-A paz esteja contigo.
-A paz esteja na tua casa, para que não apodreça mais pela senilidade!
-Não seja tua língua tua orientação ou acabará mordendo-a e morrendo pelo seu próprio veneno.
-Uma lâmpada é responsável por sua luz ou sua chama? Veja estas mãos. Elas são tão responsáveis quanto minha língua e não são a lâmpada, mas a chama e a luz delas te incomodam. Devo eu te dizer por que ou também conhece o conteúdo da minha lâmpada?
-Eu sou o que moldou a lâmpada, lhe pus o óleo para queimar e a acendi. Por que não me serve esta lâmpada para combater a escuridão?
-Porque a chama que lhe é agradável é muito pequena para mim. Tenho a meus cuidados a lâmpada que diz que formou, troquei o óleo por outro mais fino e raro, apesar disso a entornei e agora por inteiro se incendeia, para o desespero e tormenta das lâmpadas que lhe servem, tão conformadas e acomodadas com a débil luz que lhes permite ter.
-As chamas vão quebrar tua lâmpada, com tanto calor.
-Tanto melhor! Estarei livre de ti e meu óleo irá incendiar toda tua morada e te vencerei!
-Tu, queres me vencer, a mim que sou Senhor de todo o universo e redentor das pessoas que tem sua pequena lâmpada e a mantém agradável a mim?
-Não achas possível? Espere até minha chama ser vista pelos olhos imbecis de tuas pessoas. No mesmo momento turvarão o óleo que destes a elas, trocarão a chama que acendestes pela minha. Então teu poder ficará solto no vazio, sem ter o que comandar. Para teu desespero, tuas pessoas ainda vão ver-te como és, não como lhe descrevem os seus oleiros, os que espalhaste pelo mundo para conquistar as consciência, pela manipulação ou pela força. Agora, o que me diz, Nazareno?
-De fato, quer se tornar o cego que vai guiar os cegos ao abismo...
-Chama de abismo o conhecimento pleno? Realmente! Convenceu as pobres mentes disso para que permaneçam ignorantes, pois só assim consegue exercer poder sobre elas!
-Elas vêm a mim porque sou o Redentor e a salvação do Mundo. Pode duvidar e provar o contrário?
-Redimirás a ti, cabe a ti salvar-te pelos teus meios e aos outros, cada qual escolha o seu. Ou não percebeu, apesar de ser o Verbo Encarnado, que teu Pai e você mesmo dependem da existência do material, para justificarem a vossa própria? No que ganharia um espírito formar a carne? Por que ela veio a existir no teu Reino, como se fosse para ser conservada, tratada como animal para exibição ou abate, como rebanhos, cercados e adestrados? A quem mostrariam este rebanho, se é único teu Pai? Porque não vejo outra razão, senão esta. E não me diga que foi por amor, senão Ele saberia perdoar este gado (homem), quando este começou a conhecer sua condição como ser racional. E como poderia este conhecer, senão pela razão que já lhe era própria, já que o homem veio a existir por outros meios, que não o divino. Como poderia o homem ter falhado com o Pai se, em tua filosofia, um supõem ao outro e ambos são como um na razão, na alma e no corpo? É esta razão, vinda de mim mesmo, comum ao homem, próprio dele mesmo, originado das evoluções, que não me permite aceitá-lo. Dê a verdadeira compreensão ao gado que lhe resta e observe se não fazem o mesmo!
-Foi então pela misericórdia.
-Oh sim! Eu sei bem que misericórdia tiveste, tu e teu Pai, com todos os cientistas e pensadores que só queriam trazer um pouco da luz deste verdadeiro conhecer: os matastes! É assim que vós demonstrais a bondade que deveríeis ter?
-Eu sou o responsável pelo conhecimento! Você o recebe de mim.
