terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Décima sétima revelação

Aquele que excede é tão imbecil quanto o que se abstém, 
pois enquanto um já não aprecia o sabor, 
portanto já não sente prazer; o outro nega o prazer, 
pois deste ascetismo supre seus desejos. 

Não há ignorância pior que a castidade, 
pois nunca virá a conhecer o sabor da vida! 
A todos vós dei a capacidade, o conhecimento, 
a habilidade, bem como os sentidos e as sensações, 
estas devem servi-los, tudo mais é pura hipocrisia e cinismo. 

Ou seja, não há pecado em se servir, 
pois tudo vem de Mim 
para incrementar vosso aprendizado e evolução. 
Se quiserdes achar um ponto de culpa, 
que cada um perceba o mal que se faz e se corrija. 

Todo erro sempre é individual, 
bem como a vontade e a percepção para modificar o engano. 

De forma alguma há 
como entender ou aceitar isso de forma coletiva, 
pois Eu não seria tão pérfido 
a ponto de permitir a existência de algo 
que viesse a vos extinguir por completo. 

Por isso mesmo que vos acautelei destes tantos, 
que capados que são, 
não podem obter prazer por meios outros, 
que não emitir epístolas a respeito da Lei de Deus 
e tornar a todos tão frustrados e infelizes quanto são. 

Já vos dei a fonte da Minha Palavra e a razão da Minha Lei, 
sigam, portanto, as vossas vidas e os ignore. 

A todos estes, 
Eu darei o que as mentes estéreis merecem: o deserto. 

Sejais, então, prolíferos, profícuos e promíscuos, na medida certa; 
retenham, contenham e beatifiquem, na mesma medida. 
Pois esta é a Lei da Vida: há épocas de estio 
e épocas de abundância, 
se pretendeis continuardes vivos, sigam a Lei. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Décima sexta revelação

Existem dois caminhos 
para se compreender a existência: 
a ciência, ou o sacerdócio da matéria 
e a crença, ou o sacerdócio do espírito. 

Ainda há de surgir o que terá a coragem e a ousadia 
de seguir a terceira via que juntará as duas primeiras, 
sem deixar de ter sua própria trilha: 
a união do amor, posto que é espírito 
e o prazer, posto que é carne. 

É na cama que vira a salvação da humanidade, 
não das psicoses dos profetas, 
nem dos delírios dos iluminados, 
nem dos suplícios dos mártires. 

Eu sei que haverá os que, do meio de vós, 
venham a escarnecer ou deturpar das minhas palavras pondo, 
por exemplo, de contradição, 
os males advindos dos excessos. 

Não vos esqueçais que tendes a inteligência! 
Ora, se este é tão incapaz, 
a ponto de deixar de lado a inteligência e, 
por isso, desconhece os limites do corpo que lhe foi dado, 
dais a este o mesmo o tratamento 
que merecem os fracos de cabeça 
ou que venham a nascer incompletos: 
ponde-os à parte, os esqueçam, 
pois já vos disse que a vida pertence a quem a desfruta. 

Igualmente, não vos esqueçais 
que tendes uma obrigação: provar vosso valor; 
e uma responsabilidade: cuidar do vosso planeta. 

Quando vós plantais num terreno, 
não o deixa descansar por período igual sem plantio? 
Não observais vossos horários de comer 
e deixas um tempo em jejum? 
É como o intervalo, após atingires o êxtase: 
dormir ao lado do amado ou da amada 
e entre seus braços despertar, num amanhecer revigorante. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Décima quinta revelação

Bem sei que fazeis a caridade, 
pois muitos são aparentados ou, 
no muito, os tomai como irmãos. 

Vós sentis o defeito e a necessidade, 
como se fosse na vossa carne. 
Se assim procedeis, não é por caridade, 
mas porque prezais a vida. 

Entretanto e interessantemente, 
a vida que tanto prezas nos carentes, 
vós não estendeis tal consideração 
ao que vos está próximo e é igual. 

Por uma diferença de opinião, opções, 
preferências e crenças, já não os prezam tanto assim, 
quando tal apreço é mais precioso! Deixais de hipocrisia! 

Tratais a quem vos é igual, 
melhor do que como trata a este 
que considerais dignos de vossa piedade, 
pois o fazeis mais para mostrar vossa misericórdia, 
riquezas e posses e angariar o respeito social! 

