na verdade a divindade pré-histórica com chifres da Índia pré-ariana. Muitos comentaristas das escrituras, chamadas Tantras, tem sugerido que elas incluem idéias religiosas consideravelmente antigas, embora a forma em que chegaram a nossos dias tenha vindo dos brâmanes e dos budistas segundo suas idéias, muito posteriores.
Mais longe para o Oriente, encontramos temíveis deuses com chifres na arte tibetana, nepalesa e territórios adjacentes e, embora apareçam num contexto budista, evidentemente são o resultado de uma adaptação para adequarem-se a essa religião. A mais notável dessas divindades, representada tanto por estátuas como em cilindros maravilhosamente coloridos pendurados nas paredes chamados tankas, é Yamantaka, que algumas vezes aparece com a cabeça de um touro e outras com os enormes chifres de um yaque tibetano. Yamatanka está ladeado por sua homóloga feminina, chamada sua prajna ou ‘sabedoria’, que aparece rodeada por uma aura de chamas. Apesar de sua aparência terrível, os budistas não o consideram um ser maligno, mas uma das deidades que atuam como guardiões da religião budista, a quem também chamam de "Destruidora da Morte".
O fato de que essa deidade foi venerada e invocada pelos seguidores da religião pré-budista nos fornece uma chave sobre sua verdadeira origem e antiguidade. Essa religião, de um tipo muito mais primitivo, estava relacionada com a magia e com os espíritos e deuses da natureza, e provavelmente derivou do antigo xamanismo das remotas religiões da Ásia, como o norte da Mongólia e do Tibet. Idries Shah em seu livro Oriental Magic, inclui uma invocação dos magos-sacerdotes Bon. Devido à invasão comunista chinesa do Tibet temos que falar das tradições tibetanas no passado, mas é muito possível que em alguns bosques remotos ou vales montanhosos se continue rendendo culto a Yamantaka, do mesmo modo que os bruxos seguiram rendendo culto clandestinamente a seus antigos deuses pagãos depois da entrada violenta do cristianismo na Europa.
Na Europa, a versão mais conhecida do deus de chifres é Pan. Era a divindade dos fazendeiros e dos pastores de Arcádia, a região mais rural da antiga Grécia. Embora mais primitiva que as sofisticadas deidades do Monte Olimpo, Pan era muito querido pelos camponeses como portador da fertilidade. Encarnava a força vital da natureza e era conhecido como Panphage, Pangenetor, "que a tudo devora", "que a tudo engendra". Também o deus Osíris do Egito era símbolo da força vital que retorna, e ao mesmo tempo, o deus da morte e do além. Para os antigos pagãos, a vida e a morte eram duas faces da mesma moeda.
Quando estava ofendido, Pan podia inspirar terror e nossa palavra "pânico" deriva do seu nome. A natureza é majestosa e inspiradora, mas as vezes é terrível. A palavra Pan também significava "todo". Algumas representações de Pan o mostram como um deus universal, motivo do seu corpo ser metade humano e metade animal. A pele de cervo que traz pendurada nos ombros representa as estrelas do céu. Seus cabelos emaranhados simbolizam os bosques e as matas. Seus poderosos cascos são a força das rochas. Seus chifres são raios de luz, enquanto que sua flauta de sete canas com a qual toca a melodia mística da vida, encantando a todos os que a ouvem, é o símbolo do governo dos sete astros celestiais, o sol, a lua e os cinco planetas visíveis. Na arte sagrada oriental existem representações parecidas do deus Krishna, cuja aparição em sua forma universal se descreve vividamente no Bhagavad Gita.
Os adeptos da bruxaria na Tessália, na antiga Grécia, rendiam culto ao deus Pan. Se dizia que era o amante secreto da deusa lunar Artemisa, a versão grega de Diana. Convocava seus seguidores a virem nus em seus rituais à luz da lua, igual ao que séculos mais tarde os bruxos e bruxas faziam, dançando nus nos covens.
Como aconteceu com muitos outros deuses e deusas, os romanos herdaram Pan dos gregos. O chamaram Faunus ou Silvanos. Seu povo eram os sátiros e as ninfas do bosque, personificações da vida oculta da natureza. Para eles o animal sagrado era a cabra, que mais tarde se converteria no cabrito do coven. Para os primeiros cristãos, que pensavam que este mundo tinha perdido a graça e era a morada do pecado, sua inesgotável alegria e falta de vergonha resultavam, naturalmente, repugnantes e por isso se adotou o modelo sobre o qual se criou o Satã de chifres e rabo. Os estudiosos das religiões comparadas conhecem muito bem a evolução que transformou o deus da antiga fé no diabo da nova.
Os budistas, como vimos, foram muito mais sutis com os primitivos deuses de chifres de seus países. Em vez de declarar que eram demônios, os incorporaram à religião como guardiões da fé.
A versão celta do deus Pan foi Cernunnos, que significava ‘o cornífero’. Esse nome foi descoberto num altar dedicado a ele, encontrado sob a catedral de Notre Dame e que agora se conserva no museu de Cluny, em Paris. Provavelmente, o santuário da nova religião foi construído sobre o que antes era um local sagrado pagão.
Outras representações famosas do deus Cernunnos são a estátua da época galo-romana que se encontra no Museu de Reims e a encontrada no esplêndido caldeirão de prata conhecido como Caldeirão de Gundestrop, achado numa turfeira da Dinamarca em 1891. A primeira, que faz parte de um grupo de estátuas evidentemente romanas, mostra Cernunnos com Apolo e Mercúrio, mas ele é a figura mais importante e aparece em sua representação característica, sentado com as pernas cruzadas, semelhante ao seu protótipo do Vale do Indo. A figura no Caldeirão de Gundestrop aparece de modo semelhante, rodeada por uma viva representação de vários animais, talvez para denotar que ele é uma espécie de espírito dominante da natureza. Apesar de ter sido descoberto na Dinamarca e na atualidade se encontrar no Museu Nacional de Copenhague, essa magnífica obra de arte celta data do século I ou II A.C.
Em uma caverna de Val Camonica, na Itália, encontramos um estranho desenho, mais tosco e antigo que as representações anteriores, que data do século III ou IV AEC. Nele aparece Cernunnos como figura dominante, coroado com chifres de cervo e ataviado com um grande vestido. Diante dele, um homem nu levanta os braços em invocação, rendendo-lhe culto. Nos braços, o deus leva dois braceletes ou torques que aparecem muitas vezes em outras representações e que provavelmente simbolizam riqueza. Ao seu lado há uma estranha criatura que também aparece no Caldeirão de Gundestrop, uma serpente com chifres, talvez um símbolo fálico.
Quando Margaret Murray escreveu sobre Cernunnos em seu livro The God of the Witches [O Deus das Bruxas-NB], declarou que grande parte do que sabemos sobre o deus de chifres nas ilhas britânicas vem de registros escritos por monges e sacerdotes, pois as pessoas comuns que lhe rendiam culto eram analfabetas e não deixaram testemunhos escritos. Desde então se tem encontrado muitas representações de Cernunnos na Grã-Bretanha e sem dúvida o deus chifrudo celta foi invocado e venerado nestas ilhas, como na Gália e qualquer outro lugar da Europa Ocidental. A explicação de Margaret Murray da bruxaria como sobrevivência clandestina da antiga religião pagã fica, assim, confirmada por essas provas.
