quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Ficou barato

O bispo Edir Macedo e a TV Record foram condenados a pagar R$ 800 mil por declaração homofóbica. O valor se dá por danos morais coletivos e pune o religioso por uma fala durante um especial de Natal em 2022, transmitido pela emissora.

Segundo a coluna de Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo, o dono da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) terá que pagar R$ 500 mil e a emissora, R$ 300 mil. Os valores serão destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

A declaração que motivou a ação contra o bispo associa homossexuais a pessoas “más” e “bandidos”. “Você não nasceu mau. Ninguém nasce mau. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce bandido, ninguém nasce homossexual, lésbica… ninguém nasce mau”, afirmou na ocasião.

Para Ana Maria Wickert Theisen, juíza da 10ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) responsável pela decisão, o bispo praticou discurso de ódio com a fala.

“Ao associar os termos homossexual’ e ‘lésbica’ às ideias contidas nos termos ‘mau’, ‘ladrão’, ‘bandido’, a fala do religioso tem capacidade de desestabilizar a paz social, pois atua de forma a justificar e normalizar, no inconsciente coletivo, a violência crescente contra essa população”, escreveu.

“O recurso estilístico de paralelismo e a repetição do termo ‘ninguém nasce’ torna o discurso insidioso: o locutor não declara explicitamente que o homossexual é mau, ladrão ou bandido, mas constrói essa ideia no entendimento do ouvinte”, prossegue a magistrada na decisão.

A ação foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e as entidades Aliança Nacional LGBTI+, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e grupo Nuances. A Record tentou se dissociar do caso, alegando que não tem “qualquer ingerência” sobre o conteúdo da Iurd e seus líderes religiosos, enquanto o bispo negou ter cometido qualquer crime e questionou a competência da Justiça Federal pra julgar o caso.

Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/edir-macedo-e-record-terao-que-pagar-r-800-mil-por-comentario-homofobico/

Nota: o caso foi em 2022 e a condenação só saiu em 2024. Ficou barato. Homofobia é crime.  Quem faz discurso de ódio tem que ser preso.

Juiz barrou absurdo na Louisiana

Um juiz federal dos Estados Unidos suspendeu provisoriamente nesta terça-feira (12) uma lei do estado da Louisiana que obrigaria as escolas públicas a exibir os dez mandamentos bíblicos nas salas de aula. A medida passaria a valer a partir do ano que vem.

O juiz John deGravelles considerou que a lei aprovada pelo estado viola a Primeira Emenda da Constituição, que proíbe o estabelecimento de uma religião oficial ou dar preferência de uma sobre a outra.

De acordo com a lei aprovada pelos políticos estaduais, todas as salas de aula de instituições públicas deveriam exibir os dez mandamentos bíblicos. A norma valeria para turmas desde o jardim de infância até universitárias.

A lei determina ainda que as regras que aparecem no Antigo Testamento da Bíblia sejam exibidas nas escolas em um pôster ou documento emoldurado, "em letra grande, facilmente legível".

"Se você quer respeitar o estado de direito, tem que começar pela lei original dada por Moisés", disse o governador republicano da Louisiana, Jeff Landry, ao sancionar a lei em junho. No dia da cerimônia, uma menina desmaiou ao lado do governador.

A decisão que derrubou a lei surgiu após a União Americana de Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), além de pais de alunos, moverem uma ação questionando a medida.

"Esta decisão deveria servir como um choque de realidade para os legisladores da Louisiana, que querem utilizar as escolas públicas para converter as crianças para sua vertente preferida de cristianismo", disse Heather Weaver, advogada da ACLU, em comunicado.

"As escolas públicas não são escolas de catequese, e a decisão de hoje garante que as salas de aula continuarão sendo espaços onde todos os estudantes, independentemente de sua fé, se sintam bem-vindos", disse Weaver.

A procuradora-geral do estado, Liz Murrill, disse que vai recorrer da decisão judicial

O projeto da Louisiana é o primeiro deste tipo que se torna lei, mas normas similares foram redigidas ou apresentadas em outros estados do chamado "cinturão bíblico". A região concentra estados do sul dos EUA e possui um grande número de cristãos e conservadores.

Em um caso similar ocorrido em 1980, a Suprema Corte ditou que a exibição dos dez mandamentos nas escolas de Kentucky era inconstitucional.

