Quando eu era mais novo muitos desenhos faziam sucesso e a lista dos que eu assisti e gostei provocaria diversas lembranças em meus caros e eventuais leitores. Alguns ainda estão sendo transmitidos, para tapar buraco na programação.
Um deles é o Pica-Pau, desenho das antigas que em nosso tempo onde impera o Politicamente Correto fatalmente não existiria ou não alcançaria o sucesso que teve em seu tempo áureo.
Em um episódio, Pica-Pau se vê diante de um de seus adversários, o Zé Jacaré, crocodilo que mora no Mississipi, que tenta cozinhar o Pica-Pau em um caldeirão para uma poção mágica.
Em uma das cenas, o Pica-Pau diz para o Zé Jacaré: “Vudu é pra jacu”, evidentemente na dublagem em português. O personagem, cuja característica é a irreverência, acaba servindo como porta-voz do sistema. Não é coincidência que as cores do Pica-Pau sejam azul, branco e vermelho, as cores da bandeira dos EUA.
Assim age as elites, seculares e sacerdotais, ou usam do terrorismo psicológico, ou ridicularizam aquilo que desconhecem ou não podem controlar.
Esta introdução foi-me necessária para falar do Vodou e do Haiti, uma religião pouco conhecida e que carrega consigo muitos estigmas, como seus seguidores, os sèvi Lwa, a maioria haitianos.
Eu me deliciei em ler o livro “Vodou Haitiano”, de Patrick Bellegarde-Smith e Claudine Michel. O Haiti é um país que tem um histórico muito parecido com muitos países latino-americanos, onde uma população nativa foi dizimada pelos colonizadores católicos, onde toda uma cultura foi subjugada e marginalizada pela imposição da doutrina católica, onde seres humanos foram capturados e vendidos como escravos.
Sim, os Pagãos Modernos tem muito a aprender com os Haitianos. Eles guardaram suas origens, suas crenças, mesmo oprimidos e perseguidos, mantiveram sua alma intacta, mantiveram sua conexão com sua terra nativa, com os espíritos de seus ancestrais, estabelecendo um profundo e forte senso de coletividade, com o qual puderam fixar novos elos com os espíritos e entidades dessa nova terra, nesse exílio forçado. Foram dobrados pela força do chicote, foram forçados a ouvir sermões, foram obrigados a reverenciar santos, foram obrigados a seguir os ditames de uma instituição religiosa estrangeira, mas da fraqueza tiraram a força para esconder, disfarçar, sincretizando a crença kreole com a crença católica, a subversão e liberdade convivendo nas brechas e fissuras do totalitarismo religioso.
Resistiram à força das instituições absolutistas, seculares e clericais, mas como os brasileiros, acabam sendo traídos e abandonados por aqueles que deveriam representá-los, que nasceram no mesmo berço, mas por provincianismo ou elitismo, acabaram representando de forma patética a estética e a cultura européia.
O trabalho de Patrick e de Claudine é, entretanto, uma esperança. A esperança de que os kreole abrancados, europeizados, despertem e redescubram suas verdadeiras origens, suas verdadeiras raízes, seu verdadeiro povo e ajam de acordo.
Um povo só tem um futuro e um país promissores quando corpo e alma estão juntos, quando governantes e cidadãos abraçam a mesma identidade, prezam pelos mesmos valores, crêem nas mesmas coisas e mantêm fortes elos com seus ancestrais, espíritos naturais e deuses. Um senso de identidade e personalidade étnica ligadas ao local, ao solo, ao terreno, ao território, à natureza; que irá rejeitar e resistir ao que é estranho, alienígena; confrontando e contestando o poder, a influência, a opressão e a repressão das instituições estrangeiras, sejam seculares ou clericais.
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