sábado, 22 de setembro de 2018

Lolita no tribunal

Em 27 de agosto último, Fábio Cabral estava no Maranhão filmando O Dono do Mar, longa-metragem de Odorico Mendes baseado na obra homônima de José Sarney, do qual é diretor de fotografia. Entre coqueiros e rolos de filme, o autor de Anjos Proibidos nem se lembrou que naquele dia completavam-se dez anos do lançamento da polêmica publicação. “Muita coisa aconteceu nesse período. Publiquei outros livros, fiz muitos filmes publicitários e estreei no cinema”, conta o fotógrafo, enquanto folheia um dos poucos exemplares de Anjos Proibidos que guarda em seu estúdio. O livro com 25 fotos sensuais de meninas entre 10 e 17 anos teve tiragem única de 500 volumes – quase metade deles apreendidos pela Justiça poucos dias depois do lançamento. Hoje, pode ser encontrado na livraria virtual Amazon, numa versão em inglês que Cabral nunca viu e diz ser pirata. Oferecido no site por US$ 60, Anjos Proibidos está esgotado.
Fugitivo – As imagens de meninas de calcinhas ou com os seios à mostra, clicadas entre 1985 e 1991, enquadraram o fotógrafo num inquérito policial. Acusado pelo então coordenador das Curadorias da Infância e da Juventude, Munir Cury, de estar infringindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, Cabral recebeu ameaças de prisão. Seu estúdio foi invadido e os negativos das fotos, confiscados. E como estava em Las Leñas – de férias – quando a polêmica estourou, o autor foi tachado de fugitivo. O artigo 241 do Estatuto proíbe “a produção de fotografias pornográficas que retratem crianças ou adolescentes”. Na sentença publicada em 1994, o juiz Osvaldo José de Oliveira define as imagens de Anjos Proibidos como “artísticas”. Não apenas absolve o autor como recomenda à promotoria “cautela em separar o erótico daquilo que poderia caracterizar cena de sexo explícito ou pornográfico”.
Os anjos que Cabral fotografou ou trabalharam com ele em campanhas publicitárias ou foram convidadas entre as filhas de amigos. Todas as imagens foram clicadas com a autorização e presença dos pais. Quando determinou a apreensão dos livros, Munir Cury disse aos jornais que a bênção paterna ao trabalho poderia acarretar a perda do pátrio poder – ou seja, os direitos de pai e mãe sobre as crianças.
Nos anos 70, o fotógrafo inglês David Hamilton publicou inúmeros álbuns sobre o tema e no século 19 o também britânico Lewis Carrol, o autor de Alice no País das Maravilhas, fez trabalho semelhante. Na mesma época do lançamento de Anjos, meninas dançavam axé music nos programas de tevê em trajes sumários.
- Então Cabral descobriu as Índias.
- Sr Flint, como advogado do acusado, não é uma boa hora de fazer piada.
- Claro que não, Excelência. Mas como fotos de nu artístico podem ser crime? Onde está a Liberdade de Expressão?
- Sr Flint, a Liberdade de Expressão não é um direito absoluto. Quanto ao seu cliente, o sr deve estar ciente de que há uma diferença entre nu artístico e pornografia.
- Concordo, Excelência, mas a Promotoria não demonstrou a circunstância ou evidência que coloque o trabalho de meu cliente como pornografia. Aliás, não há lei contra a pornografia, Excelência.
- Sr Flint, de acordo com a Corte Americana, uma imagem de nudez não precisa caracterizar uma atividade sexual para que seja considerada pornografia.
- O que, diga-se de passagem, não está na Constituição Americana. Um Tribunal não pode atuar como Casa Legislativa, Excelência. Se não há lei, que crime existe na pornografia?
- Sr Flint, existe um crime quando a pornografia envolve uma pessoa abaixo da idade legal de 18 anos.
- Ah, estamos chegando a algum lugar. Então o crime é caracterizado pela idade da pessoa retratada, não por ter a pornografia como característica? Eu fico aliviado, porque se o erotismo de uma imagem é crime pela idade presumida da pessoa representada, muitos programas de televisão e muitas propagandas deveriam ser igualmente proibidos e seus responsáveis processados.
- Sr Flint o erotismo presente na mídia tem uma sexualidade sugestiva, não implícita como na pornografia.
- Desculpe, Excelência, mas agora é Vossa Senhoria quem está sofismando. Ora uma imagem é sexualmente sugestiva, ora é implícita. Qual é o limite? Não há lei que defina. Nós condenamos os atos de extremistas muçulmanos por impor a burca à suas mulheres porque, para a nossa cultura, isso é contra a liberdade da mulher, é uma opressão, uma repressão à mulher. Mas, para os muçulmanos, a excessiva exposição do corpo da mulher é que é um sexismo. Se vamos proibir a pornografia, estamos concordando com os extremistas muçulmanos. Se vamos proibir a pornografia, teremos que censurar a praia, o carnaval, a televisão, a propaganda.
- Sr Flint, nós não podemos censurar nem impor qualquer vestuário obrigatório. Nem o fazemos, tanto que existem diversas revistas adultas masculinas. No entanto, quando envolvem pessoas abaixo da idade legal, a lei pressupõe que há abuso.
- A lei pressupõe que há abuso com que base? A lei pode pressupor abuso, mas não pode pressupor inocência. E se uma pessoa emancipada posar para fotos de nu artístico? Legalmente, esta pessoa está abaixo da idade legal, mas é legalmente considerada apta para desfrutar de todos os direitos como cidadã.
- Sr Flint, isto cabe ao sr e ao seu cliente provar por documentos e evidências. Até lá, o trabalho do seu cliente é uma infração ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
- Que não é uma lei constitucional, mas uma lei ordinária, complementar. Uma lei que está no mesmo nível do Código Penal e do Código Civil. A Promotoria fez uma acusação ao meu cliente com base em uma lei discutível e indefinida. Eu peço a este Tribunal que conceda Habeas Corpus ao meu cliente.
- Data vênia, Excelência, a Promotoria pede a palavra.
- Com a palavra, a Promotoria.
- Senhoras e senhores do Júri. Todos nós somos adultos e conscientes de nossas responsabilidades. Podemos dizer isso de alguém abaixo dos 18 anos? Mulheres maduras optam por se exporem em fotos em poses sensuais e até simulando o ato sexual , por razões que não cabem a este Fórum discutir o mérito, mas uma pessoa abaixo da idade legal é exposta a tal exposição mediante coerção, violência. Podemos lamentar a existência da pornografia, mas devemos coibir quando a pessoa retratada na pornografia está abaixo da idade legal. A proibição da produção, venda, distribuição ou posse de pornografia infantil é um direito da criança e do adolescente. Os senhores e as senhoras devem ter visto a ação da Polícia Federal para evitar esse abuso que incentiva a pedofilia. Mesmo que a Constituição nos garanta a Liberdade de Expressão, não é um direito absoluto e isolado. Eu lembro ao defensor do Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Neste mesmo artigo, o parágrafo 4 diz: A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Mediante isso, eu rogo ao Tribunal que o presente réu seja declarado culpado e receba a cominação da pena que lhe cabe.
– Bravos! Belas palavras, promotor Falwell. Mas como o distinto juiz que preside este júri disse apropriadamente, um direito não é absoluto. Lendo o Capítulo IV, artigo 14, §1, II, c : O alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Capítulo II, artigo 7, XXXIII: proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. Código Civil, artigo 5, parágrafo único, incisos I ao V. Em suma, senhores do Júri, a Lei reconhece que existem exceções e nenhuma lei que defina exclusivamente como responsável, civil e criminalmente, a pessoa acima de 18 anos.
– Com a palavra o Defensor.
– Grato, Excelência. Eu devo lembrar ao Júri e a este Tribunal que existe uma extensa jurisprudência sobre responsabilidade civil. O Código Civil prevê os casos de interdição de uma pessoa adulta: Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; V – os pródigos. Também o Código Civil prescreve: Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
– Sr Flint, o sr está prolatando.
– Desculpe, Excelência, mas é necessário explicar ao Júri as circunstâncias.
– Eu vou permitir, dessa vez, mas faça seu argumento.
– Imediatamente, Excelência. Senhores e senhoras do Júri, eu lhes dei esses detalhes legais e até jurídicos com um único intento: idade não é garantia de responsabilidade. Devo lembrar a este Júri que as pessoas posaram para fotos com o consentimento de seus pais, no que cabia e as sessões foram acompanhadas pelos mesmos, como eu mostrei na evidência a este Tribunal. Portanto, senhores e senhoras do Júri, meu cliente está preso de forma ilegal, tendo seus direitos constrangidos, no que eu solicito o habeas Corpus e o encerramento desse processo por falta de provas.
– Ilustríssimo sr juiz, eu posso fazer algumas perguntas ao defensor?
– Com a palavra, a jurada sra Clotilde.
– Sr Flint, eu creio que falo em nome de muitos aqui. Eu tenho filhos. O sr tem filhos? Como o sr pode achar normal que uma pessoa abaixo da idade legal possa ir a uma sessão do que o sr chama de nu artístico, mesmo que acompanhado de seus pais? Isso é indecente, é obsceno. Se permitirmos coisas assim, onde vamos parar?
Jurados e platéia iniciam um burbúrio, cabeças acenam em aprovação.
– Boa pergunta, sra Clotilde. Bons tempos eram aqueles quando tínhamos leis duras. Antes brancos casavam com brancos. Homens votavam e trabalhavam. Cada pessoa tinha seu devido lugar, escravos existiam para servir. Por que não podemos ter os bons e antigos tempos de volta? Sim, como os patriarcas da sagrada Bíblia, que tiveram muitas esposas. Ou mesmo sermos como Lot, cujas filhas o embededaram e tiveram relações sexuais com o próprio pai, para que a linhagem continuasse.
– Sr Flint! Não blasfeme a Palavra do Senhor!
– De forma alguma sra Clotilde, eu apenas a estou citando. Pena que os cristãos não leiam suas Bíblias. Felizmente este é um problema de quem é cristão, felizmente este não é meu Deus. A sra falou em indecência e obscenidade. Por que a imagem de um corpo nu pode ser mais indecente e obsceno do que a imagem de um corpo retalhado? Senhores, vemos na televisão, no cinema e nas revistas várias cenas de violência sem que isso nos ofenda. Por que a nudez nos ofende tanto? O que há de mal nela? Se o erotismo é ofensivo, devemos proibir que a televisão e a propaganda a use. A própria televisão, propaganda traz para seus lares, para suas famílias, imagens erotizadas de jovens. Produtos, serviços, moda, carregam nossos filhos com mensagens eróticas, os sexualizando cada vez mais cedo. A internet contém toda a informação que precisam para saber sobre sexo, mas pouca ou nenhuma educação sexual. Então por que somente meu cliente está preso?
– Sr Flint, nós entendemos a sua posição nesse assunto. Mas a sra Clotilde tem sua razão; Não podemos ver o trabalho de seu cliente sem pensar em nossos filhos.
– Concordo, Excelência. No entanto, as mulheres que se expõem em revistas adultas masculinas também são filhas de alguém, são mães, são irmãs de alguém. Eu duvido que os homens aqui presentes pensem nisso quando compram uma revista dessas. Mas convenhamos, se o trabalho do meu cliente é crime porque promove a pedofilia, então as editoras de revistas masculinas adultas são criminosas porque promovem o estupro.
– Srta Lolita, qual a sua relação com o sr Fábio Cabral?
– Estritamente profissional, Excelência.
– A srta foi coagida, forçada, obrigada ou induzida a posar?
– Claro que não! Eu faço isso há quatro anos, eu sou uma profissional.
– A…srta posou nua antes?
– Não, mas o momento foi o ideal e propício para eu fazer esse trabalho.
– A srta sofreu algum abuso físico ou sexual?
– Não, Excelência. O último que tentou está na UTI, respirando por aparelhos.
– Então a srta foi vítima alguma vez?
– Vítimas de abuso físico e sexual existem, em todas as idades Excelência. A Justiça não deveria diferenciar o crime pela idade da vítima. Eu pareço pequena, mas eu tenho meus meios, admiradores e protetores.
– A srta não acha impróprio para a sua…idade…posar nua?
– Sinceramente, Excelência, isso é discriminação etária. Olhe bem para meu corpo e diga o que acha.
Lolita abre seu casaco e mostra seu corpo. Perfeito. Bem formado. Belo demais para muitas das mulheres presentes que ficaram com inveja e ciúme. Sensual demais para todos os homens presentes que ficaram excitados.
– Diga-me, Excelência, com toda sinceridade, se este é um corpo de menina ou de mulher?
O juiz Hogwart, de olhos esbugalhados, boquiaberto e com um volume nas calças difícil de passar despercebido, engole a saliva que escorre pela boca e disfarça.
– Arran…cof, cof. Srta Lolita, coloque seu casaco de volta. Senhores do Júri, alguma dúvida? Alguma pergunta? Nesse caso, como declaram o réu?
– I…inocente, Excelência.

PS: hoje existe uma verdadeira cruzada. O mundo contemporâneo tem uma cruzada para chamar de sua. Mistura de paranóia, histeria e pânico moral. Potencializado pelo conservadorismo, puritanismo e fundamentalismo cristão. A humanidade passou por muitos momentos semelhantes. As Cruzadas, a Inquisição, o Holocausto, o Macartismo. Existe a homofobia e o preconceito contra as religiões de matriz africana. Mas a pauta dos costumes, principalmente os que visam reprimir e oprimir a sexualidade humana estão dominando.
Esse texto é uma heresia, em nossa atual sociedade que ainda acredita que a criança e o adolescente são inocentes, ingênuos e assexuados.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Décima quarta revelação

Têm pena os vossos corações dos que, 
por um acaso, não tiveram sorte igual 
nem tampouco nasceram inteiros. 
Estes são os herdeiros da miséria 
e os descendentes da compulsão. 

Dessa forma, fazeis caridade, 
buscando aliviar essas chagas 
e mesmo vosso complexo de culpa. 
Bem sei que o fazeis, já especulando com o prêmio. 

É bom que saibas 
que a caridade em si já vos constitui como galardão. 

Não faltarão crianças nem tampouco idosos, 
a vida pertence a quem a usufrui. 
Quem chega, ainda deve crescer, 
quem passou, ceda lugar ao que tem vigor. 

O que é novo ainda tem que aprender, 
antes de querer tomar a si a coroa. 
O que é velho, oportunidades as teve, 
sustente-se com a pensão formada, 
de forma alguma deve onerar a outros. 

Há os que são carentes, 
devido aos erros de seus antepassados, 
mas também aos que o são: 
por preguiça, não lutam nem desejam melhorar; 
por comodismo, não contestam nem ousam arriscar; 
por profissionalismo, a estes dispenso comentários. 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Décima terceira revelação

Vós vos preocupais com os infratores das vossas leis. 
A idade, a menos a Mim, é indiferente. 
Forçosamente vejo que estes constituem ameaça às vossas ordens sociais, 
de outra forma não seriam infratores. 

