A primeira formação que o ser humano adotou no desenvolvimento da vida grupal e social foi a roda. Culturas antigas e culturas ligadas à terra perceberam a especialidade da forma circular para o estar e fazer junto.
Nela passaram a representar os ciclos da natureza: o ritmo das estações, o tempo dos cultivos (semeadura, crescimento, maturação e colheita); o pulsar dos movimentos do sol; da lua; das estrelas e dos planetas no céu; o ritmo da respiração e dos batimentos cardíacos; a vida e a morte.
Adotaram-na em seus rituais de passagem (nascimento, iniciação à maioridade, união matrimonial, morte), em celebrações, ocasiões de reverência, temor, louvor, gratidão e oração à terra e à(s) divindades(s).
O círculo é uma forma geométrica especial, por simbolizar a perfeição e a plenitude que o ser humano busca atingir. Na circunferência há “n” pontos que distam igualmente do ponto central. Todos os pontos – ou todas as pessoas que neles se encontram voltadas para o centro – têm a visão de todos os demais da roda e todos são igualmente importantes na composição final que é o círculo. Este contém o vazio, que ao mesmo tempo em que garante a distância entre as pessoas, é o vazio através do qual elas estão unidas e de onde pode emergir a criação feita por todos. Apenas compor a circunferência da roda já constitui uma criação, num espaço diferenciado e, possivelmente, sagrado.
A palavra hebraica “shalom”, que significa paz, contém a mesma raiz que compõe a palavra “shalem” e “shelmut”, que significam estar completo, inteiro, em unidade e em paz.
O círculo representa a aspiração humana a essa paz completa. Estar em unidade, ser um e inteiro consigo e com o criador, estar no divino, em Deus.
Religião e ciência nos falam da separação do homem do seu estado de unidade, seja através da queda do paraíso, seja ao nascer, por ocasião da saída do aconchegante útero materno nutridor e todo poderoso.
O homem trilha sua vida aspirando retornar ao estado de plenitude total. Uns se apóiam na religião para se re-ligar, outros esperam que o parceiro lhes traga este aconchego e suprimento através do amor, do ato sexual, ou de ambos; há os que se utilizam das drogas, outros que ficam em ação e trabalho compulsivo para nunca sentir o estado de falta. Muitos vivem a combinação de vários recursos para acreditar que são plenos, ou chegar o mais próximo deste estado. Deseja-se estar num tempo/espaço/vivência com a unidade permanente.
Por sua vez as Danças Circulares também brotam dessa aspiração humana de sair da separatividade e da falta e unir Céu ( inspirador, mágico, espiritual, divino) e Terra ( humano, material, terreno) em seu ser, no seu centro, em seu coração, de forma prática e palpável, dançando.
As Danças Circulares resgatam a inspiração do homem primitivo em sentir a energia criadora da vida dentro de si, deixando brotar o movimento, rítmo, som, música, dança, e fazê-lo em círculo, em interação com os outros membros da tribo; ao mesmo tempo dão continuidade a um fio que jamais cessou de existir na história da humanidade: dançar e interagir grupalmente.
Uma forma de resgate, continuidade e criação desse tipo de vivência teve início por volta da década de 60, por via de duas iniciativas em continentes distintos, dando origem, por um lado, ao que se passou a chamar Danças Circulares Sagradas e, por outro, Danças da Paz Universal.
O movimento denominado Danças Circulares Sagradas nasceu a partir de um bailarino e coreógrafo que viveu na Alemanha, Bernhard Wosien, que na década de 50 se propôs a pesquisar e vivenciar antigas rodas da Europa Oriental. Encontrou ali raízes antigas da arte de re-ligar o ser humano, a “meditação através da dança, como um caminho para dentro do silêncio”.
Em meados da década de 70 ele foi convidado pela então jovem comunidade escocesa de Findhorn, para compartilhar as danças de roda que vivenciou e as danças que coreografou voltadas para o mesmo fim: re-ligar, meditar e transformar, em ação grupal.
Findhorn, uma comunidade alternativa conhecida na década de 60 pelos “repolhos gigantes” hoje é uma Fundação, em forma de vilarejo, localizada nas proximidades do Mar do Norte – Escócia, com extenso programa de cursos voltados para o desenvolvimento humano. Ali vivem pessoas de todos os continentes, reunidas em uma experiência ímpar de amorosa convivência e de interesse comum pelo estabelecimento de valores mais humanos na vida pessoal e coletiva.
Atualmente, as Danças Circulares Sagradas constituem parte integrante da vida comunitária do lugar, praticamente sendo incluídas em todos os programas de cursos oferecidos ao longo do ano.
Tendo como forma base o círculo e o fazer em conjunto, as danças foram rapidamente abraçadas pela meta comunitária voltada para “One Earht” Dali se difundiram pelo mundo, num processo que envolve resgate e criação contínua do espaço sagrado, espaço/tempo diferenciado, que proporciona ao ser humano condições para recordar o estado de unidade, vivenciando-o em seu próprio corpo, em movimento, com música, com arte, na sintonia grupal.
Um espectro de danças derivou a partir daí, disponíveis para quem quiser entrar na roda: danças tradicionais reavivadas em sua forma original, danças que captam a essência de movimentos típicos de determinada cultura e os trazem de forma simplificada e acessível a quem quiser se juntar, danças de caráter meditativo ou lúdico coreografadas para músicas diversas - eruditas ou folclóricas; danças-oração que associam gestos simples a cantos religiosos; danças cujas coreografias têm como fonte de inspiração as árvores e flores e que propiciam a vivência corporal das qualidades associadas às plantas
(incluem aqui danças que fazem referência às essências florais).
