Pois todo o futuro da humanidade está na corrupção da carne, do que sobra, entre vícios e virtudes, sirva-se de prazer a estas deidades que, não tendo a matéria para sentir, exigirão os sentimentos em essência de nós, para terem os prazeres que temos, mas tendo-os em nível espiritual.
Pois a eternidade é um ócio é um tédio, é preciso sentir a vida, esses nossos mortos e existentes sem existência, deidades e antepassados, tem necessidade de algo para distrairem-se e perceberem a própria presença por estas dores e exultações a que estamos expostos enquanto vivos.
Pois nos enganamos, acreditando que a presença na eternidade é melhor que esta na Terra, nos afundando e cercando de crenças, fornecidas pelas múltiplas deidades, cada uma em busca de mais simpatizantes, para aumentar seus pratos e diversificar mais a ceia.
Pois todo ser que é sem que o seja, alimenta-se da crença dos vivos, para que esses confiem a essas deidades o seu destino após a morte, na qual então tais deidades poderão digerir sem consumir o espírito dos crentes que se ofertam a eles, por uma vida após a morte, sem dor ou sofrimento, o que terão pelo preço da corrupção das carnes, mais o espírito, eternamente cedendo alimento, em troca de sua permanência junto a essas deidades. Se os prazeres destas deidades se decidem mais por experimentar virtudes ou vícios, não parece ser razão suficiente para distingui-las e separá-las entre o Bem ou o Mal. Os objetivos são os mesmos, embora a matéria prima seja diferente, assim como as sensações produzidas por estas. A Virtude, embora dependa de referenciais nem sempre confiáveis ou estáveis, é enobrecedora, ou melhor, os homens acham que isto os engrandece e os torna homens de bem, merecedores desta vida na eternidade, que resumem no Paraíso, quando o que terão é, na verdade, o que conhecemos aqui por relação simbiótica, uma troca entre codependentes que se auxiliam e alimentam-se mutuamente. Realmente, o que seriam de todas essas deidades se não houvesse tais homens, ou mesmo tal existência material, ou até tal vida inteligente?
Pois é de se notar que apenas a criatura humana tem tal capacidade de reconhecer e adotar comportamentos considerados agradáveis a tal deidade, por misteriosos meios de comunicação entre esses e o Homem, quer por escrituras, quer por outros homens que se dizem ter contato com esses. O que é lógico, pois incapacitados pelo seu estado, fazem-no através dos homens, para falar pela boca e pela língua de seus ouvintes e estes, para perpetuar a palavra, a registram nas linhas de um papel, e este livro também acaba tornando-se um testemunho dos desejos destas deidades aos homens, de como devem levar suas vidas, para merecer tal proteção e prêmio no final da etapa da vida.
Mas então se vê um paradoxo: tão poderosos e ainda assim como um Rei, depende de seus vassalos, para que assim o sejam, dependem da crença dos homens, em número e qualidade, para reconhecer-se e fazer-se presente, tanto a si como aos demais, que competem entre si, pela conquista do mais alto grau de poder de domínio. O mais estranho: vai ser essa quantidade e qualidade de criaturas aos seus cuidados que lhes darão o poder necessário, pela força de vontade destas.
Então digladiam-se as deidades em busca da preferência humana pela vontade que são dotados, a mesma vontade que nos tornam criaturas tão notáveis e capazes. Mas a partir do momento em que se deixa dominar por estes desígnios ou outros líderes temporais ou sagrados, corre-se o risco de se perder também a razão, tornando a vontade apenas uma força de coação, agindo pela uniformidade, prisão e extermínio da diversidade. Pois homens lutam pelo domínio dos seus, da Natureza e de toda a Terra em busca de conforto, poder e riqueza ainda em vida, ou de perpetuarem sua memória, ou de perpetuarem a memória das deidades em que acreditam. Pois tão confiantes estão de que esta é a portadora da Verdade, acabam tornando-se serviçais, se não das deidades, de seus ideais, que na forma de organização humana, acaba sendo transformados em uma presença que podemos considerar semelhante à que exercem as deidades sobre os homens.é interessante notar que quaisquer desses dois captalizadores das paixões humanas acabam negando a base primária de sua razão de ser: a matéria, à vontade e a humanidade.