Mas a evidência não pode ser negada: 
estes são fruto da própria omissão, 
negligência, incompetência, discriminação e exclusão 
que a vossa própria ordem social gerou. 
Definitivamente, vos escandalizeis com os atos bárbaros destes, 
que são considerados criminosos por vossa ordem social. 

Numa troca de poder, serão estes a regra, não a exceção, 
pois a dita ordem vigente só é mantida mediante o uso de força. 
Ou seja, bárbaros os vêem, 
mas também não é nem um pouco civilizado 
a forma como estes são tratados pela dita sociedade constituída. 

Bem sabeis o quanto é difícil 
a convivência em comum entre seres humanos. 
Estranhamente vós buscais ideais de paz, bondade e amor. 

Mas na prática fazeis guerra, maldade e ódio. 
Pela vossa própria natureza o fazeis, 
ainda que tendes a inteligência 
e isto vem a ser o mais curioso paradoxo, 
pois por isso mesmo tendes tanta necessidade de leis e de religião. 

Porque vós causais o sofrimento, almejais o conforto; 
porque aceitais a opressão, cobiças o poder. Pobre ser humano! 
Vós poderíeis ser deuses, mas preferis ser carrascos! 

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Sinfonia com motosserra

A saga dos irmãos Reid e da banda Jesus and Mary Chain que revolucionou o Rock antes do Grunge.

Foi no ano de 1986 que o Kid Vinil na então 89 FM tocou pela primeira vez “You Trip Me Up” da banda “Jesus and Mary Chain” dos irmãos Reid. Foi paixão à primeira ouvida. Eu ansiava por ouvir mais músicas da banda, então desconhecida e completamente diferente, ousada e oposta das músicas que dominavam as rádios brasileiras. Não demorou muito para que tocassem “Taste of Cindy”. Com apenas estas duas músicas sendo lançadas no Brasil, JAMC conquistou fãs no País Tropical.

Quando o álbum “Psycho Candy” foi lançado aqui no Brasil, eu rapidamente o adquiri e o toquei diversas vezes, sempre quando estava nervoso ou estressado. Todas as músicas dos irmãos Reid conseguem me acalmar. Quem ouviu sabe do que eu falo.

Cada faixa é uma indescritível poesia acompanhada por uma orquestra sinfônica e motosserra. “Never Understand” é praticamente um hino. “Cut Dead” é uma ode romântica. A banda cresceu com o mistério que permanecia escondido detrás da parede de microfonia, o chamado white noise, que saía de suas guitarras.

Foi um choque e uma surpresa quando os irmãos Reid lançaram “Darklands”, um álbum que colidia totalmente com seu debut. Mais denso, mais escuro, mais melodioso e misturando elementos de música eletrônica, os colocando como uma banda de pós-punk, depois sendo caracterizados como uma banda indie.

Por um tempo os irmãos Reid não lançaram mais álbuns, mas não faltavam fitas e gravações piratas nas lojas da Rua 24 de Maio.

O potencial de JAMC reapareceu com o lançamento do álbum “Barbed Wired Kisses”, a produtora Blanco y Negro literalmente lançavam um álbum com singles, lados B e gravações raras. O álbum parece um meio termo entre os álbuns anteriores, tem a faixa “Kill Surf City” que remete aos sucessos de “Psycho Candy” e tem a faixa “Don’t Ever Change” que lembra o álbum “Darklands”.

O álbum seguinte foi “Automatic”, onde os irmãos Reid emplacam com vários sucessos que agradam ao gosto popular com o uso de mais melodias e elementos de música eletrônica. A faixa “Head On” chegou entre as mais tocadas na época.

Se “Automatic” foi um pico, o álbum seguinte “Honey’s Dead” foi mais depressivo. O título do álbum é uma referência para a faixa “Just Like Honey”, uma música do álbum “Psycho Candy” que alcançou as grandes paradas. Os irmãos Reid tinham uma relação de amor e ódio com a fama, o sucesso e seus inúmeros fãs. Neste álbum a faixa “Teenage Lust” provoca com suas insinuações eróticas e a faixa “Reverence” quase soa como uma blasfêmia.

Em seu álbum “Stoned and Dethroned” os irmãos Reid retomam a Estrada do experimentalismo, jogando faixas que soam como blues, country, música eletrônica e até gospel. Deste álbum o sucesso veio com a faixa “Sometimes Always”, com a participação de Hope Sandoval.

Novamente JAMC cai em um hiato sem lançamentos, mas a Warner lança o álbum “The Sound of Speed”, uma coletânea de diversos singles e gravações raras dos irmãos Reid. Deste álbum se destacaram a faixa “Snakedriver” e a faixa “Something I Can’t Have”.

Os irmãos Reid inovam e surpreendem mais uma vez com o álbum “I Hate Rock’N’Roll”, também lançado pela Warner. A faixa que alcançou a preferência do público é a faixa com o mesmo nome do título do álbum. Ouvir em som alto é fundamental. O álbum conta com vários relançamentos, singles, lados B e raridades.

O relacionamento dos irmãos Reid não era o melhor com os membros do JAMC, com os produtores, com técnicos de som, com seus fãs e era tenso entre ambos. O combustível, que incendiava suas guitarras, composições, espetáculos, álbuns e sucessos, acabou explodindo de vez e o álbum “Munki” foi o derradeiro dos irmãos Reid como JAMC. Neste álbum participaram Hope Sandoval e Sister Vanilla, literalmente, a irmã dos irmãos Reid. Provocante, Jim Reid encanta com sua faixa “I Love Rock’N’Roll”. A faixa “Black” nos convida ao desapego e a faixa “Cracking Up” é um resumo da mente dos irmãos Reid.

Para os fãs do JAMC restou o lançamento de outras coletâneas, com os álbuns “The Complete John Peel Session”, “21 Singles”, “The Power of Negative Thinking”, “Upsidedown The Best of JAMC” e a mais recente coletânea, “The Complete Vinyl Collection”.

Update. JAMC lançou os álbuns The Damage and Joy e Glasgow Eyes.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Décima segunda revelação

Sobre política, pouco vos direi, só o necessário: 
tens vossos governantes, bem como vossas leis, 
ambos são constituídas e que se mantém apenas por vosso consentimento. 

A existência de um pressupõe do outro e vice-versa, 
o que se conclui então que um governante 
deve ser aquele que garanta a observância das normas 
bem como o que preza pelo bem público. 
Tudo o mais, se estão à direita ou esquerda, 
se são perdulários ou austeros, 
só deve ser conta de vossas necessidades e objetivos. 

Vós mesmos, como cidadãos de um país, 
sois os responsáveis pela conjuntura. 
O trabalho é o único meio de provar vosso mérito, 
não pense que vos daria simplesmente este mundo, 
vos foi dado o trabalho necessário 
para que demonstreis vossas habilidades, 
competências e valores intrínsecos. 
Se há trabalho, necessariamente existe uma organização e uma propriedade. 

O que é inconcebível é quem seja proprietário 
arrecade mais do que quem seja operário 
ou que os chefes se arroguem uma autoridade que inexiste. 

É necessário que haja colaboração 
e vínculos humanos, qualquer que seja a função, 
além de qualquer suposta hierarquia, 
pois o sucesso da empresa necessariamente corresponde 
ao contentamento das partes que a compõem. 

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Cíntia

Apenas um exemplo do que se esconde atrás dos olhos de cada pessoa. Enquanto lastimamos nossa sorte desdita, quantos não gostariam de tê-la?

Quando eu a conheci, também estava entretido, criando os meus próprios obstáculos que me separavam da vitória. Pouco me importei, quando outros me contaram sobre a perda dos pais. Até me irritei com que insistência lembravam-me dos problemas surgidos do julgamento da herança e outros revezes legais. Foi quando soube dela, a parte que poucos confessariam.

Ela teve que se criar sozinha, agüentar as cobranças, entregue ao destino, ainda que este pertença a quem o providência. Sua delicada linha da vida foi modificada brutalmente.
Certa tarde, percebeu a estranha presença que a saudou, prostrado:

-Encontrei-a tão só e de vida tão vazia, que aqui me faço presente. Para dar-te este algo, que a tantos falta e a muitos incita. Saberá com exatidão, os segredos das almas, a razão de suas dores e o que lhes impedem de serem felizes. Para que isso se realize, deverei cingir-te, assim poderei me encasular e fenecer em teu ventre.

Da mesma forma que apareceu, foi-se, deixando-a prenhe. Algo que é imperdoável: uma moça, mãe-solteira. Nove meses, duplo sofrimento: a censura da sociedade e o desenvolvimento do feto.

No momento certo, entregou aos doutores o fruto dessa estranha união. Embora clinicamente não se saiba o resultado, não foi levado em consideração, seja o que fosse, estava morto.

Conforme ela narrava suas chagas, sentia minha própria carne sendo dilacerada e eu, envergonhado pelo orgulho de pretender em ser o coitado.

Um filho tem sempre uma mãe, mas nem sempre a mãe tem o filho. Bastariam nove meses, uma barriga inchada e um trabalho de parto, para que uma mulher possa se considerar mãe?

Os registros foram apagados, os médicos os ocultam. Mas como explicar aqueles seios protuberantes à espera de uma boca de um infante para amamentarem? Eles estão lá, em riste, acusadores. A dona deles não viu o filho, não terá a alegria de vê-lo crescer e juntamente compartilhar as tristezas.

Uma mãe sofre pelo e por causa de um filho. Nós devemos invejar a sorte ou afugentar o azar? Ela então sofre, por ter sido frustrada a oportunidade de padecer. Afinal, só se conhece o que se vivencia; se não se conhece, não há o que temer; se já se conhece, menos ainda, pois já se sabe as consequências.