Esse tipo de dança é geralmente acompanhada de música gravada e para tanto a disponibilidade de um aparelho de som se faz necessária. Mas, ocasionalmente, podemos contar com uma pequena banda para tocar ao vivo, o que faz uma diferença muito positiva.
Na mesma época em que se desenvolvia esse trabalho com as Danças Circulares Sagradas na Europa, na América do Norte, um mestre sufi - Murshid Samuel Lewis - plantava as bases para o que mais tarde se denominaria “Danças da Paz Universal”. Ele acreditava que “a verdadeira religião deve ser prática e expressar a profunda unidade que se encontra por trás de todas as tradições”.
Com o mestre sufi Azrat Inayat Khan, que trouxe o movimento sufi para o Ocidente, Lewis (ou sufi Sam, como era conhecido) aprendeu que a mensagem espiritual podia ser difundida não apenas pelas palavras, mas também através da música e do som.
De Ruth Saint Denis, sua professora de dança sagrada e precursora da Dança Moderna (com quem estudaram Martha Graham e Doris Humphrey), Lewis captou o impulso para criar uma forma de dança sagrada que pudesse ser compartilhada em grupos e que não fosse performática. A respeito de Ruth Saint Denis, Lewis dizia: “ela possui a faculdade de trazer música e dança diretamente do cosmos, do coração de Deus”.
Unindo práticas de diversas ordens sufis; os ensinamentos de Azrat Inayat Khan com o ideal de fraternidade entre os homens e aproximação das tradições religiosas, e a dança espiritual de Ruth Saint Denis, Lewis criou os fundamentos das Danças da Paz Universal.
O contexto era de um mundo que vivia as tensões da Guerra Fria, em que a juventude expressava sua rebeldia às formas de comportamento e ao sistema político, enquanto começava a projetar suas esperanças e idéias para a virada do milênio.
Foi entre os jovens hippies que sufi Sam agregou os primeiros seguidores de suas práticas, mas sempre deixou claro que a prática espiritual - dançar, caminhar, meditar e cantar - não deveriam ser usadas como mais uma forma de droga que brecasse o crescimento espiritual.
Acreditava, porém, no poder transformador da alegria e da devoção num contexto universal, salientando a necessidade de se estar bem enraizado na terra para se fazer das danças algo mais do que um “estado elevado temporário”.
As Danças da Paz Universal consistem em movimentos e gestos feitos em conjunto por todos os participantes, aliados a cantos de frases expressivas de diferentes tradições espirituais do mundo.
São frases mântricas, ou frases que captam a essência de determinada tradição, ou frases que evocam o ideal universal de paz e fraternidade entre os homens.
Os movimentos e gestos são bem simples e sintetizam uma linguagem corporal/grupal universal que se encontra em vários locais da Terra. Por exemplo, elevar mãos e braços ao céu invoca abertura para a divindade, com respeito e louvor; palmas em direção ao solo indicam reverência e contato com a terra, mãos dadas na roda indicam o estar juntos e o potencial de amizade; braços nos ombros das pessoas ao lado simbolizam a fraternidade entre os homens.
A roda se move para o centro do círculo, ou para fora, no sentido dos ponteiros do relógio, ou no outro, ora as pessoas estão de mãos dadas na roda, ora encontram-se com parceiros dispostos na circunferência da roda para se trocar cumprimentos, bênçãos e depois seguir adiante com um novo parceiro.
A prática das Danças da Paz Universal é dirigida por Saadi (Neil Douglas Klotz) que procura recontatar a essência das tradições do Oriente Médio (tradição crosta, judaica, islâmica, persa, egípcia, babilônica, etc), para levar a mensagem e prática da paz e respeito pela unidade dentro da diversidade.
Faz parte deste trabalho um resgate profundo das palavras de Jesus em aramaico – língua original em que ele proferiu suas mensagens – em especial a retomada profunda do significado da oração do Pai/Mãe Nosso(a), através das palavras, canto e dança inspirados e coletados a partir das formas de oração existentes no Oriente Médio.
As Danças da Paz Universal são sempre cantadas pelo grupo todo produzindo o som/vibração que acompanha os passos e movimentos simples. É comum essas danças serem acompanhadas por instrumentos que auxiliam na marcação do ritmo, sendo frequente o uso do tambor, violão ou chocalho.
No Brasil ambos os movimentos encontraram eco e são conhecidos como Danças Circulares ou Danças Circulares Sagradas.
Em nosso país vem se somando a este movimento uma parcela bem brasileira, formada pelas danças folclóricas feitas em roda e também pelas danças e brincadeiras de roda. Estas estão sendo reavivadas por educadores, folcloristas e/ou integrantes do movimento, com o intuito de intensificar a dança de roda no universo infantil, introduzindo, inclusive, músicas do nosso repertório popular, tanto antigo como atual.
De modo geral, as Danças Circulares têm sido praticadas com diferentes fins, e em ocasiões diversas como forma de crescimento individual; como caminho espiritual; uma forma de vivenciar o lúdico; na celebração de algum evento; como meio de harmonização grupal em apoio a alguma atividade que se deseja realizar; como instrumento terapêutico e de cura; no trabalho com idosos; com pessoas diferenciadas; como instrumento educativo para a vivência de princípios éticos nos âmbitos pessoal, grupal, social e planetário e, por fim, vêm contribuindo também no meio empresarial como instrumento de integração, sociabilização, centramento, ludicidade para o grupo, em sintonia com o propósito da empresa.
As Danças Circulares vêm se espalhando pelas principais capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Belém) e também pelo interior.
Para dançar não são necessárias habilidades especiais. Basta querer compartilhar da alegria de se dar as mãos na roda, com disponibilidade para ser mais um elo que dá, recebe e contribui para a criação grupal, com seu modo único e original de ser.
Fonte: https://www.semeiadanca.com.br/historico_dancas.html