Da antiga Idade da Pedra até a Bretanha celta, da Tessália ao Tibet, a prova dos antigos testemunhos demonstra a universalidade e persistência da figura arquetípica do deus com chifres como espírito ativo da vida. Poderíamos incluir mais provas, como por exemplo, o deus primordial egípcio Khnum que aparece com a cabeça e chifres de um carneiro no ato de criar dando forma ao ser humano sobre uma roda de oleiro, ou o deus supremo dos antigos egípcios, Amon, que as vezes vemos representado como um carneiro exaltado sobre um santuário ou altar e coroado com os atributos de sua realeza.
Que importância tem essas duas figuras de culto, o deus de chifres e sua consorte, a deusa da lua, para que entre todas as divindades pagãs sobrevivessem como deidades da bruxaria?
Penso que a resposta se encontra em sua natureza primordial. Tanto o deus de chifres quanto sua consorte a deusa nua - essa algumas vezes representada sozinha e outras em sua forma tripla - se encontram, como foi dito antes, na arte sagrada mais antiga do ser humano, em seus mais remotos santuários, as cavernas da Idade da Pedra. A forma tripla da deusa está relacionada com as três fases da lua, crescente, cheia e minguante, cuja relação com a fertilidade humana é vital, pois o ciclo menstrual de vinte e oito dias coincide com a duração do mês lunar, um fato que sem dúvida o homem primitivo observou. Alguns arqueólogos acreditam que as representações e marcas deixadas pelos homens primitivos da Idade da Pedra são observações e reconhecimentos das fases lunares, a primeira tentativa de conhecer a astronomia e a formação de calendários.
A virilidade dos grandes animais corníferos, o cervo e o bisonte, dos quais dependia a sobrevivência do ser humano em sua fase de caçador, a beleza e mistério da luz da lua, a medida do tempo e a regulagem das marés, tanto da água quanto dos ciclos femininos, constituíam aspectos primitivos porém fundamentais, e os pagãos que renderam culto ao divino que se manifestava na natureza, os personificaram na primeira divindade que conhecemos.
Compreenderam, como os povos do Oriente continuam fazendo, a interação das forças opostas, embora complementares, sem as quais nenhuma manifestação poderá ter lugar. No antigo sistema de adivinhação chinês conhecido como o I Ching o Livro das Mutações, esses poderes fundamentais se chamam yin e yang. O yang representa o poder ativo e masculino, e o yin o feminino e passivo.
Segundo esse venerável tratado, um dos livros mais antigos do mundo, todas as coisas surgem dessa polaridade básica entre o yin e yang e sua interrelação, enquanto que sua união forma o símbolo conhecido como Tai Chi, o Absoluto, a última realidade. Sua representação gráfica consiste em um círculo dividido por uma linha curva em duas partes iguais, uma escura e outra clara.
A Cabala hebraica, que segundo seu tradutor S.L. MacGregor Mathers procede em última instância do antigo Egito, mostra uma idéia basicamente similar em seus pilares da Beleza e da Harmonia. O pilar da Misericórdia está coroado por Chokmah, o princípio arquetípico masculino, e o pilar da Severidade por Binah, o arquétipo feminino, enquanto que o pilar do meio está adornado por uma coroa mais alta, o divino brilho branco de Kether, a primeira emanação.
O simbolismo se perpetuou nos Pilares Gêmeos da maçonaria, Jachin e Boaz, que se elevam de ambos os lados do templo de Salomão. Na verdade, representam essa polaridade fundamental e divina que existe em toda a natureza, os dois opostos cuja união constituem a Grande Obra simbólica da alquimia. No simbolismo alquímico essa polaridade também é representada pelo sol masculino e a lua feminina.
O simbolismo é a linguagem natural da mente que manifesta a importância psicológica de nossos sonhos. O grande pioneiro nesse estudo foi Carl Gustav Jung, psicólogo que começou como discípulo de Sigmund Freud, mas logo superou as limitações que encerravam as opiniões materialistas de seu mestre. Jung descobriu que os seres humanos não só tem uma mente inconsciente individual, mas que em níveis mais profundos estão em contato com o inconsciente coletivo da raça. Nesse inconsciente encontram-se imagens cheias de um significado que se manteve guardado ali, inclusive desde que o ser humano surgiu no planeta.
É possível que Jung somente redescobriu o que os hierofantes dos antigos cultos dos mistérios já sabiam muito bem. Essa opinião encontra-se corroborada na declaração do Livro Tibetano dos Mortos, o Bardo Thodol, que trata não apenas dos estados posteriores à morte, mas de outras formas de transpor o véu da matéria, e ensina aos seus leitores atentos que tudo o que existe e todas as deidades, tanto pacíficas como hostis, surgiram de suas próprias mentes. No inconsciente coletivo da humanidade habitam, portanto, as imagens eternas dos deuses.
São a personificação das forças da natureza e modificações do casal primordial, o Pai e Mãe universais. No antigo Egito, todos os deuses e deusas múltiplas eram formas diversas do deus mais importante, Amon, cujo nome significa ‘o Oculto’, e de sua consorte feminina, Amoneth (ou Mut). Nos templos da Índia, o símbolo sagrado é o lingam-yoni, uma representação formalizada do falo do homem e da vagina da mulher, que não só simboliza a sexualidade humana mas a interação da força da vida em todas as suas formas.
Na Grã-Bretanha pré-histórica, os grandes templos neolíticos de Stonehenge e Avebury mostram a mesma polaridade simbólica, mas de uma forma mais sutil e austera. No mais antigo, o de Avebury, as enormes pedras são de formas alternadas, um pilar fálico alto e uma pedra mais baixa com uma forma mais ou menos romboidal, que expressam respectivamente um significado masculino e feminino. Duas das maiores são conhecidas atualmente como ‘Adão e Eva’. Em Stonehenge, temos o grande círculo, o útero receptivo, enquanto que na avenida externa se encontra a Pedra Hele, um menir fálico em cujo topo o sol do amanhecer parece pousar até o solstício de verão. Uma versão menor dessa disposição pode ser contemplada nas Pedras Rollright nos Montes Cotswolds, onde a alta Pedra do Rei se ergue fora de um círculo de pedra e está associada com lendas locais de bruxaria e de magia da fertilidade.
A escritora de ocultismo Dion Fortune (1891-1946) compreendeu o verdadeiro significado dos deuses antigos e seu papel arquetípico no inconsciente coletivo. Em suas obras se repete com freqüência a frase: "Todos os deuses são um e todas as deusas são uma, e só há um iniciador". O iniciador único é o próprio eu superior que se integra cada vez mais na personalidade conforme avança no caminho da evolução espiritual. É a que se referiu Buda quando falou a seus discípulos de "utilizar o Eu como uma lâmpada".
Dion Fortune escreveu uma série de notáveis novelas ocultistas, das quais duas em particular, The Goat-Foot e The Sea Priestess, são relevantes para o assunto que tratamos, pois a primeira aborda os poderes do deus cornífero e a última os da deusa da lua. Em ambos os livros se fala do deus com chifres como Pan e da deusa da lua como Ísis, mas fica claro que ambas as deidades são de caráter universal.
O conhecimento esotérico dessas estórias (para os que sabem ler entre linhas há muito) se desenvolve a partir de seu tratado sobre a tradição esotérica ocidental, The Mystical Qabalah. Nesse livro, Dion Fortune, que era uma iniciada nessa tradição, aborda a natureza real dos deuses como "imagens mágicas" não plasmadas em pedra ou madeira, mas configuradas por pensamentos da humanidade a partir da substância do plano astral que recebe a influência das energias da mente. Por isso se refere a isso, na falta de algo melhor, como "matéria-mental". Ela cita esses versos do poeta Swinburne:
Nenhum pensamento humano fez os deuses amar ou honrar,
Até que surgiu a canção dentro da alma muda,
Nem pode a terra desafiar o céu, de fato ou em sonhos,
Até que o mundo estampou a fala nos lábios do homem.