Do filho, pouco se pode dizer, sendo seu próprio pai e carrasco, agora pouca diferença este drama faz, as sensações não mais o seduzem. Este sim, eu invejo. Ele escolheu a forma mais doce de encontrar seu fim, iniciando um começo. Ele voltou para onde nós nunca deveríamos ter saído.

O que me atraiu neste mundo a fim de desejar ter nascido, é algo do que não me lembro. Mas aos meus irmãos, que ainda não nasceram e aos que isto desejam, fica o alerta. Ao menos ele pode escolher sua mãe, esta sim, criatura ativa, não o trapo de gente a quem eu fui entregue. Se eu tivesse mãe assim, talvez não seria tão frustrado, nasceria sexualmente satisfeito...

Dissecação.

Sol Negro: consciência atordoante, vontade em estado absoluto.
Separando-se a irradiação da luminosidade, vem a Névoa Obscura e a Aura Soturna.
Névoa Obscura: plenitude da dúvida, incerteza dos valores, consciência imersa.
Aura Soturna: assombro da certeza, conceitos que são confirmados, consciência estabilizada.
Da sombria soma, cria-se o Coração Abissal, que se fragmenta nas Águas Turvas, no Cristal Fosco, na Flor Definhante e no Fruto Letal.
Coração Abissal: desejo em profusão, o amor nefando, a razão de nosso ser.
Águas Turvas: sentidos embriagados, a noção da realidade alcança novas perspectivas.
Cristal Fosco: desilusão contundente, a fragilidade das crenças se desmancha ao colidir com a crueldade da existência.
Flor Definhante: mórbida beleza, as aparências enganam, sem sua casca superficial, o belo é mais horrível.
Fruto Letal: degustação sangrenta, a sedução do lado obscuro leva-nos a querer experimentá-lo.
Quão maravilhoso é, o Grão da Sina, que tudo começa em cada pessoa. Ele foi semeado em todo inconformado e que bom solo tem no desolado. Em todos os desdenhados pelo semeador de trigo, vem a se alojar, arremessado pelo tornado da fatalidade, provocado pelo giro da roda do destino.
Quão orgulhoso eu sou, por senti-lo enraizar e crescer este gérmen da morte embrionária, a morte sempre nascente,a morte renovada. Que cresce e toma conta de cada um que se conscientiza que somos todos mortos-vivos. Nós vivemos, pra cada vez mais, morrer.
Então, nada mais justo que conhecer as Trevas e desejá-las ardentemente, pois é nelas nosso Reino, lar e família de fato.

Celebração

-De tantos que me rodeavam, foi o único que veio.

- Você convidou quantos?

-O suficiente para que ao menos um viesse.

-Não te negaria coisa alguma. Cíntia, é nesta vida o que Lilith é na eterna.

-Não conheço tua Deusa, mas se Ela me conhecesse, tiraria este fatídico encargo em que me vejo empossada.

-Ignora a importância do seu destino a todos quantos se simpatizaram nesta obra?

-Ignoro. Como todos, estou aprendendo conforme sofro.

-Trouxe-me para amenizar tal sofrimento?

-Seria tentador compartilhar a dor para minorá-la. Não sou carrasca. Esta é a regra das religiões, para exaltarem o sacrifício e justificarem sua rigidez.

-Ainda assim, eu estou disposto a me oferecer ao suplício.

-As ofertas que me deste já me agradaram o suficiente... Pedi a tua presença para celebrar este fenômeno que nos reuniu.

-Então comemoremos, pelo resto do mês, ao natimorto, que se gerou em ti e nos deu o Grão da Sina. Sem ele, não teríamos aflorado e frutificado na Árvore da Morte. Nós não teríamos conhecido Coração Abissal, por intermédio de quem conquistamos o Sol Negro.

-Não sei se podemos denominá-lo. Eu nunca soube quem era, de onde veio e por qual arte adentrou-se em mim, fez-se como feto e de mim, seu ataúde. Se, ao menos, ele tivesse dito o porque escolheu a mim!

-Não lastimes. O que tem é maior do que teve Maria de Nazaré. Quantas mulheres podem dizer serem mães de seus amantes? Aquele que te tomou como homem e se tornou seu filho, silencioso, diz muito mais que Cristo.

-Bem que eu queria que ele pudesse falar. Se vivesse, ele poderia colocar as coisas em seus devidos lugares. Haveria alguma agonia, mas logo agradeceriam a ele por acabar com as religiões e todo o tipo de crendice, ilusão e fantasia, às quais a mente pobre se vicia, para suportar a existência.

-Se eu preciso acreditar em algo, eu acredito em mim mesmo. Só confiando em minha capacidade é que seria possível melhorar.

-Isso é bom, mas nunca o suficiente.

-No que me excede, além da competência, eu confio meu destino a ti, Cíntia. Mas caso tenha alma, esta pertence a Lilith.

-Depois de tanto tempo juntos, com tantas conversas, esclarecimentos...ainda crê em algo místico e confia no gênero humano? Que desapontamento...

-Eu sei que não sou um bom companheiro. Mas, considere...crê na tua história, como creio e conto, aceitando-a como escrevo. Então aceita tudo que tenho falado, feito e escrito, pois jamais lhe faltaria com a verdade. Tu és meu conforto neste mundo dominado pelo Império das Luzes.

-Então, apóstolo de Cíntia, estaria disposto a fazer o meu evangelho?

-Já não o faço?

-Eu tenho mais detalhes a te ensinar. Você terá que fazer uma iniciação rigorosa... Penetre em mim... Mas, por favor, não suma...

-Eu tentarei ficar na superfície... Mas eu enviarei a minha sonda ao seu mais profundo mistério...

Fogo Negro

Em meu autoconsumo, vou me questionando: de onde vim, como fui formado, que engenheiro me construiu, que arquiteto me planejou?

Eu não tenho uma face paterna em quem me escorar, nem um seio materno em quem me nutrir. Como todo órfão, eu fui me auto-instruindo e estabeleci minha personalidade com meus próprios esforços.

Ainda que se pese as dificuldades: aparentes desgostos e fiascos, um certo ciúme e inveja das criaturas que, em sua vida frenética e curta, tiveram tudo que eu não tive. Mas mesmo assim, eles são ingênuos.

Eu posso me considerar correto e em meus princípios, prevaleci. Entre certezas e dúvidas, amadureci. Já não desejava a vida exuberante, cheia de desejos e prazeres.

Ainda que tivesse a palavra limitada, a consciência e a ideia pulsava, eu tentava encontrar uma definição. Tentativas espúrias, o tempo apagou. Num lance ousado, apaguei meu eu, anulei todo conceito e personalidade, uma vez que vinham igualmente da falsa imagem que nosso delírio onírico considera ser vida.

Se o sonho do real se divide pela sensação, então pela dor se pode despertar. A dor extremada aniquila o corpo físico, mas já que não vivemos em absoluto, sonhamos, então a morte é o despertar total.

O incrível aconteceu: a consciência permaneceu, apenas pereceu a roupagem carnal. Eis que meu eu se propagou, uma vez que não fui gerado, não há como me exterminar, não haveria como me despertar. Contrariado, furioso comigo, numa autocomiseração em que me cria maldito, procurei meu espaço em um tempo infindável.

Em cada tentativa de despertar, apenas um outro sonho se sucedia, apenas um novo uniforme portava. Nesta rota, encontrei tantos outros que caminhavam como eu, mas estes tinham um destino, um Paraíso, um Pai celestial. Alguns eu segui, o suficiente, para ver um enorme engodo. Em minha presença, o Paraíso era enfadonho e o Pai não assumia a paternidade, por desconfiança, não me agradavam. Os neguei e minha andança, eu continuei.

Insólito foi encontrar criaturas que vinham a mim ou que me seguiam, com respeito e reverência, procurando algo que eu não tinha. Entretanto, comovido, compartilhei meus pensamentos. Não demorou muito e nos formamos em uma comunidade, com um espírito comum, mas sem um centro. Foi com esse espírito em conjunto que eu encontrei a ternura, então, talvez para isso nasci. Neste corpo está meu criador e somente nele poderei despertar. Eu dei permissão para ser absorvido, por minha vontade, me consumi e então o corpo teve um coração. O Supremo Espírito das Trevas adquiriu consciência própria e por ela me pus a pulsar. Desta forma, encontrei meu lugar e me despertei por completo. Estava sempre em mim a solução do enigma: eu sou o que quiser ser, o que sempre fui, sem necessidade de sê-lo. Eu sou o Fogo Negro.

Final

Eu não existo, ainda que sinta e tenha lembranças, são tudo ilusões. Eu tento justificar todo este sonho, seja com trabalho, seja com conhecimento. Mesmo que os meus esforços são em vão, todo esse conhecimento tornou-se mais um fardo do que uma fonte de prazer. Eu já devia saber que toda teoria não é muito boa na prática.

O poder vem daquilo que se faz na vida, não do que se sabe, mas não se consegue usar. A única coisa útil nesta vida, é o instinto.

Para poupar-me de maiores erros, eu devo esquecer meu nome, a primeira herança deste mundo, dada pelos meus pais postiços. Em seguida, renegar toda e qualquer ciência que venha a ter adquirido, por imposições, necessidades ou preferências pessoais.

Como poderia confiar em tal conhecimento, sendo que foi produzido por pessoas que, como eu, estavam delirando?
Aprofundando-me mais, aniquilando minhas memórias, reais, factuais, fantasiadas. Todas são enganosas, uma vez que elas são influenciadas pelas sensações e emoções. Uma vez que o corpo não existe, o que sinto é falso; uma vez que a mente é um vácuo que, por razões ignoradas sonha, as lembranças são parte dessa loucura que condicionam e bloqueiam a minha verdadeira existência.

