É o que aponta o Relatório da População Mundial 2025 (State of World Population 2025), documento anual divulgado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Lançado no último dia 8, o estudo reforça que milhões de pessoas em todo o mundo têm menos filhos do que gostariam — não porque não querem, mas porque não conseguem.
Incerteza trava maternidade e paternidade
A pesquisa inédita feita pelo UNFPA em 14 países, que representam 37% da população mundial, mostra um cenário comum: jovens adultos adiam ou desistem de formar família diante de pressões socioeconômicas, do alto custo de vida e da falta de apoio estatal.
Entre os principais motivos estão desemprego, moradia inacessível, trabalho precário, divisão desigual do cuidado doméstico e ausência de políticas públicas de licença parental e creches.
A insegurança climática, guerras e crises políticas também aparecem como fatores de hesitação para quem pensa em ter filhos. Uma em cada cinco pessoas entrevistadas citou mudanças climáticas e conflitos como razões diretas para decidir não ter — ou ter menos — filhos.
O UNFPA adverte que soluções simplistas, como bônus financeiros por nascimento ou restrições aos direitos reprodutivos, são ineficazes e, muitas vezes, violam os direitos humanos. Para a diretora-executiva do Fundo, Natalia Kanem, a saída está em remover barreiras, não impor metas.
“Precisamos de ações urgentes, mas com base em garantias de direitos e na autonomia corporal — não em coerção.”
Brasil: custos altos, rede frágil e gravidez não planejada
Único país lusófono incluído na pesquisa global, o Brasil segue o padrão de contradições exposto pelo relatório: a taxa de natalidade continua caindo, mas a autonomia reprodutiva não acompanha esse movimento. Entre os 1.053 brasileiros ouvidos, 39% apontaram as limitações financeiras como principal barreira para ter filhos. Emprego instável, renda insuficiente, dificuldade para comprar ou alugar imóvel e falta de creches públicas pesam fortemente na decisão.
Outro dado alarmante: quase um terço das brasileiras já passou por uma gravidez não planejada. Além disso, 49% das mulheres declararam já ter se sentido incapazes de dizer não a uma relação sexual — uma das taxas mais altas entre os países pesquisados, sinalizando níveis preocupantes de coerção sexual.
A divisão desigual do trabalho doméstico também aparece como fator inibidor: 13% das mulheres e 8% dos homens apontaram que a sobrecarga de tarefas em casa desestimula a decisão de ter filhos.
O relatório ainda destaca que brasileiros que conseguiram o financiamento da casa própria têm quase um terço a mais de chance de ampliar a família — reforçando a importância de políticas de habitação como incentivo indireto à parentalidade.
O que (não) funciona: bônus não resolvem
Em todo o mundo, muitos governos vêm testando bônus por nascimento, subsídios diretos ou metas de fertilidade como resposta a populações em envelhecimento. Mas o UNFPA alerta que essas estratégias são de baixo impacto e muitas vezes desrespeitam a liberdade de decisão individual.
Para especialistas da agência, a prioridade deveria ser investir em redes de proteção social: licença parental adequada, trabalho decente, moradia acessível, acesso garantido a serviços de saúde sexual e reprodutiva, creches de qualidade e combate a normas sexistas que penalizam mães e pais no mercado de trabalho.
Mudança demográfica histórica
O Relatório da População Mundial 2025 contextualiza essa crise dentro de uma transformação demográfica sem precedentes: o mundo está envelhecendo mais rápido e muitas populações já atingiram o pico de crescimento.
Um quarto das pessoas vive em países onde o tamanho da população já começou a diminuir. A Índia, por exemplo, já é hoje a nação mais populosa do planeta, com quase 1,5 bilhão de habitantes — número que deve subir até 2060 antes de começar a recuar.
Na outra ponta, há uma “explosão silenciosa” de idosos, menos jovens em idade ativa e força de trabalho potencialmente menor — um desafio econômico para governos que, segundo o UNFPA, precisam enxergar a migração e a inclusão de mulheres e meninas como parte essencial da solução.
Direitos são o ponto de partida
No fim das contas, o recado do relatório é simples e direto: o verdadeiro problema não é ter poucos filhos — é não ter direitos garantidos para escolher livremente quando, se e quantos filhos ter.
Para o Brasil, a mensagem é que combater pobreza, desigualdade de gênero e precariedade do trabalho é tão essencial quanto garantir educação sexual, contracepção segura, licença parental justa e creches públicas de qualidade.
Fonte: https://revistaforum.com.br/global/2025/7/11/onu-alerta-fertilidade-em-queda-direitos-em-falta-183200.html