terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Heterogênese VIII

Este décimo merecerá atenção, pois não se abatera diante das adversidades, permanecendo com grande interesse em saber então no que acreditar, a que seguir. Culpando-se por causa da ignorância de respostas que poderia dar ou arriscar, sentindo-se muito árido, irá ao único lugar onde alguém iria, quando precisa meditar. Longe, o máximo possível de tudo, andando enquanto suportasse, acabando por chegar em meio ao deserto que precedia um grande lago, bem próximo a um monte escarpado. Um lugar que, em outras eras foi o local onde Lilith, junto ao seu Conselho das Trevas, elevou-se pelo poder do fogo negro, o que tornou este lugar tal qual é. Logo a noite chega e com ela o frio, manda o bom senso que se procure abrigo, para proteger-se e dormir até o início do dia. Quis a coincidência que escolhesse justamente aquela caverna, onde Lilith e Samael passaram sua noite de glória.

Nas paredes da caverna, Lilith escreveu suas memórias, para nunca deixar que o fato fosse esquecido, para que sempre que ali passasse, pudesse alegrar-se em recordações gratificantes. Este homem citado, o décimo, vendo as inscrições, põe-se a tentar traduzi-las e compreendê-las, pois estavam na língua familiar de Lilith, uma língua original da qual muitas outras surgiram, como a deste homem. Muito do que havia lá foram transferidas aos seus herdeiros, memórias estas, uma parte encontra-se neste livro. Muita coisa foi esquecida e até escondida, por que algumas eram muito íntimas, não poderiam ser citadas a qualquer um, outras eram melhores para o gênero humano que fossem esquecidas, ou a sede de destruição que o homem tem, as subverteria para seus interesses escusos.

Uma vez traduzidos os escritos, suas mensagens trariam grande alegria e satisfação, não por responder a todas as questões, nem se pretendia tal presunção. Eram apenas opiniões de grande sabedoria que, como tais, podem ser de grande auxílio. Como um ensinamento básico do qual, cada um, segundo as possibilidades e necessidades que a razão tenha, pode ser melhorado e aperfeiçoado. Uma obra é isso, não é de forma alguma sagrada ou um dogma a ser conservado hermético à passagem do tempo, das gerações e das descobertas. Mesmo o mais privilegiado visionário jamais poderia supor até que grau evoluiria as gerações vindouras. Tais escritos, por tantas condições exigidas para seu entendimento, pediam um trato delicado, ensinando o recomendável e guardando o indizível pelos motivos já ditos anteriormente.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Apostolado profano II

Que tal isso para coçar suas barbas e fundir suas cucas: verbo é tudo que vem do verbal, mas também pode ser venial, até mesmo genial de minha parte, pois assim é que sou:
(aversão) Sou aversivo a todo clássico em todos os gêneros, como também em número e grau.
(conversão) Sou conversivo, não conversível a converter esses clássicos, a melhorar mesmo, sobre uma perspectiva mais sagaz.
(Inversão) Não é simples assim. É colocar a coisa toda dentro dessa sagacidade, não apenas inverter os significados.
(Perversão) Estamos acertados, bem me dizem se me chamam de pervertido, pois verter é o meu forte, antes mesmo de haver uma versão, é o que é a perversão!
(Reversão) Exatamente assim, sou o reverso de suas medalhas lapidares, pretendo mesmo ser mortalíssimo. Mato-me todos os dias e o que mais se pode dizer quando se trabalha?
(Subversão) Versão das profundezas, versos abissais, é a região que meu monstro verbal habita e eu nado e vocês nada de entender.
(Diversão) Ficamos combinados assim. Não sou subversivo, pois não há sistema ou Estado em literatura. Não sou reversivo, pois não vou reverter meus tempos aos seus, pretérito imperfeito. Não sou pervertido, pois não faço mais do que a inocência do original mereça. Divergência é tudo o que peço. E é isso que pretendo ser: divertido!