O que o grande psicólogo Jung descobriu mediante uma paciente investigação e reflexão, o poeta soube intuitivamente e os desconhecidos autores do Livro Tibetano dos Mortos souberam muito antes. Os deuses e as deusas são personificações dos poderes da natureza ou, talvez devêssemos dizer, do mundo sobrenatural, os poderes que governam e criam a vida do nosso universo, tanto o manifesto quanto o oculto. Em outras palavras, vivemos sobre um plano de formas sobre o qual existe um plano de forças em que se movem os deuses, porque personificando essas forças como deuses podemos estabelecer uma relação com eles.
Além disso, quando essa imagem mágica é desenvolvida e fortalecida durante o transcurso de séculos de ritual e culto, se converte em algo poderoso em si mesmo porque se obtém uma alma naquilo que é personificado. A forma pode começar como imaginação, mas quando o que personifica é real, a imaginação se converte numa realidade na faculdade criadora da imagem. Cada imagem artística deve primeiro ser percebida na mente do artista, em sua imaginação. Uma forma de pensamento subjetiva concebida por uma pessoa pode ser efêmera, mas as formas de pensamento de um povo é assunto diferente. Como Jung demonstrou, alguns conceitos como o da "Grande Mãe, o do "Ancião Sábio" e a "Criança Divina" são tão universais que os chamou de arquétipos, idéias formais que habitam no inconsciente coletivo da humanidade e que aparecem em visões e sonhos, incluindo as dos artistas.
As visões, tanto espontâneas como as induzidas, sempre jogaram um papel muito importante na experiência religiosa. As visões espontâneas surgem em forma de sonhos significativos ou experiências espirituais, essas últimas as vezes manifestando tal força que podem mudar a vida inteira de uma pessoa. As visões induzidas podem apresentar-se depois da entrada num estado de transe ou de êxtase. Esses estados e as diversas técnicas empregadas para induzi-los constituem um dos aspectos básicos de todas as religiões do mundo, desde as mais primitivas as mais sofisticadas. A palavra êxtase vem do grego ektasis, que significa sair temporariamente fora de si mesmo, romper os laços com o próprio mundo cotidiano e entrar em outro estado de ser. O homem extático mais antigo e primitivo é o xamã.
Provavelmente o xamanismo foi a forma mais primitiva de religião em todo mundo. Em seu ensaio sobre o tema, Shamanism: Archaic Techniques of Ectasy, Mircea Eliade define o xamanismo como "técnica do êxtase". O xamã - palavra que nos foi legado do russo, mas que parece ter sua origem nos dialetos do norte da Ásia - pode ser um homem ou uma mulher e sua função consiste em comunicar-se com os espíritos, tanto humanos como não humanos, e praticar todo tipo de magia, mas sua característica principal são os "vôos mágicos" que o levam a outros reinos do ser de onde volta com informação. A relação entre essa idéia e o suposto poder mágico das bruxas para voar, seja sobre uma vassoura tradicional ou outro tipo qualquer de bastão, é bastante óbvia.
Os meios pelos quais se levavam a cabo essas viagens ou vôos - e que continuam sendo praticados por xamãs contemporâneos como o mestre Carlos Castanheda, Don Juan Matus - consistiam quase sempre na ingestão de alguma droga alucinógena derivada de plantas ou cogumelos. Os xamãs do norte da Ásia usavam a Amanita muscaria que cresce em toda a Europa do norte e ocidental assim como nas ilhas britânicas. Atualmente se escreveu muito sobre essa planta e se tem investigado profundamente os efeitos desta e de outros alucinógenos naturais. Como resultado, os investigadores estão começando a revisar com olhos totalmente novos as descrições registradas da bruxaria européia, com seus ungüentos e conhecimento tradicional de ervas.
Outro meio para induzir o êxtase xamânico é uma dança frenética e ritmada, o tipo de baile que constituía um dos aspectos característicos dos covens. O xamã, em estado de êxtase, "encontra-se com os deuses", quer dizer, entra no plano além do véu da matéria, seja o plano astral ou o inconsciente coletivo.
Conscientes disso tudo, podemos ler com uma nova luz a famosa passagem que aparece nas primitivas leis canônicas da igreja cristã e que vem de re-compilações que datam do século X da nossa era:
Algumas mulheres malvadas, pervertidas pelo Diabo e seduzidas por ilusões e fantasmas de demônios, acreditam e, asseguram elas mesmas, que nas horas noturnas cavalgam sobre animais com Diana, a deusa dos pagãos, ou com Herodías, e uma multidão de mulheres atravessam no silêncio da noite os grandes espaços da terra e obedecem suas ordens como se fossem sua ama, e se congregam a seu serviço em determinadas noites.
Outros relatos de antigos autores falam de fantásticos covens ou Sabás durante os quais aparecia o próprio Diabo de chifres e cascos, rodeado por aparições espectrais de todo tipo. Isso, na verdade, se converteu num dos temas favoritos dos artistas, e alguns pintores, sobre tudo Hans Bandung, David Teniers, Frans Francken e Goya, se especializaram em descrevê-los, enquanto que o compositor Moussorgsky abordou musicalmente o mesmo tema em sua Night on the Bare Mountain com êxito considerável.
Esses covens visionários devem distinguir-se dos relatos das verdadeiras reuniões, que eram muito mais sóbrias e não tinham nada que não pudesse ser contado com naturalidade, tendo em conta que o ator principal, o suposto "Diabo", era simplesmente um homem vestido com uma máscara com chifres e peles de animais, igual ao dançarino mascarado que os artistas da Idade da Pedra desenharam na Caverne dês Trois Frères, em Ariège, França.
Existem também muitos relatos de investigadores antigos sobre confissões de bruxas nas quais asseguravam ter comparecido pelo ar a fantásticas e frenéticas reuniões e depois voltado da mesma maneira para suas casas. Esses relatos sempre contam a mesma história, ou seja, que a bruxa foi vista ungindo-se completamente nua com algum ungüento misterioso, e depois caindo num transe durante um tempo determinado em um sonho profundo, para no final despertar para contar suas aventuras no coven. As vezes, nos contam, as bruxas de mentalidade bastante simples se negavam a crer na explicação dos observadores de que na verdade não haviam estado voado pelo ar. (Apesar de falar de mulheres, nessas histórias se falam também de bruxos).
Diante de todas essas provas poder-se-ia pensar que os caçadores de bruxas tinham se dado conta de que se tratava do ungüento e não de Satã quem transportava as bruxas e bruxos no vôo, especialmente quando esses ungüentos incluíam ingredientes descritos por Giovanni Battista Porta em seu livro Magiae Naturalis. O fanatismo daqueles homens era tanto que negaram a possibilidade de que os ungüentos tivessem esse efeito e insistiram em atribuir tudo à intervenção de Satã nos problemas humanos. Esse aspecto é mostrado, com evidente aprovação, em History of Witchcraft and Demonology do intolerante Montague Summers.
Desde que Montague Summers escreveu seu livro, certamente erudito porém absolutamente parcial, os tempos mudaram. Por exemplo, dispomos de um simpósio interessante entitulado Hallucinogens and Shamanism, editado por Michael J. Harner, que inclui uma seção chamada "O papel das plantas alucinógenas na bruxaria européia", escrito pelo próprio Harner, que é professor assistente de antropologia da faculdade de New School for Social Research. Harner observa que as plantas tradicionais estudadas por Porta e outros como ingredientes na composição dos ungüentos das bruxas são as solanáceas, um gênero de plantas que incluem, junto a espécies tão humildes e conhecidas como a batata, o tomate e o tabaco, ervas perigosas e alucinógenas como o estramônio (Datura Stramonium) , o baleño (Hyoscyamus Níger), a mandrágora e a beladona (Atropa belladonna). Afirma que se encontram variedades dessas plantas por toda a Europa e América, e que os povos primitivos atuais continuam empregando-as em suas práticas xamãs.
