sexta-feira, 27 de abril de 2012

Aphrodisia

Trecho do comentário do Nyoo:
"Me ligo demais a Vida, Natureza, Amor e pelo fato de ter apenas 16 anos, alguns pagão que encontrei zombaram de mim. Queria esclarecimentos, indicações, história e explicação[...]"

A minha primeira recomendação é que continue a ler este blog, especialmente a seção "eros".
Eu recomendo a todos os curiosos, simpatizantes, estudiosos e iniciantes da Wica, bem como a todos os pagãos, bruxos e wiccanos que leiam “A História do Prazer – O Uso dos Prazeres” de Michel de Foucault.
Quanto aos meus colegas, irmãos e irmãs da comunidade pagã no Brasil, eu preciso primeiro discorrer sobre a velha questão do gênero, identidade e preferência sexual, um dos assuntos que mais me compraz e está presente neste blog. 

Infelizmente, vivemos em um  mundo onde se celebra a violência, o medo e o ódio. E nos consideramos mais civilizados e cultos. Ainda temos medo de ser e viver como os antigos, que nós tanto definimos como atrasados, mas antigamente se celebrava o amor, a vida e a alegria. A diferença entre antigamente e hoje, é que antes os antigos viviam aquilo que acreditavam e hoje apenas se fala, mas não se vive o que se crê. Antigamente a sexualidade era vista e vivida sem discriminação, sem preconceito, sem neuroses. Uma visão sobre o corpo, o prazer e o amor que nos choca, um mundo aparentemente sem regras ou moral alguma. Hoje nós vivemos em um mundo cheio de regras, tabus e moral, mas vivemos em uma sociedade doentia que acha normal a violência física e sexual contra crianças e mulheres.

Um dos princípios mais difíceis de serem entendidos pelas pessoas comuns é a noção de que o corpo é sagrado e o prazer é uma via de iluminação.
Cada ato cerimonial que envolve uma forma de sexualidade sagrada tem um objetivo e um princípio distintos. Para nós, os malvados tradicionalistas, o Hiero Gamos é fundamental para a continuação da existência, do mundo e da natureza.

Para nós, "todos os atos de amor e prazer" são rituais para nossos Deuses. Mas primeiro, para isso, devemos lembrar que o nosso corpo, nosso desejo, nosso amor e prazer, são sagrados e devem ser celebrados como uma experiência espiritual, não como uma violência sexual.
Qualquer forma de preconceito às formas de sexualidade sagrada, são resquícios do mesmo puritanismo e opressão que muitos que vêm à Arte trazem de suas crenças anteriores.

O Paganismo é um conjunto de religiões, cada qual com seus princípios e doutrinas, autônomas entre si. Pode-se dizer que é o único conjunto de religiões que aceita a diversidade sexual, de forma que soa estranho e esquisito colocar a agenda de um grupo social ou de uma bandeira acima do objetivo espiritual dessas religiões.

Entre os pagãos, fala-se muito [demais, para meu gosto] da Deusa e nada do Deus. Fala-se do "sagrado feminino" e nada do sagrado masculino. Omite-se que a Wica é um culto à fertilidade. Nega-se, oculta-se e rejeita-se o Deus Cornífero. Como então podemos entender os antigos mitos da Suméria, da Babilônia, do Egito e da Grécia? Como podemos [ab]usar dos mitos quando nos agradam, mas ficamos cheios de pruridos quando os mitos falam em castração ou em prostituição sagrada? Isso é hipocrisia, é falsidade, é [ab]usar dos mitos e mistérios antigos para agendas pessoais e isso, definitivamente, não é Paganismo nem Wica.

São mitos perturbadores, com certeza, mas tem a função de nos mostrar aquilo que está em nossa natureza. Não enfrentá-los, não encará-los, é alimentar essa sombra de culpa, vergonha e rejeição que nos tem mantidos escravos de uma instituição totalitária e adorando esse [falso] deus, uma corporação multinacional sem identidade, sem origem, sem vínculo a lugar ou povo algum, mas muito útil para nos manter em uma opressão/repressão social/política/sexual.

A questão mais controversa, talvez, não é sobre sexo em si mesmo, mas a posição que cada um de nós tem diante desse instinto/necessidade e de como nós relacionamos tudo isso com nossa crença pessoal.
Pessoa que são pagãs não são muito diferentes de pessoas que são cristãs. Visões pessoais, traumas, más experiências, recalques, frustrações, insegurança vão se mesclar e/ou se justificar com um discurso religioso.

Discutir gênero, papéis sexuais, identidade/personalidade e preferência sexual em uma sociedade marcantemente sexista, machista, conservadora e católica é tão arriscado quanto entrar com a camisa de outro time no meio de uma torcida organizada.
As notícias recentes dão uma idéia da dificuldade e da luta ainda a ser travada para se garantir os legítimos direitos constitucionais das pessoas, cidadãos brasileiros, que fazem parte da comunidade LGBT.

Para passarmos a ser uma sociedade mais tolerante, mais inclusiva, mais humana, ainda teremos que superar os mesmos preconceitos, as mesmas discriminações, os mesmos estereótipos. E se quisermos chegar a esta realidade, não podemos esperar que o Estado se torne efetivamente laico.
Em termos bem sucintos, a definição do gênero [dos papéis sexuais, do que é permitido/proibido] é muito variável conforme a época, o povo, a cultura e a sociedade. Isto é um fato, mas a cabeça de uma pessoa comum tem idéias tão arraigadas que se as tomam como reais. Nós nascemos, fomos criados e crescemos em uma sociedade [e uma cultura] sexualmente indigente, frustrante e recalcada.
Todos nós somos seres sexuais, as convicções com as quais construímos a sociedade e a cultura estão caindo, a humanidade está despertando para seu estado de amor e liberdade, ditaduras estão desaparecendo e instituições estão sendo contestadas.

Se somos homens e nos percebemos como homens e as mulheres nos atraem, nos dizemos heterossexuais, não podemos nem devemos ter vergonha do que somos. Também temos acesso ao sagrado e ao divino.
Se somos mulheres e nos percebemos como mulheres e os homens nos atraem, nos dizemos heterossexuais, não podemos nem devemos ter vergonha do que somos. Também temos acesso ao sagrado e ao divino.
Se somos homens e nos percebemos como homens e os homens nos atraem, nos dizemos homossexuais, não podemos nem devemos ter vergonha do que somos. Também temos acesso ao sagrado e ao divino.
Se somos mulheres e nos percebemos como mulheress e as mulheres nos atraem, nos dizemos homossexuais, não podemos nem devemos ter vergonha do que somos. Também temos acesso ao sagrado e ao divino.
Se somos homens e nos percebemos como mulheres e os homens nos atraem, nos dizemos transgênero, não podemos nem devemos ter vergonha do que somos. Também temos acesso ao sagrado e ao divino.
Se somos mulheres e nos percebemos como homens e as mulheres nos atraem, nos dizemos transgênero, não podemos nem devemos ter vergonha do que somos. Também temos acesso ao sagrado e ao divino.

Todos somos humanos. Estamos diante de um fato que, por tempo demais, nos foi alijado, reprimido, oprimido, segregado. Em hipótese alguma pode se marginalizar outro ser humano por causa de seu gênero, de sua identidade e preferência sexual. Então devemos nos sentir, nos descobrir, reconsagrar nosso corpo, nosso desejo, nosso prazer.

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