Enquanto isso em Oklahoma, uma outra ação judicial questiona uma ordem recente para que as escolas públicas ensinem a Bíblia.

Fonte: https://g1.globo.com/google/amp/mundo/noticia/2024/11/12/juiz-dos-eua-suspende-exibicao-obrigatoria-dos-dez-mandamentos-em-escolas.ghtml

Lisístrata contemporânea

Não demorou muito. Logo após a confirmação da reeleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o comentarista e organizador nacionalista branco Nick Fuentes publicou em suas redes versão misógina da frase das mulheres "Meu corpo, minhas regras", que virou "Seu corpo, minha escolha. Para sempre", visualizado 91 milhões de vezes na rede X de Elon Musk.

Outro misógino de extrema direita, Andrew Tate, preso na Romênia por estupro e tráfico de mulheres, disse sobre elas: "Você não tem mais direitos".

Há nas redes inclusive referência à criação de "esquadrões de estupro":

Em um período de apenas 24 horas após a eleição, os pesquisadores descobriram um "aumento de 4.600% nas menções dos termos 'seu corpo, minha escolha' e 'volte para a cozinha' no X". O relatório se refere a vários usuários de mídias sociais que disseram que eles ou seus filhos ouviram "seu corpo, minha escolha" na sala de aula. Os pesquisadores também descobriram que apelos a "estupro" e "esquadrões de estupro" receberam milhares de visualizações nas mídias sociais após a eleição da semana passada.

Cécile Simmons publicou um artigo sobre esse posicionamento misógino após a reeleição de Trump e a reação das mulheres no The Guardian. Cécile é uma pesquisadora investigativa no Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD) com foco em desinformação, subculturas online, direitos das mulheres e bem-estar.

Esse ataque de discurso violentamente misógino deixou ainda mais claro o que já era fácil de ver: que muitos homens não veem as mulheres como pessoas com igual dignidade e direitos, mas como criaturas inferiores a serem coagidas. E isso, por sua vez, desencadeou outra reação. Desde a eleição de Trump, o 4B, um movimento separatista de mulheres fundado na Coreia do Sul que juram não ter relacionamentos com homens, tem sido tendência nas mídias sociais.

Este momento viral destaca um sentimento que vem fermentando há muito mais tempo: o descontentamento das mulheres com relacionamentos heterossexuais e sua raiva pela misoginia cada vez mais descontrolada dos homens. Nos últimos anos, a ideologia da supremacia masculina se tornou mainstream, promovida por empreendedores da manosfera (ou machosfera) que estão prosperando na economia da atenção alimentando o ressentimento dos jovens homens em relação às mulheres.

À medida que jovens ofendidos foram sugados para bolhas de mídia social, a polarização de gênero seguiu. Meninos que cresceram com uma dieta de conteúdo misógino estão abraçando homens fortes autoritários que os cortejam com promessas de tirar os direitos das mulheres. As mulheres jovens, por outro lado, cada vez mais favorecem a política liberal.

Yoon Suk-yeol se elegeu na Coreia do Sul com um discurso antifeminista e na Polônia 51% dos jovens apoiam partido de extrema direita que defende que as mulheres são "menos inteligentes".

Comunidades de “Homens seguindo seu próprio caminho” (MGTOW) que juram evitar mulheres (criando medos fabricados de falsas acusações de estupro no processo) têm crescido nos últimos anos. Agora, elas têm uma imagem espelhada.

Comunidades de “Mulheres seguindo seu próprio caminho” também surgiram, e elas estão dizendo às mulheres como viver sem homens que não as respeitam (um grupo no Reddit tem 14.000 membros).

Nos últimos anos, a França viu um renascimento do lesbianismo político (mulheres “escolhendo” se tornar lésbicas por razões políticas), com ensaios amplamente divulgados de How to Become a Lesbian in Ten Steps, de Louise Morel, a Getting Out of Heterosexuality, de Juliet Drouar. Virginie Despentes , uma das principais defensoras do movimento, comparou “se tornar” lésbica a perder 40 quilos.

Enquanto o julgamento do estupro em massa de Gisèle Pelicot continua, a França está tendo um acerto de contas com décadas de abuso. O sentimento de que slogans revolucionários de 1968, como “É proibido proibir”, serviam principalmente aos interesses dos homens e não ofereciam libertação para todos, está se espalhando na França.