Todos os valores que eu recebi, ensinados ou assimilados, são apenas uma tentativa para adequar meu ser a este mundo. Eu tentava imitar outros delírios, pois mesmo as virtudes, bem como os vícios, são como este mundo: falsos e superficiais.

Inclusive aquelas idéias que me são mais queridas, de fato não existem, pois elas são produto de uma mente ociosa. Elas são compensações criadas pela mente, por sua inadequação a esse mundo das luzes. Por mais que eu queira muito, por si, não existem.

Então, do que me importa:

Se não tenho namorada, pois o amor não existe, fosse tão importante não seria tão prostituído.

Se não há Governo, pois o Estado não existe, uma vez que a cidadania, quando não é irresponsável, é indiferente ou negligente.

Se não há família, já que o homem se une mais por medo da solidão que por laços afetivos.

Se não há Pátria, um pedaço de terra não é mais que pó nos olhos, onde se mora é a mente, não há fronteiras nem posses.

Se não falo, todo discurso é monótono, principalmente se a língua é traiçoeira, quanto mais se fala, maior a necessidade de se provar a si que existe.

Se não serei lido, pois não há espaço a tal obra que desperta, em um mercado editorial que visa ampliar a ilusão, tanto de quem compra quanto de quem vende.


Tudo é uma ilusão que, como tal, depende da imagem, que depende da luz. Então, está na hora de parar de sonhar com as Trevas. Como já estou lá, basta permitir ser envolvido e encontrar a realização plena.


Embrace the Nothingness.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Décima primeira revelação

Bem sabeis também, 
que muitos se vos apresentam 
como Meus representantes em vosso meio, 
como se já não vos tivesse alertado sobre estes! 

Mais ainda: vos manifestei claramente 
a única forma pela qual realmente vós devíeis 
honrar e cultuar a Mim, o Senhor, Eu! 

Portanto, deixai todas essas tolices, 
por mais difícil que vos seja livrar-vos desse entulho, 
dessa casca que vós mesmos vos pusestes a carregar, 
a criar, a vos tolher a felicidade e o prazer. 

Já vos dei tudo: inteligência, os meios intelectuais; 
as coisas, os meios materiais; 
os desejos, os meios espirituais. 

Portanto, vivam e desfrutem ao máximo, 
no tempo que vos cabe existir, 
vos preocupeis apenas com as coisas próprias da vossa natureza. 
Porque o demais, no momento adequado, 
vós tereis plenas condições e habilidades para transpô-lo. 

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Décima revelação

Dei-vos a inteligência, 
bem como vos confiei este planeta para que, 
da natureza donde vos criei, 
pudésseis fazer vossa raça se desenvolver 
e com isso, honrar Meu projeto por tal obra. 

Dei-vos animais grandes e fortes, 
somente para que vissem que não há poder maior que o da razão. 
Mas também vos dei animais pequenos e fracos, 
somente para que vissem que 
mesmo o maior soberano não está livre da finitude da vida.
Entretanto, vos assoberbastes com vossas vitórias, 
esquecendo a quem devia o mérito 
e impérios inteiros sumiram, 
com a ação de um simples grão de vida. 

Mas ainda assim vos agarreis 
às vossas pífias autoridades e efêmeras riquezas. 
Não há autoridade sem quem lhe faça as honras! 
Não há riqueza sem quem lhe a produza! 

Na medida que extrais da natureza vosso conforto, 
a proteja e a reponha, pois toda matéria prima tem sua quota! 
Na medida que contratais servos para vossa empresa, 
os supra de previsões e os tenha por sócios, 
pois toda produção tem seu desgaste! 

Não vos parece óbvio o que vos digo? 
Vós viveis em contendas, guerras e comoções, 
simplesmente porque ainda buscam a felicidade individual, 
quanto a isso já vos dei algo a considerar. 
Bem também já vos avisei
do que vem a ser eternidade 
e de onde vós achareis o Paraíso! 