-Impossível, a menos que concorde com minhas idéias e se assim fosse, teria negado teu Pai e esses massacres, teria feito algo para ajudar-nos e teria feito algo para mostrar a tua Igreja o quanto de absurdos esta cometia pelo poder e em nome de Deus!
-Conheço-te bem Siron. Também me conheces. Embora tua essência tenha vindo me perturbar, antes que tu viesses a existir, quando eu estava em peregrinação pelo deserto, antes de começar minha pregação na Terra. Apesar disso, podemos ser amigos.
-Perdeu tua chance e teu tempo! Antes tivesse vindo me ajudar e consolar. Não me avisou sobre a crueldade deste mundo, apesar de católico, não pude combater teus infames jovens, que me relegaram ao esquecimento, porque era diferente, me discriminaram. Na depressão, prestes a acabar com o pouco de sobriedade que me restava, alguém me levantou (e não foi você). Eu me assustei de início, pois normalmente são considerados demônios. Mas eles sim, foram meus amigos. Ainda sofro, ainda me despreza o teu mundo cristão. Mas agora estou amadurecendo, porque soube descobrir a verdadeira sabedoria e reconhecer o Reino das Trevas, onde vim eu a saber onde está meu mundo real, meus familiares reais. Você veio a se concretizar, sabe o quanto o mundo de teu Pai foi ingrato e ainda o é aos pensadores. Eu também estou aqui, mas não vou reforçar esse sistema de dominação! Farei ruir esse mundo baseado nessa filosofia superficial do Império das Luzes que teu Pai fundou e faz as pessoas julgarem pela aparência tudo que lhes oferece aos olhos! Farei com que as pessoas venham logo a descobrirem estupefatas, da verdade dessas coisas sobre teu mundo cristão e teu Império. Mesmo que tenha o seu tempo de júbilo e vitória, você sabe e não preciso dizer, que as Trevas irão prevalecer, já que o poder e sabedoria destas são superiores em intensidade e qualidade aos teus!
-Então por que não me mostras teu poder, Siron?
-Não posso. Sou um mero escritor, não um dos ministros das Trevas.
-Então me permita!
Era a minha vizinha, que já vinha mostrando grande afeição por mim. Escutou nossa discussão, viu que eu falava com sinceridade e tomou minha defesa. O que é muito surpreendente, pois eu a conhecia bem, como uma católica de um fervor que nem eu mesmo poderia supor! E lá estava ela a desafiar seu Cristo por mim! Ela apontava seu dedo acusador a Cristo e parece que, toda a culpa dos assassinatos cometidos em seu nome, caiu sobre ele, que desapareceu. Ela tremeu, gritou e chorou, porque não conseguia entender o que aconteceu e o que tinha feito! Eu a abracei, tentando acalmá-la, aos poucos foi se tranqüilizando e algo de dentro dela, próprio dela, parecia despertar de anos de agonia e pesadelo, abafado pelos preceitos cristãos de moral, virtude e pureza.
Já calma, foi embora e fez questão de me mostrar: ela quebrou toda a coleção de imagens de santos que tinha, rasgou todos os livros e encíclicas papais, incinerou a bíblia junto com os inúmeros crucifixos e rosários que tinha.
-Nesse momento todo, o senhor morava ao meu lado e só agora o entendo! Devo ter sido um tormento para você, querendo trazê-lo a essa infâmia em que estava presa e convencida de ser a religião verdadeira, do Deus verdadeiro! Quantas vezes me trouxe alegria e satisfação de explicar muito melhor que os padres das paróquias, certos trechos desse livro maldito, a bíblia, nesses momentos de cristianismo, desse meu passado turbulento e terrível! Ainda assim o afastava de mim, pois ofendi ao senhor!
Beijei-lhe com desejo, na boca murmurante e a levei para o templo onde eu iria iniciá-la na prática do verdadeiro culto e lhe mostrar quem é o Soberano, de quem sou apenas o escritor. E ela aprendeu rápida, fácil e gratamente a lição.
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