Fonte: https://revistaforum.com.br/politica/2024/11/12/greve-de-sexo-uma-reao-das-mulheres-reeleio-de-donald-trump-169161.html

Moro em um país medieval

Um levantamento divulgado nesta terça-feira (12) pela Observatória mostrou que 342 projetos de lei contrários aos direitos da população LGBTQIAPN+ tramitam no Brasil em Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado.

A Observatória é primeira plataforma brasileira que monitora projetos de lei relacionados à população LGBTQIAPN+ e mapeou que entre janeiro de 2019 e outubro de 2024, 1.012 projetos de lei relacionados a essa população foram apresentados nas assembleias estaduais e no Congresso Nacional. Desse total, 575 são favoráveis e 437 contrários aos direitos LGBTQIAPN+. Do total de contrários, 342 continuam tramitando nas casas legislativas.

Entre os projetos favoráveis, se destacam aqueles que tratam enfrentamento à discriminação (121), como programas de educação antidiscriminatória e ampliação de direitos civis. Outras propostas significativas envolvem medidas simbólicas, como criação de datas e homenagens (83 projetos), e iniciativas voltadas para coleta de dados e estatísticas (52 projetos).

Já os projetos contrários aos direitos da população LGBTQIAPN+ se concentram principalmente na proibição do uso de linguagem neutra (109 propostas), na censura de conteúdos educativos nas escolas (68 propostas) e na restrição do uso de banheiros conforme a identidade de gênero (61 propostas).

Os partidos que mais apresentaram projetos favoráveis à comunidade LGBTQIAPN+ foram PSOL (217 projetos), PT (173) e PSDB (67). Por outro lado, as siglas que mais protocolaram projetos contra os direitos dessa população foram mais apresentaram propostas contra essa população, destacam-se o PL (197), Republicanos (129) e União Brasil (67).

Os estados que lideram em projetos pró-LGBTQIA+ são São Paulo, com 74 propostas, Rio de Janeiro, com 58, e Pernambuco, com 29. E os estados com maior número de projetos anti-LGBTQIA+ são Rio de Janeiro (40), Mato Grosso (37) e São Paulo (32).

A maioria dos projetos contrários à população LGBTQIAPN+ que ainda estão tramitando se concentra nas casas legislativas estaduais, com 232 propostas. Em seguida, a Câmara dos Deputados aparece com 107 projetos e o Senado com três propostas.

A plataforma Observatória foi lançada nesta terça-feira (12) com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e tem o objetivo de monitorar projetos de lei sobre a população LGBTQIAPN+ no país. 

“A informação é aliada fundamental na luta por direitos e na garantia da democracia. Nós sabemos os impactos da ausência de dados concretos relacionados à população LGBTQIA+ brasileira e sabemos também o quanto essa população tem seus direitos ameaçados no país. Por isso criamos essa plataforma que ajuda a monitorar a atuação legislativa, traçando um panorama de avanços e retrocessos”, afirma Paulo Malvezzi, editor da agência e coordenador da pesquisa.

Malvezzi ainda acrescenta que “a ideia é ampliar as funcionalidades e os dados, ao longo do tempo. E essas informações serão úteis para o trabalho jornalístico da Diadorim mas também servirá de ferramenta para outros jornalistas, políticos, ativistas e para a população como um todo”.

Fonte: https://revistaforum.com.br/lgbt/2024/11/12/mais-de-340-projetos-de-lei-anti-lgbt-tramitam-no-brasil-mostra-levantamento-169198.html

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Um passo histórico

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (13), um Projeto de Lei histórico para a comunidade LGBTQIA+, que assegura o direito ao casamento homoafetivo no Brasil. O texto do PL, de autoria do ex-deputado Clodovil Hernandez, falecido em 2009, teve relatoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP).

A proposta, que enfrentou um percurso conturbado até chegar à aprovação, passou pela Comissão de Previdência e Assistência Social da Câmara, em 2022, mas com um parecer contrário ao objetivo inicial. Na ocasião, o deputado bolsonarista Pastor Eurico (PL-PE) relatou o projeto com uma proposta de proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em um movimento de oposição aos direitos da população LGBTQIA+.

O projeto de Clodovil, apresentado em 2007, buscava formalizar o direito ao casamento homoafetivo no Brasil. No entanto, a proposta permaneceu estagnada na Câmara por anos, até que foi resgatada por parlamentares conservadores no ano passado, que tentaram reverter o objetivo inicial da legislação.