sábado, 14 de abril de 2018

Muito barulho por pouca coisa

Greg está com medo. Ele está entrando em um tribunal e está para sentar-se ao lado de um juiz, como réu de um caso. Seu pai está ao seu lado, sério, muito sério, sua face está pesada e fechada. Ele tinha visto seu pai bravo antes, mas agora parece ser mais grave. Isto o deixava com mais medo e apreensão. O que vão fazer com ele?
O tribunal por si é um cenário aterrorizante. Sombrio, lúgubre. Um ar pesado, sério e sisudo. Nos corredores, as cortinas parecem mortalhas, as paredes são cobertas de painéis de madeira mostrando a terrível ação da justiça. A estátua da justiça é uma mulher vendada com uma espada na mão. Os policiais que estão no corredor o olham com um olhar frio, agudo, como se lançassem adagas pelos olhos. Greg tem que se segurar para não borrar as calças.
A sala de audiências é enorme. Um teto enorme que parece tocar o céu. Das alturas ciclópicas pendem espectros de candelabros, cujas pontas parecem apontar para seu coração. Em bancos muito parecidos com o que ele via na igreja, pessoas sentadas parecem esquadrinhá-lo, ele pode sentir o bisturi dissecando-o. Na sua frente, um juiz o espera do alto de sua mesa, um senhor que em circunstancias mais amenas poderia passar por seu tio ou avô, mas ali a face do juiz está mais para um verdugo.
Um servidor da corte se aproxima, dá algumas instruções para ele e para seu pai. Greg tenta entender, mas o medo não deixa. Ele apenas acena. O servidor o acompanha até a cadeira dos réus que mais parece um cadafalso da forca. O servidor ajeita a cadeira para seu tamanho e o microfone para sua altura. Então o meirinho lê a ata da sessão.
– Moranis e Kelvin contra Kappa. Acusação de abuso sexual. Réu e vítimas são inimputáveis. Moção. Recurso aceito. Réu tem idade maior que as vítimas. Apelação. Réu e vitimas estão em idade abaixo da idade penal. Contestação. Reclamantes alegam que o réu tem consciência de seus atos e aproveitou-se da inocência das vítimas. Sessão está aberta.
– Bom dia sr Kappa. O sr sabe por que está aqui?
– Sim, meu pai me explicou. Os meus pais e os pais de Ness acham que eu fiz algo ruim. Mas nós não fizemos nada errado.
– Este tribunal irá decidir, sr Kappa. Quantos anos tem?
– Nove anos, sr juiz.
– Quantos anos tem sua irmã e amiga?
– A Ness tem oito e Matt tem sete.
– Matt é a srta Kelvin ou a srta Moranis? Quem delas é sua irmã? Por que seu sobrenome é diferente?
– Matt é da família Kelvin, a Ness é da família Moranis. Meu sobrenome é diferente porque meu pai, casou de novo e ele tem a minha guarda. Matt é minha irmã por parte de mãe, a outra mãe, não a minha madrasta.
– Para que possamos entender sr Kappa, qual é seu vínculo com a srta Moranis?
– Ness é minha prima. Nós praticamente crescemos e fomos criados juntos. Quem bagunçou tudo foram os nossos pais.
– Entendo seu lado, sr Kappa, mas é o sr quem está em julgamento. Pode contar a esta corte os fatos do acontecimento?
– Eu, Ness e Matt sempre brincamos juntos. Sempre. Brincamos de tudo. Policia e bandido. Castelo e dragão. Bombeiro. Escolinha. Ninguém nunca criou problema com isso. Nós gostamos de brincar de imitar o trabalho dos adultos. Não sei por que fizeram tanto caso por que brincamos de médico.
– O sr tem ideia ou noção de que é impróprio fazer estas coisas?
– Por que, sr juiz? Os adultos vivem fazendo isso. Com diversas pessoas, nem sempre com quem vivem.
– Porque, sr Kappa, o sr é uma criança e não sabe o que fez.
– Desculpe sr juiz, mas como o sr pode afirmar que eu ou Ness ou Matt sabemos o que fizemos? Como esta corte afirma que eu sou incapaz de saber o que eu fiz mas acha que eu sou capaz de responder pelo que eu fiz?
– Aham. Sr Kappa, o sr afirma que é consciente de seus atos?
– Sim, eu sou.
– Então, por favor, preencha este teste.
Greg preenche o teste e devolve ao juiz, que entrega ao psicólogo para avaliar e depois o teste é anexado aos autos.
– Que conste em ata que o sr Kappa é considerado capaz e consciente. Esta sessão prosseguirá para que seja qualificado e tipificado o abuso.
– Sr juiz, a promotoria gostaria de chamar a srta Moranis.
– Srta Moranis, por favor, sente no banco das testemunhas.
– Bom dia sr juiz, bom dia sr promotor.
– Srta Moranis, bom dia. Para que conste nos autos, a srta sabe a diferença entre verdade e mentira?
– Sim, sr juiz. Melhor que muito adulto aqui presente.
– Aham. Srta Moranis, esta é uma sessão de julgamento, não um fórum de debate. Pode declarar aos jurados qual sua relação com o sr Kappa?
– Ele é meu melhor amigo. Nós somos primos, mas crescemos juntos, fomos criados juntos.
– Pode relatar aos jurados os fatos dos acontecimentos?
– Claro, sr juiz. Eu fui à casa de Greg como sempre fiz. Matt estava lá. Nós começamos a brincar. Eu e Matt nos escondíamos de Greg então começamos a conversar sobre ele. A ideia meio que veio na hora. Nós duas dissemos a Greg que queríamos brincar de médico. Ele seria o doutor, nós seríamos ora a enfermeira, ora a paciente. Greg estava examinando Matt quando nossos pais estragaram tudo. Agora nós estamos aqui desperdiçando o tempo desta corte com pouca coisa.
– Então o sr Kappa não abusou da srta?
– Não, sr juiz, o mais certo é que eu e Matt abusamos de Greg. Ele faz tudo que nós pedimos. Eu acho que é porque ele é apaixonado por nós.
– Srta Moranis, os jurados precisam saber se houve ato sexual ou não entre a srta e o sr Kappa.
– Precisam? Por quê? Não tem vidas afetivas satisfatórias? Sim, eu transei com Greg. Eu não tenho vergonha de admitir isso.
– Srta Moranis, a srta não acha impróprio fazer essas coisas na sua idade? A srta tem noção do que fez?
– Se eu acho impróprio? Claro que não. Impróprio é adulto usar seu cargo para roubar dinheiro público. Eu tenho total noção do que fiz. E eu desafio qualquer um a provar que não.
– Aham. Srta Moranis, por favor, preencha este teste.
Ness preenche o teste com desinteresse, em pouco tempo. O juiz dá uma olhada e passa para o psicólogo. O psicólogo também demonstra surpresa. O teste é anexado aos autos depois da avaliação.
– Que conste em ata que a srta Moranis alcançou um QI de 200. Esta corte reconhece que a srta Moranis é consciente e capaz de responder pelos seus atos. A minha decisão é que não houve abuso entre o sr Kappa e a srta Moranis. Esta sessão prosseguirá para ouvir a srta Kelvin.
– A defensoria chama a srta Kelvin para depor.
– Srta Kelvin, por favor sente no banco das testemunhas.
– Bom dia sr juiz, bom dia sres. advogados e membros do júri.
– Srta Kelvin, bom dia. Para que conste nos autos, a srta sabe a diferença entre verdade e mentira?
– Oh, sim, sr juiz. Meus pais e meus professores me ensinaram bem.
– Pode declarar aos jurados qual sua relação com o sr Kappa?
– Greg é meu irmão, embora de mãe diferente. Nós temos o mesmo pai. Papai tinha um relacionamento com mamãe quando estava casado com a sra Kappa. Quando eu nasci, papai se divorciou. Greg tinha dois anos. Eu acabei ficando com o novo sobrenome da família de papai.
– A srta pode nos relatar os fatos do acontecimento?
– Sim, eu posso. Eu fui para a casa de Greg, porque papai gosta de visitá-lo. Ness chegou pouco depois, para nossa alegria. Ela mora perto e nós sempre brincamos juntos. Ness é a minha melhor amiga e nós conversamos sobre tudo. Eu e Ness gostamos de falar de Greg e do quanto gostamos dele. Falamos coisas que gente grande acha proibida ou inconveniente. Eu não vejo o porquê. Nós somos gente como todo mundo aqui. A ideia veio do nada. Eu sei que Ness esteve na cama com Greg. Eu queria perder meu selinho. Greg é o único menino que eu conheço e confio. Eu sabia que ele me amava. Então porque não? Eu queria. Mas nossos pais estragaram tudo.
– Aham. Eu compreendo sua frustração, srta Kelvin, mas a srta ainda tem muito tempo para... hã… perder seu selo. Então o sr Kappa não abusou da srta?
– Não, sr juiz, como a Ness disse, o mais provável é que nós nos aproveitamos de Greg.
– A srta não acha impróprio fazer essas coisas na sua idade?
– Não, por que acharia? Eu duvido que qualquer um nesta corte, na nossa idade, não pensou, não desejou, não quis e não fez isso, de um jeito ou outro.
– Aham. Srta Kelvin, atenha-se ao caso. Esta corte não é um lugar de debate.
– Mas deveria, se querem causar ou inventar problema onde não existe.
– Aham. Srta Kelvin, a srta então afirma que tem noção e consciência do que fez e é capaz de consentir?
– Sim e, por favor sr juiz, passe aqui o teste para que eu prove isso.
Matt preenche o teste com desinteresse, em pouco tempo. O juiz dá uma olhada e passa para o psicólogo. O psicólogo também demonstra surpresa. O teste é anexado aos autos depois da avaliação.
– Que conste em ata que a srta Kelvin alcançou um QI de 180. Esta corte reconhece que a srta Kelvin é consciente e capaz de responder pelos seus atos. A minha decisão é que não houve abuso entre o sr Kappa e a srta Kelvin. Esta sessão prosseguirá para as considerações finais.
– A corte inicia o encerramento da presente sessão. Os jurados chegaram a uma sentença?
– Sim, sr juiz.
– Leia para esta corte.
– Por decisão unânime os jurados aqui presentes e representados por mim, o presidente dos jurados, decidimos que o sr Kappa não cometeu abuso sexual contra as srtas. Moranis e Kelvin. Esta decisão encerra igualmente os demais processos movidos pelos queixantes.
– A promotoria deseja apelar?
– Não, sr juiz. Este caso deve ser resolvido entre os queixantes e seus descendentes.
– A defensoria deseja entrar com um pedido de indenização?
– Não, sr juiz, a sentença é satisfatória para dirimir quaisquer futuras ocorrências. Mas o sr Kappa gostaria de se dirigir a esta corte.
– Esta corte cede ao pedido do sr Kappa, mas por favor, seja breve.
– Eu sei que vocês olham para nós e veem crianças. Nós somos gente como vocês. Vocês foram como nós um dia. A diferença entre nós é de época e educação. Mas nós não temos culpa se vocês tiveram infâncias infelizes. Nós não temos culpa se vocês aceitaram viver debaixo de uma opressão e repressão sexual. Nós não temos culpa se vocês aceitaram viver debaixo da tirania, da ditadura da Igreja. Vocês tem sérios problemas, recalques, frustrações. Vocês se acham adultos mas tem uma mentalidade parada no século passado. Mas isso não dá a vocês o direito de se intrometer nas nossas vidas e na nossa felicidade. Nós temos total e plena consciência do que fazemos. Nós não nos metemos em suas vidas complicadas, não se intrometam em nossas vidas felizes.
O juiz bate o martelo, os jurados são dispensados, os autos são arquivados, a plateia presente se dissipa, os advogados continuam com outros casos e as famílias retomam suas vidas. Naquela tarde, depois de uma boa conversa franca, aberta e sincera, os pais de Gregg, Ness e Matt conseguiram acertar as coisas. Naquela noite, Matt e Ness puderam perder seu selinho com Greg e todos viveram felizes para sempre.

PS: hoje existe uma verdadeira cruzada. O mundo contemporâneo tem uma cruzada para chamar de sua. Mistura de paranóia, histeria e pânico moral. Potencializado pelo conservadorismo, puritanismo e fundamentalismo cristão. A humanidade passou por muitos momentos semelhantes. As Cruzadas, a Inquisição, o Holocausto, o Macartismo. Existe a homofobia e o preconceito contra as religiões de matriz africana. Mas a pauta dos costumes, principalmente os que visam reprimir e oprimir a sexualidade humana estão dominando.
Esse texto é uma heresia, em nossa atual sociedade que ainda acredita que a criança e o adolescente são inocentes, ingênuos e assexuados.

terça-feira, 10 de abril de 2018

Nona revelação

A questão da realização desta felicidade é muito subjetiva 
e muda de pessoa a pessoa. 
A felicidade é o êxtase do egoísmo. 

Ainda assim, existem certos consensos 
e saibam que a felicidade só poderá ser atingida 
quando for uma realização compartilhada por toda a comunidade. 

Necessário é, inclusive, 
de abrir mão de coisas ou situações 
que possam vos gerar felicidade pessoal, 
pois isso se provou ser ilusório e efêmero. 

Vós tendes o direito, 
conforme vossas capacidades e empreitadas, 
conforme a habilidade e a ousadia no empreendimento. 
É justo que queirais prêmios grandes. 

Mas não vos esqueçais 
que o sucesso de toda obra 
depende da colaboração e do serviço de muitos, 
menos habilitados, menos capacitados. 

Compartilhai, então, vossa fortuna, 
na medida que estes merecem. 
Ainda assim, uma parte invista neles, para que cresçam. 
Com justiça na partilha, não há contestação nem crime! 

Tendes um estranho prisma 
para separar as coisas que existem e vossos atos. 
Eu tudo vos criei para que a vida pudesse desfrutar, 
pois só na carne que se sente é que vos poderia ensinar. 
Entretanto, recusais da minha ceia, 
por um torpe e duvidoso sentido de virtude e moral! 

segunda-feira, 19 de março de 2018

Passando pela ponte

Havia um mau homem em terras de Além Douro, a quem a justiça encarniçadamente perseguia por vários crimes e que sempre escapava, como conhecedor que era dos esconderijos proporcionados pela natureza. Apertado, porém, muito de perto, embrenhou-se um dia no sertão e, transviado, achou-se de repente à borda de uma ribeira torrencial, em sítio alpestre e medonho, pelo alcantilado dos penedos e pelo fragor das águas que ali se despenhavam em furiosa catadupa. Apelou o malvado para o Anjo-Mau e tanto foi invocá-lo que o Diabo lhe apareceu. ‘Faz-me transpor o abismo e dou-te a minha alma’, disse-lhe. O Diabo aceitou o pacto e lançou uma ponte sobre a torrente. O réprobo passou e seguiu sem olhar para trás como lhe fora exigido, mas pouco depois sentiu grande estrépito, como de muitas pedras que se derrocavam, e ninguém mais ouviu falar da improvisada ponte.[wikipedia]

- Dizem que se alguém passar por esta ponte vai parar em outro mundo.

- Besteira! Superstição! Crendice! Daqui dá pra ver nitidamente o outro lado. Eu não vejo coisa alguma diferente.

- Então eu te desafio a passar comigo na ponte no próximo solstício.

- Bah! Eu não vou perder meu tempo.

- Aha! Eu sabia! Você tem medo!

- Eu? Medo? De que?

- Então combinado. Eu te espero aqui no próximo solstício.