Um fato particularmente interessante observado por Harner e seus colegas refere-se a que os povos que usam plantas alucinógenas, seja em forma de beberagem seja como ungüentos para fazer uma "viagem", tendem a ver as mesmas coisas em suas visões, dependendo do meio cultural em que vivem. Em outras palavras, os povos que tomam essas drogas estarão fortemente influenciados nas visões e experiências que parecer ter por suas idéias e crenças, e pela natureza das circunstâncias em que tomam a droga, o ambiente que os rodeia, etc.
Assim, os índios da América do Sul podiam ver em seus transes xamãs aos deuses pagãos tribais em que acreditavam, enquanto que os índios que tinham incorporado as influências dos missionários cristãos contemplavam símbolos cristãos misturados com os pagãos.
Algumas visões parecem ser características de certas drogas. A esse respeito, Harner observa a experiência do doutor Will-Erich Peukert, da universidade de Gottingen, Alemanha, que recentemente experimentou uma receita do século XVII para preparar uma pomada das bruxas ou "ungüento voador" e viveu um transe que durou vinte e quatro horas, durante as quais lhe pareceu participar das sinistras orgias dos lendários covens. A receita continha beladona, beleño e estramônio.
Outra característica encontrada em muitos lugares a partir das declarações de muitos testemunhos, é a sensação experimentada durante o efeito das drogas xamãs, de que a alma ou a mente se separam do corpo físico e voa pelo espaço para assistir cenas que ocorrem em locais distantes ou em alguma dimensão diferente. Tudo isso é bastante estranho para os antropólogos, especialmente quando índios que nunca viram uma cidade do homem branco ou um carro, afirmam visitar essa cidade em transe e perguntavam o que eram aquelas coisas estranhas que viajavam tão rápido pelas estradas. Para os ocultistas que conhecem o conceito da projeção astral, quer dizer, a faculdade do corpo astral separar-se do físico e viajar para outras dimensões do ser, a explicação é natural.
Harner comenta que os eruditos e os membros atuais dos covens de bruxaria em geral, fracassaram na hora de compreender a grande importância das plantas alucinógenas na bruxaria européia dos tempos antigos. Entretanto, até onde eu sei, isso não é assim nos covens modernos, apesar dos que possuem informação prática sobre esses assuntos geralmente preferirem manter um segredo absoluto. Adquiriram seu conhecimento das antigas fontes tradicionais mais do que desses "bruxos" e "bruxas" modernos que buscam publicidade nos meios de comunicação, e avisam que essas substâncias alucinógenas são perigosas, tanto as plantas quanto os cogumelos. Não querem assumir a responsabilidade de incentivar as pessoas imprudentes a experimentar o que poderia ter resultados fatais. Gostaria também de dizer aqui que, a menos que se tenha um conhecimento especializado ou se disponha de um guia a respeito disso, as experiências práticas com elas são muito insensatas.
Já me referi à história contada por Francis King em Ritual Magic in England e que provém do seu amigo Louis Wilkinson, do coven sobrevivente de New Forest no qual foi originalmente iniciado. King afirma que esse coven utilizava o cogumelo chamado mata-moscas como alucinógeno, ingerindo-o oralmente em doses muito pequenas. Também usavam um ungüento, mas se tratava de uma substância oleosa para proteger seus corpos nus do frio enquanto participavam de ritos ao ar livre. King disse que consistia em ‘óleo de urso’, mas eu tenho minhas dúvidas. Por acaso existem ursos em New Forest ? Parece mais provável que se trate de ‘óleo de javali’, em outras palavras, banha de porco, que era o excipiente normal para as pomadas medicinais à qual se misturava normalmente benjoim para melhorar o cheiro e para que se conservasse melhor.
O uso da erva mata-moscas associa a prática desse coven diretamente com o antigo xamanismo do norte da Ásia, a região de onde vem a palavra "xamã". Essa erva parece ter uma relação tradicional com a palavra Faery. Em quase todos os livros de contos de fadas se encontrará em suas páginas o desenho de um cogumelo de cores vistosas, com seu chapéu vermelho com pontos brancos. Não é mais tão comum como deve ter sido há séculos, devido ao aumento da urbanização do campo, porém se pode encontrar nas áreas silvestres.
O mundo mágico das fadas é o mundo das almas dos mortos pagãos, dos espíritos da natureza e dos deuses pagãos. Isso se manifesta claramente na mitologia celta das ilhas britânicas e da Europa em geral. Também é o mundo do Povo Pequeno, composto pelas raças misteriosas que ocupavam o país antes da chegada dos invasores e colonizadores celtas. Eram escuros e de estatura pequena, embora não tão pequenos e diferentes dos humanos que não pudessem casar-se com os recém chegados. Eram o misterioso e as vezes perigoso Povo Pequeno, dono de uma herança local de magia.
Como uma cultura sucede a outra, os deuses e as deusas que eram personificações dos poderes primordiais continuaram a ser venerados, mas com ritos diferentes, simplesmente porque esses poderes são primordiais: vida, fertilidade, morte e o que há no além. A igreja cristã construiu seus santuários sobre lugares pagãos sagrados. Sua festividade central, a Páscoa, tomou seu nome de Eostre ou Ostara, a deusa pagã da primavera. O festão dos druidas, todavia, adorna nossas casas no Natal. A véspera celta de Samhain se converteu na véspera de todos os santos, ou Hallowe’en. O folclore pode proporcionar dezenas de exemplos parecidos nos quais a religião do país se converte, literalmente, na sabedoria popular.
O culto aos deuses antigos nunca morreu, simplesmente passou à clandestinidade ou mudou de forma e aqueles que uma vez foram seus sacerdotes e sacerdotisas na época dos anglo saxões começaram a ser chamados de bruxos e bruxas.
Publicado por Doreen Valiente em Witchcraft for Tomorrow [pg 23 a 35-NB], trad. por Mario Martinez.
Fonte: Espiralando [link perdido]
Os homens da igreja e outros autores que denunciaram a bruxaria e suas práticas pagãs descreveram em seus livros duas deidades que, segundo eles, as bruxas e bruxos renderam culto em lugar do deus cristão. São a figura com chifres, parte humana e parte animal, que se sentava no trono dos covens e Sabás fracamente iluminada pelas chamas de uma fogueira ritual, enquanto os bruxos e bruxas dançavam ao seu redor, e, ao seu lado, uma formosa mulher nua que era considerada a rainha do coven, provavelmente porque representava e personificava Diana, a deusa da lua, ou sua filha Aradia. Ambas as figuras centrais do culto, que na prática eram seres humanos presidiam as danças selvagens e orgíacas em determinadas datas tradicionais do ano, festas sazonais tão antigas que ninguém sabia quando começaram. Estes são os aspectos centrais do culto da bruxaria segundo o testemunho de várias testemunhas hostis.
Ambas as divindades, o deus com chifres e a deusa nua, podem ser encontradas nas pinturas das cavernas e nos relevos de nossos antepassados pré-históricos na Europa ocidental. O deus de chifres também aparece na arte religiosa das cidades pré-arianas do vale do Indo, Mohenjo-Daro e Harappa. Ele aparece, muitas vezes descrito pelos antigos autores quando se referem às abominações da bruxaria, inclusive com o detalhe de portar uma tocha entre os chifres. Acredita-se que a civilização dessas antigas cidades da Índia datam do terceiro milênio A.C.