A proposta se tornou ainda mais relevante após o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer, em 2011, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, decisão que surgiu justamente pela falta de ação do Legislativo sobre o tema. Após a decisão desta quarta-feira, Erika comemorou a vitória, mas lamentou que essa parcela da população tenha esperado 13 anos para poder se casar enquanto dependia exclusivamente da ação do Supremo.

Erika destacou que a decisão do STF foi um marco importante, mas que não substitui a responsabilidade do Parlamento em assegurar direitos fundamentais. Para ela, é necessário um esforço contínuo para garantir a inclusão e a proteção das famílias homoafetivas no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente diante da resistência de setores mais conservadores.

“Passados os 13 anos da decisão da Suprema Corte, importa-se ao Parlamento e ao povo brasileiro, em sua diversidade, avançar na inclusão de pessoas LGBTQIA+ e na promoção dos direitos individuais, coletivos e difusos do grupo”, completou.

A deputada paulista também defendeu a importância de consolidar legalmente os direitos da população LGBTQIA+, sem deixar margem para interpretações discriminatórias. “As famílias existem em diversas formas e devem ser protegidas pelo Estado contra discriminações com base na orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer de seus membros”, afirmou a deputada.

Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/relatado-por-erika-hilton-pl-do-casamento-homoafetivo-e-aprovado-na-camara/

Escola ensinando discriminação

O Ministério Público do Acre (MPAC) está investigando uma denúncia grave de intolerância religiosa na escola estadual Alcimar Nunes Leitão, localizada em Rio Branco (AC). O caso envolve alunos candomblecistas que foram impedidos de apresentar uma dança de orixás durante um evento escolar em comemoração ao Dia da Consciência Negra, que ocorrerá no final de novembro.

Segundo a direção da escola, a apresentação, que incluiria atabaques e cânticos em iorubá, poderia ofender alunos e pais de tradição evangélica. No entanto, o MPAC considera essa justificativa um claro caso de discriminação religiosa.

O promotor Thalles Ferreira Costa, da Promotoria de Justiça Especializada na Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, enviou um ofício à direção da escola solicitando explicações detalhadas sobre o incidente. A investigação visa apurar se houve práticas discriminatórias e determinar quais medidas serão necessárias para assegurar a liberdade religiosa dos alunos.

Este caso traz à tona um debate essencial sobre a importância do respeito à diversidade religiosa nas escolas e a necessidade de combater a intolerância em todas as suas formas. É crucial que o ambiente escolar seja inclusivo e acolha todos os alunos, independentemente de suas crenças religiosas. A proibição da apresentação cultural dos alunos candomblecistas é vista como um ataque à liberdade de expressão e à diversidade cultural, e o MPAC está atuando para garantir que os direitos desses alunos sejam respeitados.

O promotor destacou ainda que o objetivo do ofício é reunir informações para instruir o processo que investiga possíveis práticas discriminatórias no ambiente escolar. A medida do MPAC reforça a necessidade de garantir que a escola seja um espaço de inclusão e respeito à diversidade religiosa, combatendo a intolerância em todas as suas formas.

Fonte: https://revistaforum.com.br/brasil/norte/2024/11/13/escola-publica-proibe-apresentao-de-alunos-candomblecistas-169225.html

Em nome de Deus


Por Frederico Füllgraf.

Mal havia sido empossado fazia uma semana, em 8 de janeiro de 2023, o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva sofreu uma tentativa violenta de golpe de Estado. Naquele dia, cerca de 4.000 bolsonaristas – apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, derrotado por Lula nas eleições de outubro de 2022 – viajaram de todo o Brasil para a capital federal, Brasília, em ônibus financiados por grandes proprietários de terras, políticos e igrejas. Apenas observada por efetivos policiais inoperantes, a turba atacou a sede do governo, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, vandalizando móveis, obras de arte e equipamentos eletrônicos no valor de 3,8 milhões de euros ou 20,7 milhões de Reais. O ataque foi acompanhado por berreiros coletivos e faixas bolsonaristas que questionavam a vitória de Lula da Silva e cobravam uma “intervenção” militar.

