A jornalista, poeta e tradutora libanesa Joumana Haddad não conhecia a febre nacional em torno das mulheres-fruta, personagens criadas nos bailes funks do Rio de Janeiro. Achou curiosa a existência da mulher maçã, melancia, melão. Depois da iniciação no mundo dessas neo-celebs, ela disse: "isso também existe no Líbano".
"Para mim, as mulheres que usam burca na Arábia são iguais a essas mulheres-fruta. Ambas são oprimidas pelo patriarcalismo. As primeiras são obrigadas pelas autoridades machistas a usar véu para serem canceladas, apagadas, como se não existissem. As outras são tratadas como acessório pelos homens. Os dois tipos são exemplo da Sherazade que eu matei", explicou.
Calma. O "assassinato" foi no campo das ideias. Joumana é autora do livro "Eu matei Sherazade – confissões de uma árabe enfurecida", lançado no começo deste ano no Brasil. Em 'As Mil e uma Noites', clássico da literatura árabe, Sherazade precisa contar histórias todos os dias ao rei para evitar a morte. "Ela teve que negociar pela vida, direito que todos têm", falou.
Ao matar a heroína, Joumana manda a mensagem de que as mulheres não podem abrir mão dos seus direitos básicos, assumir o papel de vítima e, sim, resistir, se rebelar contra essa postura. Com sinceridade e explosão, a libanesa relata na obra o significado da mulher árabe nos dias de hoje. E é sobre isso que ela vai conversar com o correspondente estrangeiro Silio Boccanera na segunda-feira (14), às 19h, em um painel da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), em Olinda.
Na entrevista concedida ao G1, no hotel onde está hospedada no Sítio Histórico da cidade, ela admite que não programou nada para falar, apenas aguarda as perguntas sobre o tema da mesa: "Quem é a nova mulher árabe". "Apenas sei quem ela deveria ser: livre e corajosa. Hoje, esse tipo é minoria não só no meu país. Visitei muitos lugares e vi mulheres igualmente submissas. E essas precisam daquelas que lutam por mudança", afirmou.
Mudança é uma palavra de que Joumana gosta. Uma das primeiras aconteceu aos 19 anos, quando escolheu um homem para casar e se livrar da criação estreita ditada pelo pai. "Posso dizer que eu usei o meu marido. O casamento foi algo totalmente racional, planejado, eu não o amava", confessou. Hoje, aos 41 anos, está separada, vive com os dois filhos e conta com total apoio dos pais.
E as críticas e ameaças que recebe de todos os lados por viver em constante manifesto pela liberdade não a intimidam, apenas deixam-na preocupada com a segurança da família. O auge da perseguição dos "covardes", como define, foi quando lançou, em 2009, a revista Jasad (Corpo, em árabe), que aborda assuntos relacionados à sexualidade. O projeto sofre com a falta de recursos, como se ninguém no Oriente Médio quisesse vincular sua imagem à publicação. Mesmo assim, Joumana persiste no projeto. Os poemas de cunho erótico que publica também incomodam muita gente. "Mas eu sei ser má", brinca.
Joumana é contra as religiões monoteístas, que, para ela, são a base das sociedades patriarcais. Prefere acreditar na energia espiritual do mundo. Pós-feminista, também critica a primeira fase do movimento, que via os homens como inimigos e ignorava a feminilidade. "Todo mundo acha que intelectual tem que ser velha, mal vestida, feia. Cuido do lado interno tanto quanto do externo", falou, cruzando as pernas e evidenciando a fenda do vestido estampado.
Em sua primeira visita ao Brasil, a escritora disse que já se identificou muito com o país e espera conhecer as mulheres além dos clichês. "Conheço as que Jorge Amado descreveu. Sei que são mágicas, loucas, sensíveis, guerreiras, reais e irreais, apaixonadas. Tudo é paixão aqui", comentou. Com a boca rosada, lindos cabelos cacheados e caráter forte, é Joumana quem vai despertar paixões por aqui.
Fonte: G1 Fliporto.
Repostado. Texto originalmente publicado em 13/11/2011, recuperado com o Wayback Machine.
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