O ser humano conviveu com os Deuses na Era de Ouro. Todas as necessidades eram supridas, mas não havia desafio, aprendizado, crescimento. Então escolhemos e pedimos aos Deuses que nos dessem um lugar, um local, um palco, onde poderíamos encenar isso que chamamos de vida.
Deliberadamente, pela vontade, a humanidade se privou da beatitude e benção eterna, vestiu uma pele e entrou em um mundo material onde as necessidades devem ser supridas pelo nosso esforço. Por causa dessa nova natureza, sofremos, sentimos dor, adoecemos e, quando o vaso quebra, nossa alma retorna à sua origem.
Inconstantes, inseguros, imaturos e descontentes que somos, temos procurado resgatar nossa essência original, tentando nos religar ao divino. Inventamos as crenças, as religiões, as espiritualidades e inúmeros caminhos que nos façam voltar para casa. Enquanto a busca era pessoal e individual, estava tudo bem. Mas o ser humano inventou a sistematização, a institucionalização, a organização dessas crenças, religiões e espiritualidades.
Uma das razões que procuramos uma crença, uma religião, uma espiritualidade, é para dar sentido às nossas vidas. Encontramos modelos e os imitamos na esperança de que suas vidas vão ser bons exemplos para nós. O problema é que esperamos exemplos sobre-humanos. Acreditamos que as pessoas que têm sabedoria espiritual de alguma forma transcendem as limitações da humanidade, e tornam-se melhores do que os seres humanos podem realmente ser. Esta é uma ilusão insalubre.
Da estruturação surgiu o sacerdócio e não demorou em surgirem sacerdotes que viam no oficio não o serviço aos Deuses, mas uma forma de conquistarem poder, influência e autoridade que normalmente ele não conseguiria em sua comunidade, tornando se um sacerdote doente.
Os sintomas da doença do sacerdote são a arrogância, a incapacidade de aceitar críticas, explosões emocionais, uma necessidade compulsiva de controle, um sentimento de abandono, a impaciência, um sentimento de não ser levado a sério ou de suas realizações serem desconsideradas e se torna frustrado quando as pessoas desobedecem ou ignoram seus pedidos ou instruções.
No alto do pedestal em que foi entronado e que ele se pôs, o sacerdote acredita que está acima da crítica, acima do questionamento, acima da mediocridade, acima do mundano, certo e confiante de que detém o monopólio e o privilégio da santidade. Do alto do seu pedestal denuncia, julga e executa suas sentenças. Por seu orgulho, um sacerdote exige humildade do crente e do neófito. Por seu ego, um sacerdote exige que o crente e o neófito seja um reflexo dos seus conceitos e modelos. Diante do crente e do neófito, exige atos dos quais ele não é exemplo.
Refém dos louros com que se transveste, o sacerdote inventa uma fantasia chamada transcendência, uma ilusão útil para renegar sua perenidade, sua mortalidade, sua falibilidade, sua humanidade. Usando metáforas como “espelho”, “casca”, o sacerdote tenta se alienar de sua condição carnal. No entanto as regras da transcendência, da espiritualidade, da religiosidade, da crença, da realidade divina, aplicam-se também ao sacerdote.
Vemos no espelho [e no “outro”] aquilo que rejeitamos em nós mesmos. Virar as costas ao espelho ou quebrá-lo não mudará o fato que a falha é do sujeito, não do objeto. Animais trocam de pele por uma condição natural da espécie, o mesmo não pode ser dito daquilo que o sacerdote definiu como “casca”. Um sacerdote não pode empilhar sentimentos, experiências, pensamento, comportamentos e pessoas como se fossem uma pele ressecada e descartá-los.
Podemos e devemos modificar a forma como interpretamos e vivemos nossas emoções, comportamentos e visões do mundo, mas não podemos fazer um julgamento, pela emoção, das experiências e das pessoas. Um juramento é eterno, assim como amizade e amor. O sacerdote deve ser o exemplo daquilo que pratica e acredita. O sacerdote que abjura dos votos, que dá as costas aos que antes dizia ter amizade, não é digno do ofício. Qualquer que seja esta trilha, os abandonados tem mais sorte do que este sacerdote que age com orgulho, arrogância, prepotência.
Quando estrelas caem, não há lamento. Quando sacerdotes caem, não há comoção.
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