Qual o papel da igreja na vida de LGBT religiosos? Foi a partir desta pergunta que o diácono da Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo, Dario Neto, e o pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo, Márcio Retamero, apontaram os rumos desta delicada relação. O tema "Estado e Religião" fez parte do 9º. Ciclo de Debates, atividade dividida em três mesas de debates, ocorrida no dia 11 de junho (sábado), na Câmara Municipal de São Paulo.
Dario fez uma reflexão sobre a distorção inerente à vivência cristã e ao individualismo capitalista, em prejuízo dos valores comunitários. "As angústias individuais levadas ao ambiente religioso não são entendidas pelo que são, sintomas da ausência de uma vivência comunitária sã", afirmou. Para ele, a vivência cristã num ambiente de competitividade capitalista forja uma relação doentia entre os indivíduos, na medida em que algo só lhes diz respeito se lhes beneficia com lucro.
A partir desta reflexão, não são apenas os LGBT que se confrontam com essa vivência difícil na igreja, mas os heterossexuais também experimentam a exclusão e a subordinação para ter direito à salvação. "Para LGBT é pior, pois a sexualidade está estampada no corpo homossexual, tornando-nos alvos prediletos da exclusão", diz Dario. É preciso reprimir a própria sexualidade para comungar, mas "quando resolve romper, não faz isso para ressignificar sua espiritualidade, mas para negar tudo que viveu".
Dario mostrou que é muito comum a trajetória em que homossexuais acabam negando a igreja para viver sua homossexualidade, criando uma lacuna espiritual que é preenchida, muitas vezes, nos cultos afrobrasileiros como umbanda e candomblé. "O problema é levar para a diversidade politeísta do candomblé a lógica cristã maniqueísta, que entende a pomba gira como uma possessão demoníaca, distorcendo os signos daquela vivência religiosa", alerta Dario.
"Um ex-gay é sempre evangélico fundamentalista, nunca ateu", provoca Dario. Ele mostra que muitos voltam "ex-gays" para a igreja evangélica carregando esse discurso preconceituoso e racista contra o candomblé. Estes casos também são minoritários, mas freqüentes entre homossexuais que retornam à igreja. São pessoas que acabam se casando, tendo filhos, e abandonando-os ou envolvendo-os em sofrimento depois, em meio à descoberta de que o milagre da cura homossexual não ocorre.
Para Dario, as igrejas inclusivas são o espaço de ressignificação da religiosidade a partir do desafio de superação da moralidade vigente nas igrejas, não apenas contra a homossexualidade. "Tornam-se espaços do amar ao outro como a si mesmo, que é a chave do cristianismo, e o estabelecimento de uma relação ética e não moral entre os indivíduos", analisou.
Os últimos apedrejados
Após esta reflexão, o reverendo Retamero contou de sua experiência na igreja inclusiva e suas impressões sobre o que observa nas igrejas tradicionais. Ele observa que a exclusão da igreja se dá sempre em relação à populações mais vulneráveis como judeus, negros, mulheres e homossexuais. Ele relembrou o caso do pastor Marcos Feliciano, deputado paulista que escreveu nas redes sociais que a África é maldita porque os negros são os filhos de Caim. "O pensamento religioso contamina a percepção da realidade com sua cosmogonia", disse o pastor.
Para o pastor, os LGBT são a "última Geni", referindo-se à personagem da canção de Chico Buarque, que a sociedade elegeu para jogar pedra. Da mesma forma que a Bíblia pode ser usada para naturalizar a homofobia, pode justificar o rascimo, o antisemitismo e a misoginia. "No entanto, porque não se levantam esses pastores e deputados para defender o direito à livre expressão contra negros, mulheres e judeus?", desmascarou. Para o reverendo, a resposta mais contundente contra emenda ao PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, veio da comunidade judaica, que recusa qualquer flexibilização dos crimes de calúnia e difamação, preconceito e discriminação étnica, sexual ou racial.
A resposta judaica revela inclusive, que a bancada religiosa não está lá para defender seus direitos, mas para "assaltar o poder", em sua opinião. "O crescimento desta população e de sua influência moral se dá em progressão geométrica", alertou.
O pastor contou que as igrejas inclusivas surgem num contexto de luta política e social, e não apenas LGBT, uma desconstrução de praticamente todos os valores religiosos tradicionais. "O movimento não admite isso, mas a ICM tem sido a linha de frente do combate ao fundamentalismo religioso", declarou o reverendo Retamero, elogiando a "coragem imensa e o senso crítico e de oportunidade" do tema da Parada deste ano: "Amai-vos uns aos outros: Basta de Homofobia!".
"O discurso fundamentalista encontra eco, o nosso não!", lamentou o pastor, explicando que esse discurso é apelativo e performático, nunca neutro, mas demanda uma tomada de atitude do indivíduo. "O discurso da laicidade do estado precisa encontrar uma base de mobilização, por isso acredito na importância da ressignificação que a Parada de São Paulo faz do amai-vos uns aos outros."
O pastor contou casos de famílias que o procuram em busca de apoio espiritual diante do suicídio ou assassinato de seus filhos homossexuais. "Queremos trazer dignidade de novo a essas pessoas tão massacradas pelo discurso de ódio dos fundamentalistas", propôs. Para ele, seu trabalho é desmascarar a "proteção à família" que esses homens pregam. "Que família é essa que eles estão protegendo?", questionou, citando as famílias que recorrem destruídas a seu amparo, após sucumbirem ao discurso excludente de seus pastores. "O que fazem com essas pessoas é um abuso bíblico, um verdadeiro estupro fundamentalista", atacou.
Para ele, os LGBT têm direito a uma prática de fé e sua igreja se propõe a uma nova reforma protestante. "E eles estão ouvindo o nosso discurso, diante do cansaço e do medo que as pessoas estão tendo do fundamentalismo e do projeto de poder de suas igrejas." Para ele, essa é a hora de discutir o fundamentalismo, já que não apenas as classes D e E estão aderindo a isso, mas também as classes médias, segundo pesquisa do Iser publicada por Regina Novaes.
Retamero conclui dizendo de sua opinião sobre o PLC 122/2006. Para ele, trata-se de um projeto natimorto, que só foi buscar dialogar com os religiosos e fundamentalistas quando já havia sido completamente derrotado na sociedade. Em sua opinião, deve virar um arremedo de projeto, tratando como homofobia apenas a agressão física e não a verbal.
Fonte: APOGLBT-SP. Orignal perdido. Repostado. Texto originalmente publicado em 25/06/2011, resgatado com o Wayback Machine.
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