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O resgate de Enki

Em termos humanos, os Deuses chegaram há alguns anos em Gaia, estabelecera-se, prosperaram. O conforto e a segurança deram a oportunidade para os Deuses ampliarem seus domínios e riquezas. Em pouco tempo, os Deuses esqueceram de seus valores e logo a necessidade de mais espaço, mais casas, mais mantimentos e mais riquezas fizeram com que Anu cobiçasse a conquista das florestas e terras além.

A cada primavera em Gaia, Deuses e Deusas uniam-se, isto nunca foi caso para criar problema ou escândalo. Apenas um farsante se oculta na transcendência. Apenas um castrado condena o prazer, o sexo e o amor. Os Deuses aumentavam sua prole, a espécie divina se espalhava. Mas nem todos estavam felizes. Ninlil cobiçava o poder de Ninmag e constantemente vinha incomodar Anu, reclamando do sumiço de Enki a cada seis meses do ano de Gaia. Em termos divinos, uma semana. Aventuras e relações paralelas eram coisas costumeiras e normais para os Deuses. O Amor era uma força antiga que era respeitada pelos Deuses e reverenciada por não ter começo, meio ou fim. Foi Ninlil quem inventou o ciúme e essa estranha mania que nós humanos temos em querer tornar quem amamos algo de nossa posse. Pior, nós inventamos os tabus, as fronteiras e as proibições que nos tem tornado tão pobres e indigentes no amor.

Anu não tinha tempo ou paciência para estas queixas menores de uma esposa ressentida, ele sabia muito bem que Enki deveria estar nos braços e pernas de outras Deusas, não era surpresa ou novidade o boato da corte que Enki estava convivendo com Ninmag. Mas o apetite de Ninmag pelo corpo de Enki estava começando a ser um empecilho para os projetos e os planos de Anu. Para achar e resgatar Enki, Anu teria primeiro que encontrar o local onde Ninmag habitava e isto certamente estava além de seus domínios.

Anu convocou uma assembleia de emergência onde, fingindo uma preocupação paternal, requisitou aos Deuses uma comissão para reaver Enki. Um pedido e tanto, visto que apenas Enki se disporia a tal risco. Cronos, vendo nisto uma oportunidade, avisou Rhea, sua esposa, de sua decisão, pegou seu escudo e espada, deixando-a aos cuidados das irmãs dela, Thetis, Phoebe e Selene. oh, povo do mundo, podem imaginar por que ou como um Deus pode desafiar e quebrar as inúmeras proibições e maldições feitas aqueles que saíssem da Cidade dos Deuses e entrassem na floresta sagrada! Por muito menos nós desafiamos e quebramos a lei divina de não matar! Cronos ao menos o faz por altos ideais como honra, virtude e coragem.

Cronos foi quem primeiro ousou adentrar na densa floresta, deparou-se maravilhado com a fauna e a flora. Cronos foi quem nos flagrou em algum canto de Gaia mas não nos deu muita importância naquele momento. Ele lembrou de que Enki lhe contou sobre como dominou as terras baixas, pedindo em oração silente ao Espírito que ali habitava por proteção e salvo-conduto. Cronos bufou, ele é um Deus guerreiro, mas se isto funcionou com Enki, poderia muito bem funcionar com ele.

- Eu invoco ao Espírito que habita a Floresta Negra e vos saúdo. Eu venho em paz, não em guerra. Eu tenho que cumprir esta missão. Eu não vim para invadir vosso domínio, mas para achar onde Ninmag habita e de lá retornar com meu irmão Enki. Para isso, eu devo passar por vosso território, então eu vos peço que apazigue as plantas e as feras para que não me ataquem. Eu não usarei minha espada contra vós se não usardes as vossas contra mim. Passarei tão rápido e despercebido como o vento e seguirei meu destino.

Segui-se um imenso silêncio em toda a floresta. O único som foi o de algo batendo, pulsando, aproximando-se de Cronos. Ali, para o terror e medo de Cronos, o Deus mais guerreiro e corajoso que existiu, apresentou-se o Deus da Floresta Negra. Cronos deixou seu escudo e sua espada caírem e ajoelhou-se diante de tanto poder e majestade.