A imagem de uma cabeça com uma luz entre os chifres sobreviveu no culto secreto tântrico da Índia até nossos dias. O Mahanirvana Tantra, que descreve o culto da deusa suprema Adya Kali, mediante o ritual Panchatattva, e que inclui a oferenda de vinho, carne, pescado, cereal e a cópula sexual dentro de um círculo consagrado, nos fala da imolação de um animal macho com chifres que tinha de ser sacrificado à deusa. O animal era decapitado com um certeiro golpe da faca cerimonial e em seguida oferecia-se a cabeça cortada, com uma luz entre os chifres, com as palavras: "Com uma luz sobre ela, ofereço esta cabeça a Devi com obediência".
Antes de acusar os tântricos de crueldade com os animais, devemos ter em conta o fato de que acreditam que através desse ato o animal sacrificado fica liberto da escravidão de sua vida como animal, permitindo que ele regresse num estado mais elevado de existência. Para isso se reza uma oração especial diante do animal antes de sacrificá-lo. Não seria muito arriscado imaginar que o animal sacrificado representa na verdade a divindade pré-histórica com chifres da Índia pré-ariana. Muitos comentaristas das escrituras, chamadas Tantras, tem sugerido que elas incluem idéias religiosas consideravelmente antigas, embora a forma em que chegaram a nossos dias tenha vindo dos brâmanes e dos budistas segundo suas idéias, muito posteriores.
Mais longe para o Oriente, encontramos temíveis deuses com chifres na arte tibetana, nepalesa e territórios adjacentes e, embora apareçam num contexto budista, evidentemente são o resultado de uma adaptação para adequarem-se a essa religião. A mais notável dessas divindades, representada tanto por estátuas como em cilindros maravilhosamente coloridos pendurados nas paredes chamados tankas, é Yamantaka, que algumas vezes aparece com a cabeça de um touro e outras com os enormes chifres de um yaque tibetano. Yamatanka está ladeado por sua homóloga feminina, chamada sua prajna ou ‘sabedoria’, que aparece rodeada por uma aura de chamas. Apesar de sua aparência terrível, os budistas não o consideram um ser maligno, mas uma das deidades que atuam como guardiões da religião budista, a quem também chamam de "Destruidora da Morte".
O fato de que essa deidade foi venerada e invocada pelos seguidores da religião pré-budista nos fornece uma chave sobre sua verdadeira origem e antiguidade. Essa religião, de um tipo muito mais primitivo, estava relacionada com a magia e com os espíritos e deuses da natureza, e provavelmente derivou do antigo xamanismo das remotas religiões da Ásia, como o norte da Mongólia e do Tibet. Idries Shah em seu livro Oriental Magic, inclui uma invocação dos magos-sacerdotes Bon. Devido à invasão comunista chinesa do Tibet temos que falar das tradições tibetanas no passado, mas é muito possível que em alguns bosques remotos ou vales montanhosos se continue rendendo culto a Yamantaka, do mesmo modo que os bruxos seguiram rendendo culto clandestinamente a seus antigos deuses pagãos depois da entrada violenta do cristianismo na Europa.
Na Europa, a versão mais conhecida do deus de chifres é Pan. Era a divindade dos fazendeiros e dos pastores de Arcádia, a região mais rural da antiga Grécia. Embora mais primitiva que as sofisticadas deidades do Monte Olimpo, Pan era muito querido pelos camponeses como portador da fertilidade. Encarnava a força vital da natureza e era conhecido como Panphage, Pangenetor, "que a tudo devora", "que a tudo engendra". Também o deus Osíris do Egito era símbolo da força vital que retorna, e ao mesmo tempo, o deus da morte e do além. Para os antigos pagãos, a vida e a morte eram duas faces da mesma moeda.
Quando estava ofendido, Pan podia inspirar terror e nossa palavra "pânico" deriva do seu nome. A natureza é majestosa e inspiradora, mas as vezes é terrível. A palavra Pan também significava "todo". Algumas representações de Pan o mostram como um deus universal, motivo do seu corpo ser metade humano e metade animal. A pele de cervo que traz pendurada nos ombros representa as estrelas do céu. Seus cabelos emaranhados simbolizam os bosques e as matas. Seus poderosos cascos são a força das rochas. Seus chifres são raios de luz, enquanto que sua flauta de sete canas com a qual toca a melodia mística da vida, encantando a todos os que a ouvem, é o símbolo do governo dos sete astros celestiais, o sol, a lua e os cinco planetas visíveis. Na arte sagrada oriental existem representações parecidas do deus Krishna, cuja aparição em sua forma universal se descreve vividamente no Bhagavad Gita.
Os adeptos da bruxaria na Tessália, na antiga Grécia, rendiam culto ao deus Pan. Se dizia que era o amante secreto da deusa lunar Artemisa, a versão grega de Diana. Convocava seus seguidores a virem nus em seus rituais à luz da lua, igual ao que séculos mais tarde os bruxos e bruxas faziam, dançando nus nos covens.
Como aconteceu com muitos outros deuses e deusas, os romanos herdaram Pan dos gregos. O chamaram Faunus ou Silvanos. Seu povo eram os sátiros e as ninfas do bosque, personificações da vida oculta da natureza. Para eles o animal sagrado era a cabra, que mais tarde se converteria no cabrito do coven. Para os primeiros cristãos, que pensavam que este mundo tinha perdido a graça e era a morada do pecado, sua inesgotável alegria e falta de vergonha resultavam, naturalmente, repugnantes e por isso se adotou o modelo sobre o qual se criou o Satã de chifres e rabo. Os estudiosos das religiões comparadas conhecem muito bem a evolução que transformou o deus da antiga fé no diabo da nova.
Os budistas, como vimos, foram muito mais sutis com os primitivos deuses de chifres de seus países. Em vez de declarar que eram demônios, os incorporaram à religião como guardiões da fé.
A versão celta do deus Pan foi Cernunnos, que significava ‘o cornífero’. Esse nome foi descoberto num altar dedicado a ele, encontrado sob a catedral de Notre Dame e que agora se conserva no museu de Cluny, em Paris. Provavelmente, o santuário da nova religião foi construído sobre o que antes era um local sagrado pagão.
Outras representações famosas do deus Cernunnos são a estátua da época galo-romana que se encontra no Museu de Reims e a encontrada no esplêndido caldeirão de prata conhecido como Caldeirão de Gundestrop, achado numa turfeira da Dinamarca em 1891. A primeira, que faz parte de um grupo de estátuas evidentemente romanas, mostra Cernunnos com Apolo e Mercúrio, mas ele é a figura mais importante e aparece em sua representação característica, sentado com as pernas cruzadas, semelhante ao seu protótipo do Vale do Indo. A figura no Caldeirão de Gundestrop aparece de modo semelhante, rodeada por uma viva representação de vários animais, talvez para denotar que ele é uma espécie de espírito dominante da natureza. Apesar de ter sido descoberto na Dinamarca e na atualidade se encontrar no Museu Nacional de Copenhague, essa magnífica obra de arte celta data do século I ou II A.C.
Em uma caverna de Val Camonica, na Itália, encontramos um estranho desenho, mais tosco e antigo que as representações anteriores, que data do século III ou IV AEC. Nele aparece Cernunnos como figura dominante, coroado com chifres de cervo e ataviado com um grande vestido. Diante dele, um homem nu levanta os braços em invocação, rendendo-lhe culto. Nos braços, o deus leva dois braceletes ou torques que aparecem muitas vezes em outras representações e que provavelmente simbolizam riqueza. Ao seu lado há uma estranha criatura que também aparece no Caldeirão de Gundestrop, uma serpente com chifres, talvez um símbolo fálico.