Enquanto as deidades exigem um comportamento moral, os ideais comandam os modos de ação da vontade humana. Um comportamento moral tenta regrar as atitudes humanas frente à Vida, negando ou tentando coibir essas práticas mais apegadas à matéria, o que cada deidade entende por vicio, em precedência e preferência a outros, que são dados por virtudes, embora ambos são e precisam ser realizados ainda em vida, vida essa cuja base é a matéria. Mesmo as virtudes não se manifestam, sem se concretizarem em atos ou obras que possam ser reconhecidas como tais. Já os ideais tentam regrar o comportamento do Homem frente ao Homem, dentro de uma Sociedade, a qual é organizada por Estados, estes são formados pelos ideais dos líderes da Sociedade, que garantiram a legitimidade da formação destes ideais, estados e Sociedades, pelo esforço da educação e civilização dos hábitos dos demais, através de anos de História, separando e perseguindo o que é definido, por estes ideais, como marginais e criminosos. Muitos se tornam um elemento visado por não terem muitas escolhas diante da indiferença, total falta de orientação e oportunidades dentro destas sociedades, que são sempre privilegiadoras de um grupo, que contam com a garantia da força física para coibir desvios e a coopção contemplativa desses ideais pela maioria dos componentes das sociedades, através da formação de uma legislação, via hegemonia ideológica, garantida pela educação. É de se ver que tal lei e justiça só se mantém quando tem mais força física que os que estão enquadrados na marginalidade e na criminalidade, tais definidos pelo que entende tais ideais, agregados nos homens e na sociedade, transformando-se numa presença de domínio e controle das ações humanas, tal como as deidades, negando sua matéria de formação, o ser humano, todo ele, cada um, ser vivo, formador de ideais e sociedades, mas que pela ação de um geral organizado, acaba sendo proibido de ter seus ideais fora do organizado socialmente, ou mesmo de ter sua participação nesta, apesar de ser sócio ao seu modo de participar nesta, ainda que limitadamente, por não preencher as exigências necessárias para tornar-se um líder social ou até um cidadãos honesto, que são todos aqueles que seguem as leis e as condutas sociais organizadas e orientadas por estes líderes sociais.
Agora, tentemos imaginar afinal o que então, qual que justifica a presença do outro, devemos nós sermos gratos a ponto de nos entregarmos incondicionalmente a estes que nos formaram, tanto as deidades como as sociedades, ou caberia a nós, justamente por sermos racionais, buscar regras de convívio entre o indivíduo e cada uma dessas entidades coletivas, de formas mais abertas e livres, com melhores ofertas e oportunidades iguais em prol do próprio sucesso destas? Ou então devem estas procurar agir mais pelo Homem, enquanto indivíduo, pois não é a união de todos e cada um que possibilita e realiza a presença concreta dessas entidades?
Como se vê, a solução está em ouvir e permitir o acesso de cada participante e crente, para melhorar, atualizar e efetivar como poderes de decisão, as deidades e as sociedades, porque estarão finalmente garantindo a total capacidade de manifestação de cada um. Só desta forma se chegará com sucesso ao objetivo de toda deidade e sociedade, que é captar, coletar a maior quantidade e a melhor qualidade de pessoas, congregá-las nesse meio que só será legítimo quando a vontade coletiva for reflexo de cada vontade individual.
Por outro lado, se existem as deidades que se alimentam das virtudes e as sociedades que se alimentam dos ideais, da mesma forma terá o grupo que, pelo mesmo objetivo mas movido por outras matérias primas, faz sua presença pelo motivo dos vícios, crimes, imoralidade, dissociação, individualidade radical, anarquismo. Mas é bom notar que isso é assim nomeado por um juízo de valor definido pelos primeiros partidários, que considerando ser sua vida exemplar, desta forma a defendem ardorosamente, caracterizando os demais comportamentos e atitudes por estas palavras depreciativas. Não se pode condenar quem, na falta de expectativas e perspectivas, acaba criando todo um método e atitudes segundo um referencial próprio.