- Cronos, meu filho! Tu e toda tua gente são bem-vindos, pois sou vosso igual. Tua missão tem um propósito maior e mesmo assim terás que pagar um terrível custo!

- Meu Senhor! Eu não vos conheço mas eu, Cronos, o Valente, não receio coisa alguma nesta vida, exceto o vosso poder.

- Cronos, meu filho, o Valente! Assim como uma força maior que tu o colocaste nessa missão, uma força maior te protege e te conduz. Chame a isto de Destino, se quiser. Tu te ajoelhas diante de mim porque todos nós somos governados por estas forças. Nem eu nem Deus algum pode obrigar ou constranger a ser existente para que se ajoelhe diante dele.

- Então vós podeis ajudar-me a achar onde Ninmag habita e resgatar meu irmão Enki?

- Além da Floresta Negra, além das montanhas que cercam a Cidade dos Deuses, há o Grande Mar. Eu posso te conduzir até a praia mas mais além não. Tu deverás transpor o Mar Negro até a Ilha Negra. Lá encontrará o santuário de Ninmag.

Cronos foi deixado na orla, sozinho, ao sabor da sorte. Ele é um Deus que conhece tudo de campanha, de estratégia, de movimentação de tropas. Enki saberia como percorrer a superfície deste imenso mar e chegar nessa ilha, mas não Cronos. De dentro das águas, uma estranha criatura marinha aproxima-se de Cronos, saúda-o e oferece ajuda.

- Salve Cronos! O teu destino é tão brilhante quanto sangrento. Eu posso te levar até a ilha de Ninmag.

- Tu não temes o poder de Ninmag, a Senhora dos Mares?

- Eu sou um dos muitos Espíritos que habitam estas águas e todos nós somos livres e autônomos, não temos um Senhor ou Senhora.

- E qual a tua paga?

- Quando tu estiverdes no santuário de Ninmag para resgatar teu irmão, tu podes trazer de volta meu báculo que Ninmag furtou.

Cronos foi levado até a ilha onde Ninmag tinha seu santuário e ali outra estranha criatura veio ajudá-lo. Conduzido por uma trilha, por entre pedras, precipícios, plantas venenosas e bestas ferozes, Cronos chegou incólume até a montanha e a entrada da caverna onde Ninmag estava mantendo Enki em cárcere.

- Qual é a tua paga?

- Nobre Cronos, livra-nos da dominação de Ninmag.

Cronos assinalou com a cabeça e entrou na caverna. O ambiente da caverna assustaria qualquer um, menos Cronos. O único espanto que ele teve deu-se quando encontrou seu irmão Enki, em um estranho abraço com Ninmag, penetrando e sendo penetrado.

- Quem ousa conspurcar meu santuário? Adiante-se, mostre-se, apresente-se, pois eu sou tua igual!

- Eu sou Cronos! Eu vim para levar Enki!

- Então tu morrerás aqui!

A intensa refrega entre Cronos e Ninmag fez com que a caverna estremecesse. Apesar de Cronos ter habilidade e experiência com batalhas, ele mal conseguia se defender dos ataques de Ninmag. Com um único golpe, Ninmag desarmou Cronos e estraçalhou sua espada e escudo, arremessando-o com violência contra a parede da caverna. O poder, a força e a fúria de Ninmag eram demais para Cronos que, aturdido, quebrado, sangrando, apenas podia esperar pelo golpe final. O que ele receava não era tanto o fim de sua existência, mas a derrota em uma batalha. Desesperado, a ponto de desmaiar, Cronos apanhou uma planta bulbosa que estava ali perto, apontou na direção de Ninmag e apertou a parte bulbosa da planta, lançando o pólen no rosto dela. A reação, imediata, inesperada, foi o entorpecimento e a queda de Ninmag.

Mesmo dolorido e sangrando, Cronos pegou e levou Enki de volta à Cidade dos Deuses. Enki protestou, apesar das boas intenções de Cronos e de sua missão ter um nobre propósito. Deu à criatura da ilha a planta como paga. Devolveu o báculo para a criatura do mar. Deu sua armadura ao Deus da Floresta.