Dos cerca de 4.000 manifestantes – que até mesmo meios de comunicação conservadores, como do poderoso grupo midiático O Globo, descreveram como “terroristas” – a metade foi presa. Até meados de 2024, dezenas deles foram acusados de ataques ao Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e graves danos materiais, e condenados a penas de até 17 anos de prisão. As investigações da Polícia Federal revelaram que a Policia Militar de Brasília e militares do Exército, da Aeronáutica e da Marinha – em especial generais que migraram para a política e que integravam o governo Bolsonaro – estiveram envolvidos na tentativa de golpe.

No entanto, pastores e bispos de igrejas evangélicas também tiveram papel ativo na tentativa de golpe.

Diversas publicações brasileiras tiveram acesso a interrogatórios da Polícia Federal, nos quais baderneiros presos afirmaram terem sido mobilizados por líderes de suas igrejas em várias regiões do Brasil – entre elas a “Igreja Presbiteriana Renovada”, a “Igreja Batista” e a igreja “Assembleia de Deus” – que financiaram suas caravanas de ônibus para Brasília.

Poucos dias após a tentativa de golpe, Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória de Cristo, criticou as prisões, lançando um ataque ao Supremo Tribunal Federal. Prender pessoas “sem base legal” seria “antidemocrático”, afirmou. Malafaia não apenas é o bispo evangélico mais influente do Brasil. Titular de uma fortuna milionária, é também o segundo bispo mais rico do país no ranking encabeçado por Edir Macedo, presidente da “Igreja Universal do Reino de Deus”, que é proprietária da segunda maior emissora de televisão brasileira, o SBT (*), e cujo patrimônio é estimado em mais de dois bilhões de dólares.

O papel de Malafaia na tentativa de golpe e no cenário extremista do espectro evangélico soa como declaração de guerra à constitucionaidade democrática. No auge da campanha eleitoral, no final de 2022, por exemplo, o bispo pediu orações de suas congregações para boicotar as urnas eletrônicas que, segundo ele, seriam utilizadas para cometer fraudes eleitorais a favor de Lula da Silva. Ao fazê-lo, o bispo juntou-se à campanha travada por Bolsonaro e alguns dos seus generais para desacreditar o sistema de urnas que, ao contrário, tem sido elogiado em todo o mundo – do Centro Carter às Nações Unidas – pela sua segurança e eficiência.

Cerca de um ano depois, o bispo passou a atacar abertamente o juiz Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, que de meados de 2022 a meados de 2024, igualmente exercia a presidência de turno do Tribunal Supremo Eleitoral. Nessa função, desde 2019, Moraes também encabeçava as investigações do Judiciário brasileiro sobre a veiculação de fake news por perfis da extrema-direita nas redes sociais, que favoreceram notavelmente a criminalização de Lula da Silva e a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.

Numa manifestação politica, no final de fevereiro de 2024 na metrópole São Paulo, com a presença de 185 mil bolsonaristas convocados contra as investigações de Moraes sobre a presumível liderança de Jair Bolsonaro na tentativa de golpe, Malafaia bradou à multidão que revelaria o “conspiração maligna” contra Bolsonaro. Proibido judicialmente de convocar a manifestação sob ameaça de prisão, Bolsonaro entregara a convocação ao bispo Malafaia, que alegou também ter financiado o evento.

Em nova manifestação, no início de setembro de 2024 e no mesmo lugar, o bispo cobrou o impeachment e a prisão de Moraes, bem como a anistia de Bolsonaro e de seus apoiadores presos, com as palavras “O lugar de criminosos é a prisão!” Embora tenham sido abertas investigações contra Malafaia por ataques antidemocráticos ao poder judicial, este absteve-se provisoriamente de acusação formal. De todo modo, parece pouco provável que a campanha de Malafaia pela cassação do juiz tenha qualquer hipótese de sucesso no Senado brasileiro, competente para posicionar-se sobre o caso.

Mas como se explica o atual poder do cenário evangélico no Brasil, bem como as origens de seus posicionamentos tão flagrantemente extremistas?

As origens deste processo remontam a mais de meio século.