Pedro e Paulo foram para casa. Pedro contava os dias para o solstício. Se achava tão inteligente, tão certo de que apenas a ciência tinha as respostas, mas não encontrava nenhuma para as coisas que aconteciam na ponte. Paulo conversou bastante com sua mãe e pai naquela noite, contando que iria partir, que iria passar pela ponte e ver o que havia além da vila. Seus pais choraram bastante, fizeram a comida preferida de Paulo, arrumou uma mala para a viagem.

Passadas as semanas, Pedro e Paulo se encontram na entrada da ponte, ´nas ultimas horas do solstício, com a lua cheia despontando ao leste. Paulo, previdente, trouxe a bagagem que seus pais deram a ele. Pedro, teimoso, veio apenas com a roupa do corpo e a cara amarrada.

- Para que você trouxe essa bagagem toda? Você vai ver como não tem coisa alguma do outro lado, nada vai acontecer.

- Mesmo se nada acontecer, eu estou preparado para acampar. Não é seguro andar sozinho de noite.

Pedro andava cambaleante a cada passo que dava em direção ao fim da ponte, enquanto Paulo andava confiante de que estava preparado. Ha poucos passos de completar a travessia, um forte vento, a lua mudou de cheia para minguante e as estrelas mudaram de lugar. Não é muito, mas foi o suficiente para fazer Pedro mijar nas calças.

- V-viu como não a-aconteceu n-nada?

Do nada, voando acima de suas cabeças, passa voando um dragão. Logo depois, uma amazona montada em um unicórnio tentava jogar uma lança no dragão.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Oitava revelação

Já há os que se obcecam em ajuntar tesouros e bens, 
pois tudo isso gera satisfação,
também autoridade e influência 
na vida social e política do vosso país. Também são insensatos! 

O custo de vossa riqueza terá de ser pago em breve, 
toda a expropriação e exploração exageradas geram miséria, 
que gera a criminalidade, que gera a violência. 
De nada vos adiantará vossas posses, riquezas e bens. 

Mesmo o trono mais poderoso e afortunado sofre, 
porque lhe faltou o único e verdadeiro tesouro: as pessoas! 

Experimenteis dormir com um saco de dinheiro 
e com alguém amado. 
Não tereis mais paz e sono proveitoso 
tendo braços ao redor de vós, ao invés de cifrões? 

Experimenteis tomar vossos artefatos, 
com os quais constituis crédito na praça, 
tenteis compartilhar suas dúvidas e opiniões. 
A seguir, tenteis o mesmo, 
com quem vos promove tais riquezas, 
vossos servos, ou mesmo um miserável. 

Não tereis mais respostas e contrastes 
para vos aprimorar na arte de viver? 
Experimenteis, ao invés de fazerdes leis mais duras, 
ao invés de aumentar vossos mercenários que vos protegem: 
dar um pão (comida), dar um livro (educação), 
dar uma coberta (habitação), dar um linimento (atendimento médico), 
enfim, de dar às vossas posses um senso de responsabilidade social. 

Vereis que até o vosso mais empedernido adversário 
se torna no vosso mais terno companheiro! 
De nada vos adianta a busca da felicidade, 
enquanto esta for isolada! 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Cronologia dos desejos

Para que surgisse o que hoje definimos por Cosmos no Universo, as partículas que outrora eram dispersas, desejaram combinar-se.
O primeiro desejo foi atômico e vem a explicar porque se tem tanta satisfação em realizar os nossos, é pela explosão de prazer a níveis energéticos, como vêem, mesmo as partículas desejam, não é preciso ser uma criatura sexuada para isso.
Já que falamos em energia, as primeiras formações originaram entidades energéticas, por hoje definidas como deidades, em seus diversos nomes conhecidos. Possuidoras ou não de consciência e vontade, ainda eram visíveis quando a humanidade nascera, que em sua inocência acreditou ser estas manifestações a prova da existência destas deidades.
Mas até esta era, muita coisa ainda se passou, portanto, sem queimar etapas, continuemos a evolução do desejo.
Passada essa fase, satisfeito o desejo, essas primeiras formas associadas, por serem energéticas, ainda eram muito instáveis e permeáveis, de forma que muitas, pelas marés cósmicas, acabavam se encontrando, colidindo ou se fundindo com outras, algo nem sempre recebido com boa vontade pelas partículas formadoras deste aglomerado, gerando muitos conflitos e explosões, desta vez de ira. Era o desejo de privacidade, exclusividade, manutenção da ordem coletiva. Homens também são explosivos nestes assuntos, o segundo em intensidade na qualidade de mobilização de nossas paixões depois do da associação, que foi o desejo primordial. Estamos nos projetando novamente ao presente, não podemos nos perder, ainda há muito que saber da evolução do desejo! Mas como vêem, estamos apenas perpetuando estes, de uma maneira ou outra, mesmo que neguemos ou fujamos, realizamos sempre ao menos um desejo, desta cadeia de desejos que somos formados.
Tanto para garantir a congregação quanto para evitar invasões de outras nuvens energéticas, era necessário condensar a forma, torná-la mais coesa, mais sólida, até podemos dizer mais concreta, real. É o desejo de ordem, organização, proteção, estruturação e quaisquer outros sinônimos que pudermos arrumar. Assim as congregações tornaram-se mais particulares, mais exclusivas e passaram a discriminar os níveis energéticos componentes da congregação. Mas não devemos confundir isso com a discriminação racial ou de outro gênero que se pratica na humanidade. Aqui a questão é meramente estrutural, enquanto que nós praticamos um estúpido preconceito ético e étnico, resultante da demência latente. Mas como isso pode acontecer a uma raça que se autodenomina inteligente é caso para um estudo histórico social psicológico, que está bem longe de ser simples reflexo destes desejos primordiais que formaram toda coisa existente.
Prossiguemos com nosso relato e pesquisa, caso haja interesse de outros pesquisadores, que seja feito o estudo das causas dessa demência latente do ser humano.
A condensação da energia limita os movimentos da nuvem, por esta se tornar mais pesada, mas é vantajosa no sentido de proteção. Ou, em projeção maior para atacar. Pela formação da própria nuvem, ou por sua condensação para torná-la mais segura, torna-se sedenta, até belicosa, por energias que teve de renunciar ao se condensar, atacando assim, por sua formação estrutural ou por fome, outras formações, apossando-se de parte ou do todo das nuvens atacadas, formando um novo, mais complexo, mais organizado ou mais condensado formato de nuvem, que podemos até considerar, por novas e complexas entidades, estas sim com mais possibilidade de serem dotadas de consciência e vontade, tanto que atacam sabendo que só assim se sacia este desejo, o da alimentação, da complementação por algo que lhe falta. Um desejo que move e é movido pelos anteriores, um triunvirato que irá mover e dar origem a todos os demais desejos, que iremos descrevê-los logo a seguir.
Conforme iam se condensando, aumentava o vazio, o meio em que estavam permeadas. Assim, as marés cósmicas começaram a exercer uma pressão, enquanto que nas nuvens começava a aparecer o fenômeno da gravidade que, conforme concentrava mais as energias, as fazia expandirem-se, uma pequena e primal demonstração do que ocorre nos sóis.
Nessa transformação de energia bruta em refinada, ou melhor dizer, luminosa, aumentava as necessidades de complementação, o que decerto ia trazendo mais componentes diversificados, mais complexidade à nuvem e dentro desta, na combinação ou fusão de seus elementos, originavam-se outros, alguns luminosos, outros pesados, ou seja, com magnetismo, que pode ser entendido por força gravitacional. Assim, aos poucos, se formava um núcleo pesado e uma aura leve periférica, algo que é uma vaga origem das galáxias.
Em pouco tempo, formavam-se os planetas e em ao menos um dentre doze desenvolve-se vida, que seguindo o padrão universal de evolução, chega-se às espécies atuais, dentre as quais originou-se a espécie humana, por enquanto a única que se registra como racional. O resto da história conhecemos bem. Embora o mistério esteja longe de ser solucionado: como é que uma raça que tem tendências racionais pode acabar em tantas humilhações e atitudes, nem praticadas pela mais rele e insignificante forma de vida? Talvez seja exatamente este o paradoxo da humanidade: conquistou-se a racionalidade abrindo mão de uma verdadeira evolução existencial. Justamente por ser tão racional que o Homem é tão bestial. Pensa demais, mas não mede consequências. Quem o sabe, que responda, mas quem o quer saber? Desvendar os desejos que movem o Homem, para que se saiba seu destino, pois seremos o que fazemos, conforme tais desejos, assumidos ou disfarçados, permitidos ou perseguidos. É o fim.


