O que se tenta ocultar do público nessa pretensa "defesa dos direitos" é que esta visão é religiosa e doutrinária, ofendendo e não reconhecendo aos homossexuais os mesmos direitos que dizem defender. O discurso contra a homossexualidade e os homossexuais dos cristãos fundamentalistas sequer pode ser entitulado de "opinião", mas sim de sentença arbitrária, baseada em uma doutrina religiosa arrogante e prepotente, que se arroga uma verdade sagrada e/ou divina. Nem se trata de "garantir os direitos de expressão/opinião/crença", mas de garantir e resguardar o totalitarismo arbitrário dessa visão religiosa e doutrinária, tentando censurar ou denegrir as opiniões contrárias que contestem ou desafiem esse totalitarismo.
Um bom texto coloca bem o caso:
A fé dos homofóbicos.
Por André Petry.
Copiado do blog Bodega. [blog morto/original perdido]
Dizem eles que a criminalização da homofobia levará à prisão em massa de pastores e padres, e viveremos todos sob o domínio gay. A história ensina que essa lei será aprovada, e a vida seguirá seu curso regular, sem nada de extraordinário.
Em 1946, quando os negros reivindicaram a inclusão de alguns direitos na Constituição, foi um salseiro. Foram acusados de antidemocráticos e racistas por congressistas e estudantes da UNE. Em 1988, a Constituição promoveu o racismo de contravenção a crime. Ninguém chiou. Na década de 50, quando se discutia o divórcio, teve cardeal dizendo que se devia pegar em armas para combater a proposta. Em 1977, o Congresso aprovou o divórcio. Não houve tiroteio, e a igreja do cardeal nunca mais tocou no assunto. Recordar é viver.
Agora, os evangélicos estão anunciando o apocalipse caso o Senado faça o que a Câmara já fez: aprovar lei punindo a homofobia com prisão. A lei em vigor pune a discriminação por raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. A nova acrescenta a punição por discriminação contra homossexuais. Cerca de 1 000 evangélicos tentaram invadir o Senado em protesto. Dizem que a criminalização da homofobia levará à prisão em massa de pastores e padres, e viveremos todos sob o domínio gay. A história ensina que, cedo ou tarde, a lei, ou outra qualquer com objetivo similar, será aprovada, e a vida seguirá seu curso regular sem nada de extraordinário.
Os evangélicos e aliados dizem que proibir a discriminação contra gays fere a liberdade de expressão e religião. Dizem que padres e pastores, na prática de sua crença, não poderão mais criticar a homossexualidade como pecado infecto e, se o fizerem, vão parar no xadrez. É uma interpretação tão grosseira da lei que é difícil crer que seja de boa-fé.
Tal como está, a lei não proíbe a crítica. Proíbe a discriminação. Não pune a opinião. Pune a manifestação do preconceito. Uma coisa é ser contra o casamento gay, por razões de qualquer natureza. Outra coisa é humilhar os gays, apontá-los como filhos do demônio, doentes ou tarados.
Alegam que a liberdade religiosa fica limitada porque combater o pecado vira crime. É um duplo equívoco. O primeiro é achar que uma doutrina de crença em forças sobrenaturais autoriza o fiel a discriminar o herege. O segundo é atribuir à lei valor moral. O direito penal não é instrumento para infundir virtudes. É um meio para garantir o convívio minimamente pacífico em sociedade. Matar é crime não porque seja imoral, mas porque a sociedade entendeu que a vida deve ser preservada.
O que essa proposta pretende dar aos gays, e sabe-se lá se terá alguma eficácia, é aquilo a que todo ser humano tem direito: respeito à sua integridade física e moral. Os evangélicos, pelo menos os que foram a Brasília, dão prova de desconhecer que seres humanos não diferem de coisas só porque são um fim em si mesmos. Os seres humanos diferem das coisas porque, além de tudo, têm dignidade.
E, para o cristão fundamentalista que ainda insiste na bravata do "direito da liberdade de expressão", eu irei citar mais um excelente texto:
Caso Ellwanger.
Copiado de Verdes Trigos. [original perdido]
[...]A segunda questão discutida pelo STF versou sobre o tema do eventual conflito entre princípios constitucionais, tendo sido ponderada, no caso concreto, a existência ou não de uma antinomia entre a liberdade de manifestação do pensamento e a condenação de Ellwanger pelo crime da prática do racismo.
Esse tema foi amplamente discutido pelo STF, cabendo destacar os votos dos ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. A orientação fixada no acórdão foi a de que a garantia constitucional da liberdade de expressão não é absoluta, tem limites jurídicos e não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações que implicam ilicitude penal. No caso concreto, explicita o acórdão: "O preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica".
Nota posterior: Para que cristãos fundamentalistas ofendidos não tentem (como é de praxe) distorcer meu texto, sublinhei o trecho principal do acórdão do STF. A questão aqui não é o racismo, mas a condenação ao desrespeito ao direito constitucionalmente previstos para todos, incluindo os homossexuais. Discriminação é discriminação, continua sendo crime, mesmo disfarçada ou dissimulada como "exercício do direito da liberdade de expressão e opinião".
Repostado. Texto originalmente publicado em 27/08/2009, recuperado com o Wayback Machine.
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