Em 1969, em nome do presidente dos EUA, Richard Nixon, o então governador de Nova York, Nelson Rockefeller, realizou uma viagem por diversos países latino-americanos, com o objetivo de promover os EUA como modelo de desenvolvimento e liberdade e como “protetor contra o comunismo”. No seu relatório final (The Rockefeller Report), o herdeiro do clã bilionário Rockefeller recomendou à presidência dos EUA e à CIA que promovessem a expansão de igrejas evangélicas à América Latina, pretextando que aqui o catolicismo se tornara um “perigoso centro de potencial revolucionário”, referindo-se à doutrina progressista da Teologia da Libertação que se expandia na época. Obedecendo ao chamado, a Fundação Rockefeller passou a promover comunidades Mórmons e Testemunhas de Jeová na América Latina. Mas o Congresso dos EUA e destinou milhões de dólares americanos para o envio de missões evangélicas e a construção de templos e igrejas.

As denominações protestantes tradicionais e as igrejas da Reforma, como as Igrejas Luterana (IECLB) e Presbiteriana do Brasil, têm suas raízes na migração da Europa para o Brasil no século 19 e raramente questionaram o sistema social e político do país anfitrião. Muito diferente foi o que ocorreu no novo espaço evangélico de predomínio neopentecostal que se fortaleceu no final da década de 1970 como resultado do Relatório Rockefeller. De modo crescente, sua doutrina introduziu pregações tais como a “teologia da prosperidade” e o “empreendedorismo”, acompanhadas de uma agenda para o estabelecimento de um estado autoritário, teocrático.

Um dos primeiros beneficiários da ofensiva de Rockefeller no Brasil foi o ex-funcionário público e futuro bispo, Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, em 1977. A reboque da Igreja Universal introduziram-se numerosas confissões e seitas neopentecostais, algumas com nomes bizarros, outras com ambição de poder, tais como a Igreja Evangélica Sara Nossa Terra ou a Igreja Mundial do Poder de Deus. Atualmente, mais da metade das dezenas de milhares de capelas e igrejas cristãs no Brasil pertencem a denominações neopentecostais, com mais de uma dezena de novos templos inaugurados todos os dias.

Com uma agenda moralista, o campo neopentecostal se auto-define como espécie de “vanguarda dos valores cristãos e da família“, da qual o governo de Jair Bolsonaro emprestou seu lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Ameaçando a tradição republicana, Bolsonaro tentou contrabandear para a esfera do Estado Laico brasileiro a agenda neopentecostal que, desde os dois primeiros governos progressistas de Lula da Silva, de 2003 a 2010, usava os púlpitos das igrejas para desencadear uma campanha agressiva contra os direitos das mulheres, como o aborto após o estupro, contra a população indígena e afro-brasileira e também as minorias sexuais.

Ao mesmo tempo, crescia o apetite do campo neopentecostal para intervenção ativa na política, com pastores e bispos disputando cargos eletivos nas duas câmaras do Congresso. Ocupando, desde as eleições de 2022, 132 das 513 vagas da Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) é a segunda a bancada mais numerosa no Congresso brasileiro atrás da Frente Parlamentar de Agricultura e Pecuária (FPA), com 324 vagas, contrastando notavelmente com a bancada de apenas 69 deputados do Partido Trabalhadores (PT) governista.

A extrema-direita evangélica do Brasil também têm supremacia absoluta nas redes sociais.

De acordo com uma investigação realizada por pesquisadoras/es da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), financiada pela fundação alemã Heinrich Böll, oito dos dez extremistas de direita mais influentes em redes sociais como o X, pertencem ao campo evangélico neopentecostal. A pesquisa leva em conta estatísticas recentes, segundo as quais cerca de 30 por cento da população brasileira que soma 230 milhões de habitantes, se auto-definem a grosso modo como evangélicos. Desse total, a facção evangélica-neopentecostal de extrema direita mal responde por mais de dez por cento.

No entanto, de acordo com os pesquisadores, essa minoria radical tem amplo acesso à mídia e recursos financeiros, e está muito bem conectada internacionalmente. Liderados pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro – católico de origem, mas evangélico por batismo – os extremistas evangélicos mantêm excelentes conexões com a extrema-direita dos EUA, liderada pelo ex-conselheiro de Donald Trump, Steve Bannon, com o partido fascista espanhol Vox e a extrema-direita da Hungria, encabeçada pelo presidente Viktor Orbán. Em décadas passadas, a extrema-direita brasileira não gozava de popularidade, nem possuía uma base social, ou porque celebrava a ditadura militar (1964-1985) e seus crimes, ou porque era apoiada por skinheads e neonazistas. Isso mudou com a infiltração e a cooptação do campo religioso: “Hoje, os evangélicos constituem uma base social de massa para o movimento de extrema-direita “, adverte o cientista político Joanildo Burity, um dos autores da pesquisa financiada pela fundação Heinrich Böll.

