sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Heterogênese XVI

Estes são apenas alguns pequenos conselhos e considerações que, infelizmente, só terão lógica num tempo muito tardio para se recuperar alguma coisa. Que fiquem então estas palavras esquecidas no tempo, escondidas no deserto. Incompreendidas pelas cabeças esclarecidas dos homens que se fazem de sábios, mas acabam querendo ser tão donos da razão quanto os homens mesquinhos. Que riam de mim o quanto quiser, todas as juventudes que vem e vão, pois seu riso é perene como sua frágil e tola vida atrás de emoções. Pois seu escárnio é mais contra sua própria pobreza de percepção que contra mim. Suas regras de beleza, riqueza, poder e força são exatamente isso: produto de mentes perturbadas. Não adianta nada por máscaras diante de si. Só poderão matar-me uma vez, mas o tempo pertence àquele que pensa, cedo ou tarde o que escrevi virá à tona e seu Império de Luzes ruirá.

Ao contrário de muitos colegas meus, não pretendo ser profeta ou sacerdote das minhas crenças, ou de crenças ocultas, ou das Trevas. Pretendo, antes de tudo, plantar a dúvida e a crítica que qualquer um pode ter e são as únicas coisas sagradas, quando consideramos o gênero humano. Melhor que falar com parábolas sacras, falo então por sonhos profanos, já que nestes estão minha morada, já que nas Trevas cresço em inteligência e sabedoria. Que caiba a cada culpado reconhecer seu papel nas aventuras e caiba o jugo ao leitor esperto.

Terminarei minhas visagens, tendo que avisar mais a mim mesmo. Como os personagens para a consciência, serei esquecido por muitos, meus avisos ecoarão no vazio desértico de suas cabeças.

Não é sem propósito que minhas palavras e a consciência, estarão sendo continuamente sepultadas pelos senhores da sociedade. Já que o poder destes se garante pela repressão e pelos comodismos. Já que estão apoiados pelo Império das Luzes, contra quem a crítica e a dúvida perturbam sua superfície plana, sua película frágil de religiosidade pelo bem, sua casca de austeridade social, sua escama de fé hipócrita e podre num deus martirizado. O que escrevo pode não ser verdade, mas fere a filosofia fácil e nebulosa do Império das Luzes e alquebra o poder mesquinho e absurdo dos senhores da sociedade. Continuarão a esmagar seus semelhantes em nome de interesses obscuros, que não são do interesse de milhões, mas assim se faz em nome da Nação e do Estado. Coisas que, supostamente, deveriam ser do povo, mas que na verdade, não são mais do que os senhores da sociedade como as idealiza, a serviço de seus propósitos.

O mundo não faz sentido, já devia saber muito bem. Compreendê-lo, por mais que tente explicá-lo, muitas questões ainda surgirão insolúveis. Só tenho a certeza de que estou fora deste jogo. Dificilmente poderei entrar, qualquer que seja o método ou o meio, de romper as fronteiras e atravessar suas portas. Uma vez fora, melhor posso observá-lo; uma vez fora, dirão que tenho alucinações, ou que criei de mim mesmo este mundo. Escolhido de vontade, uma vida e um pensamento, nada me está reservado, que não a mendicância ou o asilo de loucos. Nada mais anormal que saber pensar e escolher independentemente, que mercado, acostumado a ordens e ideais aguados, iria querer roer os ossos da dúvida e beber o vinagre da crítica? Os motivos dados serão muito variados, mas isso não comuta minha pena, cuja condenação é morte por esquecimento e fome.

Cabe a cada um decidir seu rumo, ainda que contra um deus ou toda uma sociedade, contra toda história, que é escrita por regras preestabelecidas.

Uma vez que escrevo, estou assumindo a responsabilidade destes pensamentos como meus, como os riscos que trarão. Não deverá, de forma alguma, caso haja um futuro mais racional, as futuras gerações, regenerarem-me, cultuarem ou fazerem monumentos ou efígies meritórias a mim. Primeiro que não sou memória nem pretendo estar em museus de qualquer ordem. Depois que não sou mais que uma casca com um vácuo por alma. Além do mais, o mérito deve ser feito, não lembrado, em cultos ao intelecto, do qual quero ficar bem longe. Devem ter somente o que escrevi neste livro e o que foi lido pelos olhos, à parte, farão cada leitor, seus apontamentos, nada mais do que uma referência ou base, deve ser meu livro e minhas obras.

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