Quando Margaret Murray escreveu sobre Cernunnos em seu livro The God of the Witches [O Deus das Bruxas-NB], declarou que grande parte do que sabemos sobre o deus de chifres nas ilhas britânicas vem de registros escritos por monges e sacerdotes, pois as pessoas comuns que lhe rendiam culto eram analfabetas e não deixaram testemunhos escritos. Desde então se tem encontrado muitas representações de Cernunnos na Grã-Bretanha e sem dúvida o deus chifrudo celta foi invocado e venerado nestas ilhas, como na Gália e qualquer outro lugar da Europa Ocidental. A explicação de Margaret Murray da bruxaria como sobrevivência clandestina da antiga religião pagã fica, assim, confirmada por essas provas.
Da antiga Idade da Pedra até a Bretanha celta, da Tessália ao Tibet, a prova dos antigos testemunhos demonstra a universalidade e persistência da figura arquetípica do deus com chifres como espírito ativo da vida. Poderíamos incluir mais provas, como por exemplo, o deus primordial egípcio Khnum que aparece com a cabeça e chifres de um carneiro no ato de criar dando forma ao ser humano sobre uma roda de oleiro, ou o deus supremo dos antigos egípcios, Amon, que as vezes vemos representado como um carneiro exaltado sobre um santuário ou altar e coroado com os atributos de sua realeza.
Que importância tem essas duas figuras de culto, o deus de chifres e sua consorte, a deusa da lua, para que entre todas as divindades pagãs sobrevivessem como deidades da bruxaria?
Penso que a resposta se encontra em sua natureza primordial. Tanto o deus de chifres quanto sua consorte a deusa nua - essa algumas vezes representada sozinha e outras em sua forma tripla - se encontram, como foi dito antes, na arte sagrada mais antiga do ser humano, em seus mais remotos santuários, as cavernas da Idade da Pedra. A forma tripla da deusa está relacionada com as três fases da lua, crescente, cheia e minguante, cuja relação com a fertilidade humana é vital, pois o ciclo menstrual de vinte e oito dias coincide com a duração do mês lunar, um fato que sem dúvida o homem primitivo observou. Alguns arqueólogos acreditam que as representações e marcas deixadas pelos homens primitivos da Idade da Pedra são observações e reconhecimentos das fases lunares, a primeira tentativa de conhecer a astronomia e a formação de calendários.
A virilidade dos grandes animais corníferos, o cervo e o bisonte, dos quais dependia a sobrevivência do ser humano em sua fase de caçador, a beleza e mistério da luz da lua, a medida do tempo e a regulagem das marés, tanto da água quanto dos ciclos femininos, constituíam aspectos primitivos porém fundamentais, e os pagãos que renderam culto ao divino que se manifestava na natureza, os personificaram na primeira divindade que conhecemos.
Compreenderam, como os povos do Oriente continuam fazendo, a interação das forças opostas, embora complementares, sem as quais nenhuma manifestação poderá ter lugar. No antigo sistema de adivinhação chinês conhecido como o I Ching o Livro das Mutações, esses poderes fundamentais se chamam yin e yang. O yang representa o poder ativo e masculino, e o yin o feminino e passivo.
Segundo esse venerável tratado, um dos livros mais antigos do mundo, todas as coisas surgem dessa polaridade básica entre o yin e yang e sua interrelação, enquanto que sua união forma o símbolo conhecido como Tai Chi, o Absoluto, a última realidade. Sua representação gráfica consiste em um círculo dividido por uma linha curva em duas partes iguais, uma escura e outra clara.
A Cabala hebraica, que segundo seu tradutor S.L. MacGregor Mathers procede em última instância do antigo Egito, mostra uma idéia basicamente similar em seus pilares da Beleza e da Harmonia. O pilar da Misericórdia está coroado por Chokmah, o princípio arquetípico masculino, e o pilar da Severidade por Binah, o arquétipo feminino, enquanto que o pilar do meio está adornado por uma coroa mais alta, o divino brilho branco de Kether, a primeira emanação.
O simbolismo se perpetuou nos Pilares Gêmeos da maçonaria, Jachin e Boaz, que se elevam de ambos os lados do templo de Salomão. Na verdade, representam essa polaridade fundamental e divina que existe em toda a natureza, os dois opostos cuja união constituem a Grande Obra simbólica da alquimia. No simbolismo alquímico essa polaridade também é representada pelo sol masculino e a lua feminina.
O simbolismo é a linguagem natural da mente que manifesta a importância psicológica de nossos sonhos. O grande pioneiro nesse estudo foi Carl Gustav Jung, psicólogo que começou como discípulo de Sigmund Freud, mas logo superou as limitações que encerravam as opiniões materialistas de seu mestre. Jung descobriu que os seres humanos não só tem uma mente inconsciente individual, mas que em níveis mais profundos estão em contato com o inconsciente coletivo da raça. Nesse inconsciente encontram-se imagens cheias de um significado que se manteve guardado ali, inclusive desde que o ser humano surgiu no planeta.
É possível que Jung somente redescobriu o que os hierofantes dos antigos cultos dos mistérios já sabiam muito bem. Essa opinião encontra-se corroborada na declaração do Livro Tibetano dos Mortos, o Bardo Thodol, que trata não apenas dos estados posteriores à morte, mas de outras formas de transpor o véu da matéria, e ensina aos seus leitores atentos que tudo o que existe e todas as deidades, tanto pacíficas como hostis, surgiram de suas próprias mentes. No inconsciente coletivo da humanidade habitam, portanto, as imagens eternas dos deuses.
São a personificação das forças da natureza e modificações do casal primordial, o Pai e Mãe universais. No antigo Egito, todos os deuses e deusas múltiplas eram formas diversas do deus mais importante, Amon, cujo nome significa ‘o Oculto’, e de sua consorte feminina, Amoneth (ou Mut). Nos templos da Índia, o símbolo sagrado é o lingam-yoni, uma representação formalizada do falo do homem e da vagina da mulher, que não só simboliza a sexualidade humana mas a interação da força da vida em todas as suas formas.
Na Grã-Bretanha pré-histórica, os grandes templos neolíticos de Stonehenge e Avebury mostram a mesma polaridade simbólica, mas de uma forma mais sutil e austera. No mais antigo, o de Avebury, as enormes pedras são de formas alternadas, um pilar fálico alto e uma pedra mais baixa com uma forma mais ou menos romboidal, que expressam respectivamente um significado masculino e feminino. Duas das maiores são conhecidas atualmente como ‘Adão e Eva’. Em Stonehenge, temos o grande círculo, o útero receptivo, enquanto que na avenida externa se encontra a Pedra Hele, um menir fálico em cujo topo o sol do amanhecer parece pousar até o solstício de verão. Uma versão menor dessa disposição pode ser contemplada nas Pedras Rollright nos Montes Cotswolds, onde a alta Pedra do Rei se ergue fora de um círculo de pedra e está associada com lendas locais de bruxaria e de magia da fertilidade.
A escritora de ocultismo Dion Fortune (1891-1946) compreendeu o verdadeiro significado dos deuses antigos e seu papel arquetípico no inconsciente coletivo. Em suas obras se repete com freqüência a frase: "Todos os deuses são um e todas as deusas são uma, e só há um iniciador". O iniciador único é o próprio eu superior que se integra cada vez mais na personalidade conforme avança no caminho da evolução espiritual. É a que se referiu Buda quando falou a seus discípulos de "utilizar o Eu como uma lâmpada".