Já que existe dissidência, é porque não são tão perfeitas as deidades e muito menos os homens, seus ideais e suas sociedades. Por que não se ouve, ainda que sejam minoria, pois resolvendo os problemas e desajustes destes, evita-se toda a consequência criminosa que realizam em busca de sobrevivência ou afirmação como seres vivos e merecedores de alguma atenção e cuidados. Essa seria a função da organização humana enquanto sociedade, garantir a participação de todos os sócios. As deidades simplificariam bastante seu trabalho sem adversários, pois as atitudes tidas como pecaminosas ou viciosas são apenas formas de expressão de protesto e descontentamento, o que não lhes tira a legitimidade de, como atitudes de vontades conscientes, de serem proveitosas a essas deidades. O que temos na verdade não é a luta entre o Bem e o Mal, mas de conceitos e sentimentos que devem ser discutidos e vivenciados, pois são parte da personalidade de todo ser.
Não se pode condenar qualquer um que seja, por ter tomado medidas drásticas, mesmo o assassinato, pois nós não consentimos, muitas vezes de alguma forma até colaboramos, para a morte por frio, doença, fome, abandono ou violência contra crianças, homens, mulheres e velhos? Muitos não desejam tal destino, incomodados e inconformados, reagem contra quem acredita ser seu agressor, ou seja, a sociedade. Mas o defeito está na organização e nos organizadores dela. Cabe a nós, como parte disto tudo, lhes exigir atitudes mais eficazes e eficientes que não simplesmente matar, surrar e prender, o que acaba agravando o problema, já que este surgiu por esses fatores. Basta dar acesso e orientar todos para serem indivíduos produtivos, receberem adequadamente para isso, para serem consumidores, para haver mercado, gerando mais riquezas,menos diferenças, miséria, mendigagem, criminalidade.
Então, nenhum ato pode ser considerado criminoso, pois todo ato tem um motivo e um objetivo claramente definível, caso não o seja, tem origens psicológicas, sendo assim, não é natural, foi conduzido a tal estado de demência pelo meio em que interagia.
Podemos imaginar o crime como uma forma da humanidade manter seus níveis populacionais, selecionando apenas os mais capacitados a viver na sociedade, já que o Homem é um dos animais no fim da cadeia alimentar, é até natural considerá-lo predador de todas as espécies, inclusive da própria. Para isso existem os crimes, puníveis ou imputáveis, pois a guerra é crime, mas os que sobrevivem são condecorados como heróis. Mesmo em paz a sociedade sabe como separar, isolar, incapacitar e matar por fome, doença ou violência policial, coisas cujos verdadeiros culpados nunca serão levados a júri, simplesmente escolhe-se um indivíduo para pagar por toda uma situação causada pelo sistema.
Então, o que vale a pena, por qual meio devemos levar nossa vida se é tão inútil e cheia de enganos acerca da real intenção de tais deidades por nós? Já que, de qualquer forma, teremos que ser devorados pela morte e só depois viver com nossos deuses, que irão conviver conosco nessa relação simbiótica eternamente, eles nos digerindo e nos mantendo inteiros ao mesmo tempo, por que nos perturbamos tanto com as atitudes e as separamos entre boas e más, se isto não é sincero? Qual é a verdade senão uma boa mentira em que se acredita e pela confiança se dá o valor de verdade? Já que não se difere o casto do libertino, todos deveremos morrer, por que então não viver todas essas maneiras de ser, sentir o mais que puder o prazer tanto das virtudes quanto do vício?
Justamente porque tanto os homens quanto as deidades precisam se justificar a si e a seu outro dependente, já que a existência de ambos seria tão vazia sem uma projeção que estabeleça a realidade como algo concreto, que só é perceptível aos sentidos, por meio dos quais satisfazemos nossos desejos de prazeres, por meio desses objetos, dessas crenças e atitudes humanas. Ou seja, o real é uma mera produção de determinados desejos e necessidades que, ao estarem satisfeitos, acarretam no prazer e no alívio de, com isso, sentir que estão vivos e justificando sua presença neste espaço hipotético.
Até mesmo aqueles que buscam a renúncia a tais sentimentos e objetos materiais o fazem na satisfação de justificar a própria existência. Baseados na crença, acreditam que se provando, privando, recusando, renunciando ao mundano, demonstram força e coragem, mesmo porque nesta renúncia, as reações biológicas proporcionam uma sensibilidade maior pela ausência desse material. Não negam o material, mas sim o valorizam, por causa de tal sensibilidade mais desperta, mesmo não o desejando, acabam vendo-o com mais esplendor que qualquer outro acostumado a tais objetos. Além do que, ao torná-los proibidos, os tornam mais desejados, conduzindo à sensações de prazeres ainda maiores que tinham ao usá-los.
