Na cidade grande, onde Joãozinho foi forçado a nascer e crescer, não é fácil nem agradável ser gente. Um povo que maltrata seus iguais não merece viver.
De vez em quando vinha gente de fora, contando coisas para lá de trás dos montes. Mas quando se vive há tanto tempo quebrando pedra e comedo carvão, nesse ambiente de ferro, vidro e cimento, esses contos parecem com as lendas que velhos sonham.
Joãozinho ia levando essa vida medíocre e melancólica, levando a reboque nas costas, em uma mochila de couro de vaca, toda a carga do seu passado que o fizeram acumular para sobreviver. Ele ia de um lado a outro, tentando com todas as suas forças, procurando por uma vida melhor, mais saudável, mais feliz, mais prazerosa. Um viajante, interessado em levar a vaca de Joãozinho ofereceu-lhe três feijões que ele havia trazido de lá de trás dos montes que, se Joãozinho plantasse no lugar certo, no dia certo, sem duvida que conseguiria ter uma vida melhor, seria dono de um castelo, onde encontraria um ganso mágico que põe ovos de outro.
Livrar-se da bagagem era uma ideia convidativa mas não era agradável, pois a mochila era como que costurada na pele das suas costas. Seria uma grande dor e sacrifício para ganhar três feijões encantados, mas a idéia de ser rei o estimulou e, com uma adaga, com as próprias mãos, Joãozinho separou aquilo que o unia a essa carga. Somente então ele se deu conta da tralha que tinha consigo e de quanto tempo e esforço havia desperdiçado com tanto entulho.
O viajante pegou a mochila e sumiu tão misteriosamente quanto apareceu. Sem demora, Joãozinho caminhou para o campo e, em uma noite de luar, plantou os feijões, esperando o melhor.
No dia seguinte, os feijões tinham brotado e crescido, estavam maiores e mais fortes do que um carvalho, através deles chegou nas nuvens e até encontrou o castelo. Mas o castelo tinha dono, um gigante que, prometendo a Joãozinho que iria ensina-lo a ser gente de verdade, o colocou para fazer diversos serviços, sem sentido, esdrúxulos, mais do que difíceis, impossíveis de serem realizados.
No devido tempo, Joãozinho percebeu que o gigante não era tão grande, tinha seus defeitos e inseguranças, era tão aprendiz na difícil arte de ser gente de verdade quanto ele. O ganso tinha nada de especial, suas penas eram comuns e seus ovos não eram de ouro. Joãozinho fez aquilo que era necessário e precisou ter muita coragem em quebrar as correntes, abrir a jaula, encarar o gigante e desprezar o ganso. Joãozinho recuperou algo que ele julgava que nunca tinha tido: liberdade.
O gigante bufou, esperneou e encenou a expulsão de Joãozinho do castelo, para manter a imagem, como se não tivesse sido Joãozinho o autor de toda a ação. Joãozinho voltou ao fatídico pé de feijão onde tudo começara e encontrou-o quase todo murcho e seco, seria arriscado demais voltar das nuvens para o chão descendo pelo mesmo caminho que subiu.
O gigante estava em seu encalço para lhe dar uma marretada, mata-lo teria um efeito melhor do que chuta-lo. Joãozinho respirou fundo e pulou, torcendo para que, quando o chão chegar, não doesse muito.
Não há final feliz para Joãozinho. Nem poderia haver. Para cada historia de sucesso, para cada herói, existem milhões de esqueletos. Joãozinho é só mais um anônimo. Tudo o que ele queria é ser gente, ser visto e reconhecido como gente, receber respeito e consideração. No mundo dos homens não existem gentes, apenas criaturas mesquinhas, gananciosas e cruéis. Anda que realizasse seu sonho, Joãozinho estaria terrivelmente sozinho. Como todo sonhador, ele queria um mundo melhor não apenas para si, mas para todos.
Então ele ouviu uma voz, a voz do seu verdadeiro eu, aquele que, dentro dele, o mantinha em contato direto com seus ancestrais e seus Deuses. Em sua queda, Joãozinho teve a sensação de plenitude e encontrou consolo e respostas. O chão não chegou e Joãozinho não se espatifou. Ele voou e, com suas próprias asas, poderá ir aonde quiser e poderá levar o que quiser. Joãozinho não tem um final feliz porque nunca precisou ter um. Mesmo que ninguém saiba de sua história, ela será conhecida por quem importa: ele.
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