Por volta da meia-noite, no segundo andar de um pequeno clube de Manhattan, a pista de dança ressoava com as batidas e os gritos do dabke, uma dança folclórica árabe vista em casamentos e outras celebrações.
Quando as luzes estroboscópicas piscaram, era possível ver um mar de mãos levantadas. Um homem na multidão tirou seu kaffiyeh, o tradicional turbante usado por alguns homens árabes e curdos, e o balançou no ar.
"Eu posso entender muitas das conversas", gritou um estudante do Instituto de Tecnologia da Moda, virando os pulsos e sacudindo os quadris ao ritmo da dança do ventre, "mas você não iria querer que eu traduzisse; é linguagem suja; é árabe pesado”.
Essa foi uma noite de sábado na Habibi, uma festa flutuante mensal para árabes lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros em Nova York.
Em uma cidade que parece oferecer atividades para todas as subculturas gays possíveis _ um guia com 700 itens lista grupos de apoio para gays vegetarianos, pilotos e entusiastas da vela, junto com 62 grupos religiosos _ Habibi talvez seja a única oportunidade em Nova York para que os gays do Oriente Médio possam interagir abertamente em um ambiente organizado.
"Em Nova York, não há nenhum lugar onde eu possa ir para chorar, por exemplo", conta Amir, 27, um enfermeiro da Arábia Saudita que vive no Brooklyn e frequenta a festa há seis anos. "Habibi é uma comunidade acolhedora", diz ele.
Em sua trajetória nômade de nove anos, a Habibi, que para apenas durante o mês sagrado do Ramadã, tem percorrido clubes gays e heterossexuais, além de bares de narguilé em toda Manhattan _ Flamingo, Boom, China Club, Club Duvet, Moomia _ e sobreviveu por mais tempo que muitos deles.
Ultimamente, a Habibi está no Club Rush, em Chelsea. Seu vizinho de baixo é um dos poucos lugares "twink" da cidade (a palavra descreve homens com aparência de menino).
Durante a noite, jovens de cabelos sedosos correm para cima para assistir a multidão de homens árabes dançando ao som pop do Oriente Médio. O DJ é o inventor da festa, um muçulmano praticante chamado Abraão.
Habibi, que em árabe quer dizer "meu amado", é uma espécie de ramificação de um grupo mais sério, chamado Sociedade Árabe de Gays e Lésbicas. Abraão, 40, um ex-contador de cabeça raspada e olhar firme é um dos fundadores. Durante os anos 90, o grupo se reunia no Centro GLBT do West Village.
"O grupo cresceu, o que nem sempre é uma coisa boa, porque há todas as nacionalidades do Oriente Médio", diz Abraão, que é descendente de sírios e palestinos, cresceu no Kuwait e agora vive em Astoria, no Queens. Assim como os outros entrevistados para este artigo, ele aceitou falar sob a condição de que seu sobrenome não seja revelado.
"Os egípcios querem sair com os egípcios, os marroquinos querem sair com os marroquinos, e assim por diante. Esse é sempre o problema dos árabes", relata ele.
Segundo Abraão, os chás com biscoitos se tornaram chatos. A primeira festa Habibi, que aconteceu em 2002, foi realizada em um restaurante italiano no sul de Manhattan para arrecadar fundos para a sociedade. "Eu pensei em fazer algo divertido, onde pudéssemos dançar e nos divertir", diz ele.
Embora a Sociedade Árabe de Gays e Lésbicas tenha partido para a balcanização, Abraão diz que "a Habibi mistura todas as raças; ela procura derrubar quantas barreiras forem possíveis e todos dançam juntos".
A sociedade, por outro lado, começou a diminuir. No final, eram poucos os que apareciam para as reuniões.
"Eu acho que foi a internet a responsável, por volta de 2004", justifica Nadeem, um cristão iraquiano que presidiu a sociedade de 2000 a 2004, quando acabaram os encontros _ mas o site permanece ativo. "Não havia mais necessidade de ir às reuniões, pois os membros passaram a se comunicar online. A Habibi faz sucesso por duas razões: porque é um negócio e Abraão realmente a trata como tal e porque a ideia de uma festa atrai mais as pessoas", diz ele.
Religião x sexualidade
Gays muçulmanos, pelo menos tanto como adeptos de outras religiões, enfrentam dificuldades para conciliar religião e sexualidade. Na maior e uma das mais progressistas mesquitas da cidade, o Centro Cultural Islâmico de Nova York, o imã Mohammad Ali Shamsi adotou a política do "não pergunte que eu não respondo".
"A homossexualidade, o adultério e a fornicação são pecados muito graves, mas você não precisa falar sobre isso", diz Ali. "Fica entre você e o Criador."
Ele disse que gays e lésbicas são bem vindos em sua mesquita, até mesmo para trazer os seus parceiros. "Mas nós não precisamos saber sobre sua vida sexual", afirma ele.
A Habibi já atraiu cerca de 300 convidados, reunindo árabes de todas as classes sociais - ao mesmo tempo uma bênção e uma fonte de sua própria marca de discriminação.
"Em Dubai, todo mundo é bissexual, mas aqui a cena é bem diferente de lá", disse em uma festa um jovem de 22 anos, que estuda contabilidade na Universidade de Columbia. Para ele, a Habibi é "um lixo comparado ao que a maioria dos árabes, ao menos em Dubai, estão acostumados. Aqui há até camelôs”.
Apontando na direção de um homem que estava próximo, o estudante falou: "é possível identificar aqueles que vendem espetinho na rua".
Na cabine do DJ, Abraão continuou tocando os hits _ principalmente do Egito e do Líbano, mas também um pouco de pop do sul da Ásia e da Índia. "Qualquer coisa com uma batida de dança do ventre. O que me deixa feliz é ver as pessoas na pista de dança".
Havia uma enorme quantidade de homens não-árabes. "Hummus queens", um funcionário de supermercado de 24 anos do Queens, cujo nome verdadeiro é Hilal, brincou: "É disso que podemos chamar de caras brancos que vão para as Arábias".
Alguns dos convidados procuram algo mais do que divertimento. "Há muito peso do 11 de setembro que as pessoas querem aliviar", diz Hilal. "Mas a única opção que eles têm é sair para um clube e dançar?"
Ainda assim, Hilal, vestindo uma camiseta com a frase "Hummus é Yummus”, algo como “Hummus é Gostoso” e apresentando um corte de cabelo moicano, resolveu partir para a pista de dança.
Por volta de 1h da manhã, três dançarinas do ventre subiram ao palco, vestindo burcas pink bordadas com lantejoulas. A multidão se aproximou e aplaudiu quando as mulheres começaram a se despir de suas burcas, peça a peça, ao som de músicas românticas.
Fonte: G1 (original perdido).
Nota da casa: Quanto mais eu observo nossa espécie, mais fico encantado com a diversidade e a capacidade de adaptação.
Texto resgatado com Wayback Machine.
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