Ao inverso, se se busca muito os vícios, eles perdem toda aquela carga de proibição, até diria pecado, pelo excesso de uso. Mesmo fontes de prazer se se tornam rotineiras, automatizadas, repetitivas, perdem o fascínio, porque agora é um objeto comum. Por ser comum, nem se nota mais quais os prazeres e necessidades que queremos satisfazer, o usamos porque se tornou um hábito, chega-se ao absurdo de o usarmos por instinto, o objeto chega a perder totalmente seu significado e passa a fazer parte do real, ainda que distante, no horizonte.
Não é sem motivo então que seja tão difícil deixar tais hábitos, nem tanto pelo prazer, que estes já não tem, mas sim por fazer parte do referencial do que se considera como realidade, parâmetro que os faz sentir parte deste real.
É então, por precisar de tais justificativas de se considerar inscrito no real, que os homens seguem tais determinações, vindas de seus líderes, ou vinda dos preceitos deixados por tantos profetas que se arrastam atrás das religiões deixadas pelas deidades que, para terem esse grau elevado sobre os mortais, devem sem dúvida estabelecer tais limites do real e do sobrenatural, assim como as regras de viver bem, para os homens merecerem tal local, ao findar o tempo material carnal destes homens. De qualquer forma, todos buscam seu tipo de prazer através das diversas formas de sensibilidade, isto sem dúvida é o que se verifica.
Eu sei que sou uma pessoa comum média e sustento os meus próprios engodos. Afinal, o pior radical contra o sistema é na verdade seu maior defensor. Sua razão de revolta se acaba assim que lhe for dado o que deseja, logo entrando no esquema e até irá defendê-lo. Mesmo o rebelde fornece justificativas ao sistema e sua crueldade, pois é justamente para manter a situação, que se age contra os revoltosos, justificando assim essa relação de exceção e privilégios de uma minoria sobre a maioria. Por mais que se mude de mãos os governos, ainda haverá insatisfação, mesmo que a oposição vença e seja social-democrata, a linha de Estado não deixa de existir e estes, que até tem boas intenções, acabam prisioneiros de sua presa. Não é sem motivo que nada muda efetivamente.
A carne é boa
Para o espírito,
Mas o espírito
É bom para a carne?
O amor constrói,
Mas e quando o amor
É solitário, quando não é
Possessivo?
Fomos feitos à imagem de Deus
Mas foi Ele quem nos fez tão falhos?
Deus é o Pai dos homens
Mas por que os homens
Só respeita o Homem
Que os lideram como pai?
Se Deus é uno,
Não deviam as pedras
Também adorá-lo?
Mas tantos quantos existem
Como a variedade de raças humanas?
Como é que recebendo tão pouco
Ainda sustentamos um governo?
Muitos não procuram outros mundos
Por covardia de enfrentar este?
Se o dia de hoje
Nunca é garantia do amanhã,
Por que somos prisioneiros
De calendários e relógios?
Um jornal documenta os fatos da realidade
Ou ajuda a filtrá-la com um papel timbrado?
Todos consultam algo para saber do próprio futuro,
Mas fazem algo para garantir o futuro geral?
Se a juventude se acha tão rebelde
Por que aceita viver de maneira tão fútil?
Nenhuma manifestação ainda que artística
Poderá ser considerada anarquista
Pois ao se manifestar, estará organizada
Por algum critério estabelecido.
Minha função é a de lançar a dúvida.
Eis meu prazer e minha tortura.
Porque quem se dá ao trabalho de pensar
Deve estar bem nutrido de idéias.
Ao fazê-las em confeitos escritos,
Nutrir os vazios dos espíritos dos demais.
Estas obras em que me dedico,
Aos poucos definhando ao dar parte de mim,
Só são suculentas
Porque os ingredientes são os melhores.
As obras de melhores
E anteriores a mim,
Seus livros são minha hóstia.
Neste estranho templo da sabedoria
Pretendo ser o vinagre amargo
Tanto para engasgar os acadêmicos
Quanto para esterilizar seus vermes.
Cuide bem de mim,
Estou em tuas mãos
E cabe à tua cabeça
Fazer bom uso de mim,
Para que estas minhas carnes
Não tenham sido temperadas em vão.