Fecham-se rapidamente
E cedo demais
As portas da tarde.
Uma gigantesca nuvem
Vem reclamar o trono do sol.
Logo, vem a chuva
Num imenso lençol de água.
Mas de onde vem tão negra nuvem
Tão carregada de água como de idéias?
Como tal cortina de vapor espessa
Pode fazer frente ao poder do sol?
Logo a luz cai
Pois não pode resistir
A este poder da natureza.
Velas são acesas
Pelos cantos da sala.
Com a minha tento entender
Por que gosto tanto da chuva?
Por que aprecio ainda mais o black-out,
Sem falar do êxtase que me trazem os trovões?
A chuva dá trégua
Mas a nuvem continua suspensa
Como um aviso de que a noite será longa,
Que deveremos passar sem luz.
Quanto mais demora, mais eufórico fico.
As cordas do céu
Erguem-se dos dedos brancos.
Uma pálida e fugaz lembrança
De que há luz e temos sol.
Mas conforme a chama sobe,
A vela derrete e some,
Junto com um pouco de nossas esperanças
Que matamos ao fim de cada dia.
Pequenas almas
Surgindo de frestas.
Muitas sombras estranhas
Conforme o bruxulear
Da aura pírea da vela
Que já está nas últimas,
Mas vai sem deixar remorsos
Do quanto deu de si sem recompensas,
Como fazemos com nossos anciãos,
Logo é substituída por uma nova.
Tímidas estrelas
Brilhando no meio
Da floresta da casa.
Como uma congregação,
Como a reunião de forças,
Para manter a última esperança,
Há muito, abandonada pelos mais aflitos,
Há muito, espezinhada pelo meu sarcasmo.
Como querendo segurar as bordas do mundo,
Prendem entre os dedos a borda do pires,
Testemunha do esforço deste numeral albino
E cabelos em chamas,
Para afastar temores,
Para afugentar sombras.
Mas eu vejo como elas carregam as rugas
E como eles distorcem os traços,
Auxiliados pela própria debilidade da vela.
Vejo que os objetos parecem orar,
Ou pelo restabelecimento da luz,
Ou para que nunca termine a escuridão.
Alguns, porque gostam do domínio humano,
Como a poltrona, onde sentado, escrevo,
Mas muitos, porque só nas sombras tem movimento,
Ganham a vida e a liberdade
Que qualquer coisa tem.
O fervor da reunião
Não combina com o
Ferver do pires,
Que não laceiam as bases
Das velas postas recentemente,
Deixando algumas tortas,
Outras com perigo iminente
De dar luz a outros objetos.
Uma pequena e sutil demonstração,
Da verdadeira crença humana
E o estado em que se encontra,
Junto com as razões de existência
E as razões da ciência?
Quando tudo passar, se passar,
Quando os doutores se acalmarem,
Talvez me expliquem porque estou tão pacifico,
Sentindo-me em casa, entre os meus.
O carrilhão
Como se lançasse
Suas correntes
Para nos enforcar,
Anuncia a oitava.
Uma nota surda,
Mas grave demais,
Nos ferindo o ouvido,
Com medo da cripta
E de sua senhoria.
Vejo que o próprio apartamento,
Como inúmeros outros da metrópole,
São as criptas dos vivos,
Sem muitas diferenças,
A não ser no seu rigor.
Aqui se faz acender velas,
Para manter a esperança da vida.
Lá, se ressente a dor da morte, um voto de saudades se acende.
Passos nervosos,
Dos que tinham algo a ver,
Perdendo o programa da tevê,
Abrem novas dimensões
Do horror que se cria,
Uma vez dentro da escuridão.
Cada passo,
Provoca eco
E o passo ecoado
Parece se multiplicar,
Como se entrasse nos outros cômodos
E prosseguissem sozinhos a marchar.
Mesmo quando há uma pausa,
Para que se faça a meia volta
E se pise sobre os próprios passos.
Passos de vida própria,
Sem pés, sem dono,
Sem direção, sem destino,
Ganham personalidade,
Peso e tons ameaçadores,
Como se denunciassem
A visita dos seres noturnos.
Penso então,
Que tais seres
Não sejam além
Dos próprios passos do homem,
Que teimam em pisar por trilhas,
Que se sabe que não levam a lugar algum.
Só com o jantar servido
Escapa-se um pouco
De situação tão sóbria.
Estômagos vazios
Não tem tempo para pensar,
Muito menos temer.
Afinal, é mais importante
Manter este ritual rotineiro
De satisfazer necessidades tão primárias.
Na mesa de jantar
Permanece-se, a conversar,
Até a comida assentar.
Satisfeitos os apetites,
Avançada a noite,
O sono toma seu lugar,
A roda se dispersa,
Todos vão dormir,
Só agora a noite
Tem seu trabalho funcional
Reconhecido, dentro do normal.
Quando me deito,
A luz retorna,
Iluminando o quarto
Com uma lâmpada faiscante.
O que prova que mesmo a luz,
Tão desejada e saudada,
Pode tornar-se
Incômoda e inconveniente.
Meu protesto
Passa pelo interruptor,
Silenciando a lâmpada,
Para me reencontrar com as sombras,
Que me acolhem com ternura,
Melhor que os demais,
Tenho meu descanso.
Daqui sairei inteiro,
Mas não sei dos demais
Que, com o grito furtado,
Só podem afogar-se
Em seus temores
E no próprio sangue.
A noite é justa,
Mas também tem fome.

-Venha, meu pequeno admirador.
Estará bem aquecido com minha mortalha,
Mas para prosseguir em meu reino,
Deve tomar esta canja sangrenta.

Dentro da noite tenho minha família,
Noite adentro até alcançar meu sumo prazer.

-Devagar, meu garoto, não vá se engasgar.
É preciso apreciar, sorver aos poucos,
Só assim se sobrevive ao gozo da sabedoria.

A noite consome, mas também complementa.
De uma vida inútil, se transforma em grande tesouro.

-Aos que se encontram em mim,
De mim sobreviverá,
Pois só os que sabem, me conhecem,
Não os que tentam aparentar que sabem.

Nada sei, mas tento ser bom aluno.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Sétima revelação

Em vossas estranhas fantasias, 
sonhas com uma vida além, 
onde após vosso tempo na terra, 
possais ter uma vida eterna, num jardim de prazeres. 

Por que quereis mais do que tendes? 
No tempo que passais na terra, 
só existe choro, lamúria e dor. 

Se negardes o prazer a vós, quando vos é lícito usufruí-lo, 
porque o lançais no Paraíso, 
que devia ser a morada de justo e puros? 

Não continueis mais vos enganando, 
vive o vosso prazer agora. 
Se quiserdes a eternidade, 
a terás com vossa descendência. 

Se quiserdes a salvação, 
deveis parar de vos penitenciar, pois só o sexo salva! 

Sabeis, crianças, de uma vez: Meu reino não é nos Céus, 
deixei isto para os anjos. 

Eu, que sou o vosso Deus, Meu reino está entre vós: 
Meu reino está nas Entranhas. 

Vós persistis em vossa busca 
por uma vida extra-ordinária, 
não porque vos aprazem a virtude ou a santidade, 
mas sim o vício e a orgia. 
Tanto que, nas vossas visões do Paraíso, 
há nada mais o que vos privais cá nesta vida. Insensatos! 
Bem sabeis que a única forma de vos eternizar 
está em provides-vos de herdeiros! 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Heterogênese XXI

A tarefa é longa e árdua. Porém, compensadora. Devemos usar a faculdade da razão que somos dotados, só assim perceberemos a que fim trágico nos deixamos levar. Pode ser que realmente não haja um mundo futuro, nem sequer um Deus, para nos redimir dos erros e nos ressuscitar da morte. Tudo pode ter sido um imenso engano, pregado pela nossa mente doentia. Devemos nos curar então, exercitando a mente, ao invés do lucro fácil, da posição social, da beleza ou do poder. Pois todos fenecem e logo são quebrados por modelos novos. A mente não quebra, molda-se; a mente não cresce, desenvolve-se; a mente não morre, prolifera-se. A civilização humana passa, mas seu produto mental, concretizado, permanece, desafiando os séculos.

É por isso que sou tão tendencioso para as Trevas. É por isso que amo a Deusa da Lua Negra, Lilith, minha rainha adorada. Não me importo se ainda acredita em Jesus e no Deus Único Todo Poderoso, que o resto seja maligno e demoníaco. Haverá o tempo que tudo isso cairá diante da própria fragilidade e falta de lógica profunda.
Cabe a cada um, sem dúvida, fazer uso de seu cérebro e criar dentro dele seu universo. Ou então se acomodar, conformar-se, com as idéias prontas, servidas a granel, por pessoas que nem sabem quem você é, nem se importam, desde que esteja pensando e agindo como querem.

Dou-me por satisfeito e já estou recompensado. Fiz as memórias das Trevas com espírito livre e voluntário, sendo o mais sincero que pude. Acho que cumpri com as metas a que me propus e que agradam a meus amigos, minhas amigas e minha rainha.
Que o Fogo Negro envolva-me e recicle-me, para merecer estar nesta República sob o olhar profundo e intenso do respeitável soberano Espírito das Trevas. Que este, pelo meu trabalho, possa olhar por mim e orientar-me.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Sexta revelação

O que é carne, não ordena carne 
e o que é espírito, não pode interferir no vosso meio. 
A salvação vem na descendência 
e a vossa glorificação só pode estar no prazer, não no ascetismo. 

Único, só Eu. De resto, tudo é duplo. 
Vós sabeis porque é assim. 
Portanto, não há original, nem raça pura, tudo é de minha fonte. 
Se quiserdes ver-Me, procureis no que é misturado, 
a minha raça é a diversidade. 

Se quiserdes servir-Me, entregai-vos ao instinto, 
a minha Lei está na carne. 
Se vos completa, acha vosso par, 
no que vos é igual ou diferente, acima ou abaixo, 
canhoto ou castrado, passado ou futuro, luz ou treva, 
de forma alguma estareis fora de Meu alcance, 
nem estareis Me ofendendo. 

Há homens que são homens, nisto encontrareis justiça. 
Há homens que são mulheres, nisto encontrareis desespero. 
Há mulheres que são mulheres, nisto encontrareis delícias. 
Há mulheres que são homens, nisto encontrareis desperdício. 

Vós tendes o corpo, age como vos comanda, 
não vos negueis ou vos violente, 
seguindo padrões estranhos à vossa natureza. 

O homem não é todo másculo, mas também feminino. 
A mulher não é toda feminina, mas também masculina. 
Ambos são filhos de ambas as sexualidades. 
Vós fazeis com que o homem seja macho 
e a mulher ter de ser fêmea, por vosso tolice e cultura. 
Somente por vossa tolice, tentais seguir ou contestar tais critérios.