Quando Saturno retornou a Alba seu irmão Pontus foi prestativo e receptivo, não por saudades ou preocupação fraternal, mas para não dar chance aos boatos da corte chegarem ao ouvido de Saturno a respeito de suas ações. Para sorte de Pontus, Saturno enredava-se mais e mais nas armadilhas do Destino, Saturno estava apressado e não deu ouvidos a Pontus ou à corte dos Deuses.
- Gaia, minha amada esposa e rainha de Alba. Apronte-se pois iremos à Hélade ter com nosso irmão Urano.
- Meu coração exulta, meu amado rei. Nós poderemos rever Ceres, nossa irmã.
- Oh, sim, iremos. Aquele velhaco do Urano tem uma fortuna e tanto ao se tornar consorte da jovem e bela Ceres. E ela tem dois anos a menos que tu!
- Nós duas éramos bem pequenas quando aceitamos, eu a ti, ela a Urano.
- Sim e se não me engano você não gostou muito de que ela havia se intitulado Deusa da Terra.
- Isso foi uma bobagem. Quem quer ser Deusa do chão, do pó deste mundo, quando se é Deusa do planeta? Nesta e nas gerações vindouras será o meu o nome dado a este mundo.
- Então eu devo ficar de olho em Urano. Eu sei muito bem o que aquele velhaco pensa quando te vê por perto.
Pontus vê Saturno partir em viagem mais uma vez, mas desta vez com Gaia, o que o deixa no trono mas em uma situação precária sem ter uma Deusa que lhe confira a posição e a autoridade. Qualquer Deus poderia lhe cortar a cabeça, se clamasse pelo trono apoiado por alguma das irmãs, primas ou sobrinhas de Gaia. Os problemas de Pontus não nos interessam no momento, seguiremos a caravana de Saturno.
Foram necessárias quarenta semanas de nosso mundo para Saturno chegar até a colônia de Urano, chamada Hélade, sob os auspícios do Deus desconhecido. Povo do mundo, cheios de orgulho e vaidade, saibam que em suas origens, a Hélade e seus habitantes, que fundaram nosso pensamento e cultura, não estavam nas formosas ilhas, mas no continente, em uma região que conforme os gostos e as preferências ora chamam de Europa, ora chamam de Ásia. Tolo e fútil povo do mundo! Colocais nomes, fronteiras e divisórias mesmo onde estas coisas não existem!
Urano ficou agastado ao ver Saturno aproximando-se de suas portas, mas alegrou-se ao ver Gaia na caravana. Ele não suportava os modos graves e soturnos de Saturno e nunca seria capaz de esquecer a leveza e jovialidade de Gaia. Imediatamente fez seus servos abrirem as portas do Olimpo, sua cidade-estado, sua fortaleza e seu castelo. Instou, em seguida, a Ceres para que se aprontasse.
- Exultai, Ceres, minha rainha, pois nosso irmão Saturno e nossa irmã Gaia vieram a ter conosco.
- Alvíssaras! Eu não suporto Saturno mas eu amo minha irmã Gaia.
- Nem tudo é perfeito! Aturemos o que nos agrava e manifestemos amor a quem nos agrada!
Ceres aprontou-se alegremente para rever sua irmã, ingenuamente esquecendo das verdadeiras intenções e planos de Urano para esta visita. Saturno adentrou ao Olimpo e ficou impressionado e invejoso pelo fausto e luxo que encontrou. Franziu a testa e fechou o semblante com a chegada de Urano na sala de recepção, mas logo esqueceu-se de tudo ao ver a bela pele alva e o cacheado dourado dos cabelos de Ceres. Mesmo depois de tantos anos passados neste mundo, Ceres ainda parecia com aquela menina com quem ele brincava na infância e logo seguiram o desejo e a concupiscência.
- Pelos Deuses antigos! Minha irmã Ceres, como tu cresceste!
- Pater Saturno, Mater Gaia, sejam bem vindos em nossa humilde casa.
- Humilde? Há! Ora, vamos, Urano, orgulhe-se de ter saído de sua tenda de pele de cabra e chegado a tal palácio!
- Nosso querido irmão Saturno é muito gentil.
- Gentil e sedento! Ouvi falar que tu faz uma beberagem que rivaliza com o hidromel.
- Vinus, meu caro irmão. Venha, vamos deixar as mulheres com seus afazeres e vamos nós cuidar dos nossos.
- Urano, meu irmão, nós temos que nos unir, agora que Anu foi engolido pelas águas. Enquanto eu construía Alba, eu ouvi falar que estas florestas têm um Deus desconhecido.
- Sim, eu também ouvi tais rumores, mas nunca o vi. Dizem que ele é o Espírito deste mundo, conduz ritos selvagens, em assembléias com diversos espíritos e entidades, em círculos, no meio da floresta.
- Eu também não o vi e nós não sabemos se podemos confiar nele, qual seu poder ou qual a relação dele com nossa corte. Temos que nos garantir. Urania me disse que há um santuário além de suas paredes.
- Sim, o santuário de uma Deusa local, chamada de Pithon. Os boatos sobre a vida de Urânia vivendo como Lupina soam terríveis, mas é um verdadeiro terror o que eu ouço sobre o santuário de Pithon.
- Nós precisamos encontrar este santuário, meu irmão. Esta Deusa pode nos dar a chave do reino dos Deuses. Mas antes de traçarmos um plano, diga-me, do que é feito este vinus?
- De pequenas frutas rubiáceas que brotam de uma moita selvagem que se arrasta, se agarra e se pendura por todo lugar. Gostou do meu vinus, irmão?
Saturno deixa cair sua cumbuca, bem como seu corpo. Desacostumado, deixa-se abraçar pelos vapores do vinus e se deixa levar pelo arrebatamento do sono dos ébrios. Urano prontamente abandona seu irmão e sai em busca daquela que comprime seu coração, Gaia. Ele encontrou-a junto de Ceres, no jardins do castelo. Discretamente, chama a atenção de Gaia que, em sua curiosidade ingênua e juvenil, aproxima-se dele, deixando Ceres entretida com algumas bestas que esta havia domesticado.
- Meu irmão Urano, que bela casa tens!
- Sim, querida irmã Gaia e isto tudo pode ser teu.
- O que dizes? Eu sou esposa de Saturno e Ceres, a quem eu amo mais do que a um irmão, é a tua esposa.
- Isto pode ser acertado. Vem e vê como teu marido e rei não merece teu apreço.
Urano conduziu Gaia até o salão onde ele e Saturno conversavam e lá Gaia viu o orgulhoso, circunspecto e grave Saturno roncando, deitado em um catre, as faces rubras como os frutos usados para a fabricação do vinus.
- Eu estava tratando com ele e teu marido contou-me de seus sonhos delirantes de conquistar a chave do reino dos Deuses. Fique comigo e tudo será teu.
- Tudo? Serei eu a Deusa desse mundo? E o que será de Ceres?
A conversa torna-se íntima e não demora para que Urano conquiste seu prêmio e regozije com o butim. Povo do mundo, não se escandalize com os fatos da vida, do amor, do desejo, do prazer. Não torne o fardo de viver maior que o necessário.
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