A religião armada: o exército privado e o projeto teocrático da Igreja Universal Em trama paralela, há vários anos, a Igreja Universal do bispo Edir Macedo desenvolveu um curioso e preocupante programa intitulado “Universal nas Forças Policiais” (UFP). Para ilustrá-lo, um vídeo de 2019 afirma que quase um milhão de policiais das PMs de vários estados e seus familiares participaram de palestras, eventos, cafés da manhã, orações e bênçãos coletivas do UFP, que incluiu ainda a doação de “meio milhão de Bíblias e literatura“.

A Universal afirma que seu objetivo foi aproximar os fardados do evangelho pastoral. Como agradecimento, integrantes das PMs teriam assessorado a Universal na criação de um “exército privado” da igreja, ao qual muitos policiais aderiram como voluntários. Em outras palavras: é o poder religioso de arma na mão.

Alinhados com o discurso armamentista e citando a Bíblia, em 2023, pastores evangélicos exigiram que a posse privada de armas de fogo fosse permitida novamente. Em 2019, o governo Jair Bolsonaro havia suspendido as severas restrições legais impostas durante as gestões anteriores do presidente Lula, com isso virtualmente quintuplicando a aquisição privada de armas até 2022. Porém, já no início de seu terceiro mandato, em 2023, o governo Lula da Silva voltou a restringir o boom armamentista da gestão Bolsonaro.

Enquanto isso, longe do cenário brasileiro, abrigado em sua luxuosa cobertura em Miami, nos EUA, o bispo Edir Macedo se desempenha como “intelectual orgânico” ou “pregador literário” do campo evangélico, desenvolvendo certa base argumentativa para a extremadireita evangélica. Entre as obras de sua autoria destaca-se o livro “Plano de Poder“, editado em 2008, um genuíno manual político para a tomada do poder, que não se limita às instruções religiosas, mas apela à resistência política, à tomada do poder e à construção de um Estado teocrático autoritário.

Vários sinais emitidos durante os dois primeiros anos de seu terceiro governo, indicam que o presidente Lula da Silva busca a reaproximação com o campo religioso evangélico.

O presidente e seus assessores estão cientes de que o PT tem alguma responsabilidade pela ofensiva evangélica, esvaziando sua antiga base social e política, particularmente nos subúrbios pobres das grandes cidades, deixando para trás um vácuo paulatinamente ocupado e influenciado por confissões neopentecostais. O desafio do governo Lula consiste, portanto, em reconstruir sua base social nas periferias urbanas, missão que poderia ser exitosa sobretudo no diálogo com as mulheres. Diversas pesquisas revelaram que nas eleições de 2022, não poucas mulheres evangélicas votaram em Lula e não em Bolsonaro. Em seus depoimentos, muitos eleitoras, em sua maioria pobres, criticaram severamente as atitudes de Bolsonaro, consideradas incompatíveis com os valores cristãos. Segundo as mulheres entrevistadas, o ex-presidente não apenas era pródigo no emprego de xingamentos e palavrões, como não respeitava a honradez de seu mandato e muito menos a vida humana. As mulheres não esqueceram que, constantemente, Bolsonaro insultava as mulheres em público, negando-lhes, por exemplo, o direito à remuneração justa por seu trabalho ou desdenhando a violência doméstica, da qual milhões de mulheres brasileiras são vítimas.

Porém, nessa busca do diálogo, o terceiro governo Lula enfrenta outro sério desafio, tornado desvantagem. Ocorre que, de acordo com pesquisas recentes, 40 por cento da população rejeita as políticas econômicas e sociais do governo Lula. Como isso é possível? Pois significa que os próprios favorecidos parecem não perceber a melhoria das suas condições de vida, ou são enganados por notícias falsas da extrema-direita. O governo Lula tem que atualizar suas técnicas de comunicação, pois parece não ter entendido ainda a força e o poder mobilizador das redes sociais dominadas pela extremadireita.

Fonte: https://jornalggn.com.br/politica/radicais-de-direita-em-nome-de-deus-por-frederico-fullgraf/

Nota: o autor confundiu-se. Edir Macedo é dono da Record.