Gerald Gardner é o Pai da Wicca e Aleister Crowley é o Tio. Quando Doreen Valiente deu forma ao Livro das Sombras, ela tentou esconder nosso parentesco com a Thelema. Mas basta uma leitura da Liturgia para ver que a sombra da Besta ainda está bem viva na Wicca Tradicional.
Quando Perdurabo escreveu a Lei, esta chegou até nós pela Carga da Deusa e dizemos sem nenhum prurido que o Amor é a Lei, tal como nosso Tio havia dito. Mas a Lei acrescenta: Amor sob Vontade. Dizemos também: “Faça tudo que tu queres, desde que não prejudique alguém”, uma sombra da Lei que diz: “Faça o que tu queres, haverá de ser o todo da lei”.
Dizemos em nossos rituais de que a nudez ritualística é um sinal de que somos livres, mas como podemos ser livres se nos submetemos a sacerdotes, a linhagens, a tradições, a fórmulas, a sistemas burocráticos?
Então devemos entender o que entendemos por Amor, Lei, Vontade e a Liberdade. Devemos entender como tudo isso tem a ver com a nudez ritual e o sexo como ferramentas de iluminação espiritual.
Tudo que você precisa é Amor
Esse é o título de uma música dos Beatles, um reflexo e consequência da Contracultura. Mas amor a que ou a quem? Quando falamos em amor, falamos de Eros ou Afrodite? Amar a si mesmo é amor ou auto complacência? Amar a outrem é sublime ou carência? Amar tem regras, tabus, proibições, condições? Se o Amor fosse auto suficiente, teríamos respostas, não perguntas. Para haver amor é necessário que haja vontade e liberdade.
Amor sob Vontade
Parece contraditório quando tio Crowley disse que o Amor é a Lei, Amor sob Vontade. Mas ele disse também que a Vontade é a Lei, ao anunciar o “faça”, mas quem é “tu”? O “tu” crowleyano é e não é eu, você, ele, nós. O “tu” crowleyano é o Espírito do verdadeiro Eu, nosso aspecto divino, nossa essência e natureza que transcende a individualidade, personalidade, identidade. Quando a humanidade age pelo Espírito, a ação não é egoísta, mesquinha, gananciosa. Quando agimos pelo Espírito, agimos por valores e princípios supremos, divinos. Portanto, tudo o que “tu” faz haverá de ser a Lei e a Lei é o Amor, Amor sob Vontade. Mas se falamos em Lei e Vontade como absolutos, onde fica a Liberdade?
Amor sob Liberdade
Nós vivemos em um mundo fenomênico, temos uma vida carnal cheia de restrições. Nossa condição mortal e humana nos faz conviver em grupos, tribos, clãs, sociedades. Para coexistirmos criamos leis e normas, nomeamos governantes, sustentamos um sistema. Nós criamos um ambiente artificial por que não sobreviveríamos em um ambiente natural. Nós criamos um mundo feito de ilusões. Para superar a ilusão de que nós somos distintos, separados, sacerdotes iluminados criaram as religiões de mistério onde, o homem, depois de um árduo treinamento e experiência pessoal, recebe uma ordenação, uma iniciação como sinal de que alcançou a iluminação. Parece contraditório dizer que o homem precise de um sistema para superar o sistema e conquistar a liberdade. Apenas usando as ferramentas do sistema podemos perceber suas contradições e hipocrisias, nos conduzindo à liberdade. Apenas usando as sensações do corpo, do desejo, do prazer, do sexo, que conseguimos superar e transcender as restrições da vida mortal, nos conduzindo à liberdade.
Toda forma de Amor é Vontade e Liberdade
A Revolução Sexual é apenas um dos aspectos da Contracultura que sacudiu o mundo contemporâneo. O que motivou a Contracultura é o antigo sonho do homem para que seja feita a Vontade e que haja Liberdade. Quem se encontra comodamente no trono do mundo fará qualquer coisa para se manter. Tiranos, ditadores, nobres, reis, governantes, sacerdotes.
A forma mais simples de manter um sistema é através do medo, do ódio, da intolerância, da ignorância, da frustração, do recalque, da opressão, da repressão. Seja Estado, Igreja ou Sociedade, o Sistema se sustenta ao criar uma desigualdade artificial, um bode expiatório, um falso inimigo, uma falsa solução. Enquanto sustentarmos um Sistema, não podemos agir conforme a Vontade, nem podemos ter a Liberdade. Não é para menos que um Sistema depende de produzir e reproduzir a agressividade, o ódio, a intolerância, o preconceito, a discriminação.
Para haver Amor é necessário que haja Liberdade. Ouçam a voz do Profeta do Profano que diz que todos são livres para amar quem quiser, quantos quiserem, havendo consentimento e maturidade.
Para conquistarmos a Liberdade, precisamos conhecer a Lei. Ouçam a voz da Besta que diz que restrição é a palavra de pecado.
Para conhecermos a Lei precisamos agir conforme a Vontade. Ouçam a voz do Eu que diz que as ações são mais eficientes do que as palavras.
Amor não pode se manifestar como Vontade sem Liberdade. Ouçam a voz dos Antigos que dizem que todos os atos de amor e prazer são rituais dos Deuses.
Quando manifestamos a Vontade, afirmamos nossa Liberdade, portanto, Disciplina é Liberdade. Ouçam a voz da Deusa Estrela e do Deus Selvagem, reúnam-se na lua cheia; dancem, cantem, façam música e amor. Que a reunião dos corpos no Hiero Gamos nos conduza ao arrebatamento do êxtase infinito.
PS: texto originalmente publicado na "Sociedade Zvezda" e recuperado com o Wayback Machine.
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