Dion Fortune escreveu uma série de notáveis novelas ocultistas, das quais duas em particular, The Goat-Foot e The Sea Priestess, são relevantes para o assunto que tratamos, pois a primeira aborda os poderes do deus cornífero e a última os da deusa da lua. Em ambos os livros se fala do deus com chifres como Pan e da deusa da lua como Ísis, mas fica claro que ambas as deidades são de caráter universal.
O conhecimento esotérico dessas estórias (para os que sabem ler entre linhas há muito) se desenvolve a partir de seu tratado sobre a tradição esotérica ocidental, The Mystical Qabalah. Nesse livro, Dion Fortune, que era uma iniciada nessa tradição, aborda a natureza real dos deuses como "imagens mágicas" não plasmadas em pedra ou madeira, mas configuradas por pensamentos da humanidade a partir da substância do plano astral que recebe a influência das energias da mente. Por isso se refere a isso, na falta de algo melhor, como "matéria-mental". Ela cita esses versos do poeta Swinburne:
Nenhum pensamento humano fez os deuses amar ou honrar,
Até que surgiu a canção dentro da alma muda,
Nem pode a terra desafiar o céu, de fato ou em sonhos,
Até que o mundo estampou a fala nos lábios do homem.
O que o grande psicólogo Jung descobriu mediante uma paciente investigação e reflexão, o poeta soube intuitivamente e os desconhecidos autores do Livro Tibetano dos Mortos souberam muito antes. Os deuses e as deusas são personificações dos poderes da natureza ou, talvez devêssemos dizer, do mundo sobrenatural, os poderes que governam e criam a vida do nosso universo, tanto o manifesto quanto o oculto. Em outras palavras, vivemos sobre um plano de formas sobre o qual existe um plano de forças em que se movem os deuses, porque personificando essas forças como deuses podemos estabelecer uma relação com eles.
Além disso, quando essa imagem mágica é desenvolvida e fortalecida durante o transcurso de séculos de ritual e culto, se converte em algo poderoso em si mesmo porque se obtém uma alma naquilo que é personificado. A forma pode começar como imaginação, mas quando o que personifica é real, a imaginação se converte numa realidade na faculdade criadora da imagem. Cada imagem artística deve primeiro ser percebida na mente do artista, em sua imaginação. Uma forma de pensamento subjetiva concebida por uma pessoa pode ser efêmera, mas as formas de pensamento de um povo é assunto diferente. Como Jung demonstrou, alguns conceitos como o da "Grande Mãe, o do "Ancião Sábio" e a "Criança Divina" são tão universais que os chamou de arquétipos, idéias formais que habitam no inconsciente coletivo da humanidade e que aparecem em visões e sonhos, incluindo as dos artistas.
As visões, tanto espontâneas como as induzidas, sempre jogaram um papel muito importante na experiência religiosa. As visões espontâneas surgem em forma de sonhos significativos ou experiências espirituais, essas últimas as vezes manifestando tal força que podem mudar a vida inteira de uma pessoa. As visões induzidas podem apresentar-se depois da entrada num estado de transe ou de êxtase. Esses estados e as diversas técnicas empregadas para induzi-los constituem um dos aspectos básicos de todas as religiões do mundo, desde as mais primitivas as mais sofisticadas. A palavra êxtase vem do grego ektasis, que significa sair temporariamente fora de si mesmo, romper os laços com o próprio mundo cotidiano e entrar em outro estado de ser. O homem extático mais antigo e primitivo é o xamã.
Provavelmente o xamanismo foi a forma mais primitiva de religião em todo mundo. Em seu ensaio sobre o tema, Shamanism: Archaic Techniques of Ectasy, Mircea Eliade define o xamanismo como "técnica do êxtase". O xamã - palavra que nos foi legado do russo, mas que parece ter sua origem nos dialetos do norte da Ásia - pode ser um homem ou uma mulher e sua função consiste em comunicar-se com os espíritos, tanto humanos como não humanos, e praticar todo tipo de magia, mas sua característica principal são os "vôos mágicos" que o levam a outros reinos do ser de onde volta com informação. A relação entre essa idéia e o suposto poder mágico das bruxas para voar, seja sobre uma vassoura tradicional ou outro tipo qualquer de bastão, é bastante óbvia.
Os meios pelos quais se levavam a cabo essas viagens ou vôos - e que continuam sendo praticados por xamãs contemporâneos como o mestre Carlos Castanheda, Don Juan Matus - consistiam quase sempre na ingestão de alguma droga alucinógena derivada de plantas ou cogumelos. Os xamãs do norte da Ásia usavam a Amanita muscaria que cresce em toda a Europa do norte e ocidental assim como nas ilhas britânicas. Atualmente se escreveu muito sobre essa planta e se tem investigado profundamente os efeitos desta e de outros alucinógenos naturais. Como resultado, os investigadores estão começando a revisar com olhos totalmente novos as descrições registradas da bruxaria européia, com seus ungüentos e conhecimento tradicional de ervas.
Outro meio para induzir o êxtase xamânico é uma dança frenética e ritmada, o tipo de baile que constituía um dos aspectos característicos dos covens. O xamã, em estado de êxtase, "encontra-se com os deuses", quer dizer, entra no plano além do véu da matéria, seja o plano astral ou o inconsciente coletivo.
Conscientes disso tudo, podemos ler com uma nova luz a famosa passagem que aparece nas primitivas leis canônicas da igreja cristã e que vem de re-compilações que datam do século X da nossa era:
Algumas mulheres malvadas, pervertidas pelo Diabo e seduzidas por ilusões e fantasmas de demônios, acreditam e, asseguram elas mesmas, que nas horas noturnas cavalgam sobre animais com Diana, a deusa dos pagãos, ou com Herodías, e uma multidão de mulheres atravessam no silêncio da noite os grandes espaços da terra e obedecem suas ordens como se fossem sua ama, e se congregam a seu serviço em determinadas noites.
Outros relatos de antigos autores falam de fantásticos covens ou Sabás durante os quais aparecia o próprio Diabo de chifres e cascos, rodeado por aparições espectrais de todo tipo. Isso, na verdade, se converteu num dos temas favoritos dos artistas, e alguns pintores, sobre tudo Hans Bandung, David Teniers, Frans Francken e Goya, se especializaram em descrevê-los, enquanto que o compositor Moussorgsky abordou musicalmente o mesmo tema em sua Night on the Bare Mountain com êxito considerável.
Esses covens visionários devem distinguir-se dos relatos das verdadeiras reuniões, que eram muito mais sóbrias e não tinham nada que não pudesse ser contado com naturalidade, tendo em conta que o ator principal, o suposto "Diabo", era simplesmente um homem vestido com uma máscara com chifres e peles de animais, igual ao dançarino mascarado que os artistas da Idade da Pedra desenharam na Caverne dês Trois Frères, em Ariège, França.
Existem também muitos relatos de investigadores antigos sobre confissões de bruxas nas quais asseguravam ter comparecido pelo ar a fantásticas e frenéticas reuniões e depois voltado da mesma maneira para suas casas. Esses relatos sempre contam a mesma história, ou seja, que a bruxa foi vista ungindo-se completamente nua com algum ungüento misterioso, e depois caindo num transe durante um tempo determinado em um sonho profundo, para no final despertar para contar suas aventuras no coven. As vezes, nos contam, as bruxas de mentalidade bastante simples se negavam a crer na explicação dos observadores de que na verdade não haviam estado voado pelo ar. (Apesar de falar de mulheres, nessas histórias se falam também de bruxos).
Diante de todas essas provas poder-se-ia pensar que os caçadores de bruxas tinham se dado conta de que se tratava do ungüento e não de Satã quem transportava as bruxas e bruxos no vôo, especialmente quando esses ungüentos incluíam ingredientes descritos por Giovanni Battista Porta em seu livro Magiae Naturalis. O fanatismo daqueles homens era tanto que negaram a possibilidade de que os ungüentos tivessem esse efeito e insistiram em atribuir tudo à intervenção de Satã nos problemas humanos. Esse aspecto é mostrado, com evidente aprovação, em History of Witchcraft and Demonology do intolerante Montague Summers.
Desde que Montague Summers escreveu seu livro, certamente erudito porém absolutamente parcial, os tempos mudaram. Por exemplo, dispomos de um simpósio interessante entitulado Hallucinogens and Shamanism, editado por Michael J. Harner, que inclui uma seção chamada "O papel das plantas alucinógenas na bruxaria européia", escrito pelo próprio Harner, que é professor assistente de antropologia da faculdade de New School for Social Research. Harner observa que as plantas tradicionais estudadas por Porta e outros como ingredientes na composição dos ungüentos das bruxas são as solanáceas, um gênero de plantas que incluem, junto a espécies tão humildes e conhecidas como a batata, o tomate e o tabaco, ervas perigosas e alucinógenas como o estramônio (Datura Stramonium) , o baleño (Hyoscyamus Níger), a mandrágora e a beladona (Atropa belladonna). Afirma que se encontram variedades dessas plantas por toda a Europa e América, e que os povos primitivos atuais continuam empregando-as em suas práticas xamãs.
Um fato particularmente interessante observado por Harner e seus colegas refere-se a que os povos que usam plantas alucinógenas, seja em forma de beberagem seja como ungüentos para fazer uma "viagem", tendem a ver as mesmas coisas em suas visões, dependendo do meio cultural em que vivem. Em outras palavras, os povos que tomam essas drogas estarão fortemente influenciados nas visões e experiências que parecer ter por suas idéias e crenças, e pela natureza das circunstâncias em que tomam a droga, o ambiente que os rodeia, etc.
Assim, os índios da América do Sul podiam ver em seus transes xamãs aos deuses pagãos tribais em que acreditavam, enquanto que os índios que tinham incorporado as influências dos missionários cristãos contemplavam símbolos cristãos misturados com os pagãos.
Algumas visões parecem ser características de certas drogas. A esse respeito, Harner observa a experiência do doutor Will-Erich Peukert, da universidade de Gottingen, Alemanha, que recentemente experimentou uma receita do século XVII para preparar uma pomada das bruxas ou "ungüento voador" e viveu um transe que durou vinte e quatro horas, durante as quais lhe pareceu participar das sinistras orgias dos lendários covens. A receita continha beladona, beleño e estramônio.
Outra característica encontrada em muitos lugares a partir das declarações de muitos testemunhos, é a sensação experimentada durante o efeito das drogas xamãs, de que a alma ou a mente se separam do corpo físico e voa pelo espaço para assistir cenas que ocorrem em locais distantes ou em alguma dimensão diferente. Tudo isso é bastante estranho para os antropólogos, especialmente quando índios que nunca viram uma cidade do homem branco ou um carro, afirmam visitar essa cidade em transe e perguntavam o que eram aquelas coisas estranhas que viajavam tão rápido pelas estradas. Para os ocultistas que conhecem o conceito da projeção astral, quer dizer, a faculdade do corpo astral separar-se do físico e viajar para outras dimensões do ser, a explicação é natural.
Harner comenta que os eruditos e os membros atuais dos covens de bruxaria em geral, fracassaram na hora de compreender a grande importância das plantas alucinógenas na bruxaria européia dos tempos antigos. Entretanto, até onde eu sei, isso não é assim nos covens modernos, apesar dos que possuem informação prática sobre esses assuntos geralmente preferirem manter um segredo absoluto. Adquiriram seu conhecimento das antigas fontes tradicionais mais do que desses "bruxos" e "bruxas" modernos que buscam publicidade nos meios de comunicação, e avisam que essas substâncias alucinógenas são perigosas, tanto as plantas quanto os cogumelos. Não querem assumir a responsabilidade de incentivar as pessoas imprudentes a experimentar o que poderia ter resultados fatais. Gostaria também de dizer aqui que, a menos que se tenha um conhecimento especializado ou se disponha de um guia a respeito disso, as experiências práticas com elas são muito insensatas.
Já me referi à história contada por Francis King em Ritual Magic in England e que provém do seu amigo Louis Wilkinson, do coven sobrevivente de New Forest no qual foi originalmente iniciado. King afirma que esse coven utilizava o cogumelo chamado mata-moscas como alucinógeno, ingerindo-o oralmente em doses muito pequenas. Também usavam um ungüento, mas se tratava de uma substância oleosa para proteger seus corpos nus do frio enquanto participavam de ritos ao ar livre. King disse que consistia em ‘óleo de urso’, mas eu tenho minhas dúvidas. Por acaso existem ursos em New Forest ? Parece mais provável que se trate de ‘óleo de javali’, em outras palavras, banha de porco, que era o excipiente normal para as pomadas medicinais à qual se misturava normalmente benjoim para melhorar o cheiro e para que se conservasse melhor.
O uso da erva mata-moscas associa a prática desse coven diretamente com o antigo xamanismo do norte da Ásia, a região de onde vem a palavra "xamã". Essa erva parece ter uma relação tradicional com a palavra Faery. Em quase todos os livros de contos de fadas se encontrará em suas páginas o desenho de um cogumelo de cores vistosas, com seu chapéu vermelho com pontos brancos. Não é mais tão comum como deve ter sido há séculos, devido ao aumento da urbanização do campo, porém se pode encontrar nas áreas silvestres.
O mundo mágico das fadas é o mundo das almas dos mortos pagãos, dos espíritos da natureza e dos deuses pagãos. Isso se manifesta claramente na mitologia celta das ilhas britânicas e da Europa em geral. Também é o mundo do Povo Pequeno, composto pelas raças misteriosas que ocupavam o país antes da chegada dos invasores e colonizadores celtas. Eram escuros e de estatura pequena, embora não tão pequenos e diferentes dos humanos que não pudessem casar-se com os recém chegados. Eram o misterioso e as vezes perigoso Povo Pequeno, dono de uma herança local de magia.
Como uma cultura sucede a outra, os deuses e as deusas que eram personificações dos poderes primordiais continuaram a ser venerados, mas com ritos diferentes, simplesmente porque esses poderes são primordiais: vida, fertilidade, morte e o que há no além. A igreja cristã construiu seus santuários sobre lugares pagãos sagrados. Sua festividade central, a Páscoa, tomou seu nome de Eostre ou Ostara, a deusa pagã da primavera. O festão dos druidas, todavia, adorna nossas casas no Natal. A véspera celta de Samhain se converteu na véspera de todos os santos, ou Hallowe’en. O folclore pode proporcionar dezenas de exemplos parecidos nos quais a religião do país se converte, literalmente, na sabedoria popular.
O culto aos deuses antigos nunca morreu, simplesmente passou à clandestinidade ou mudou de forma e aqueles que uma vez foram seus sacerdotes e sacerdotisas na época dos anglo saxões começaram a ser chamados de bruxos e bruxas.
Publicado por Doreen Valiente em Witchcraft for Tomorrow [pg 23 a 35-NB], trad. por Mario Martinez.
Fonte: Espiralando [link perdido]
Um comentário:
Caro Roberto, gostei do seu artigo e do seu blog em geral.
Talvez conheça um grupo brasileiro esotérico denominado "Caminho das Sombras" ? Parecem-me muito competentes.
J.Almeida
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