Alguns alunos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) decidiram criar uma “nova categoria” de competição nos jogos universitários deste ano, o InterUnesp. A “categoria” foi denominada de “Rodeio das Gordas”. Alguns rapazes começavam a bater papo com garotas, como se tivessem iniciando uma paquera. De repente uma delas era agarrada, até conseguir se livrar do seu agressor. Enquanto alguém cronometrava o tempo que o agressor conseguia segurar sua vítima, outras alunos caçoavam dela, fazendo com que agressão física também fosse uma agressão moral.
O fato, absurdo, aconteceu em um evento que deveria promover a confraternização entre os estudantes de 20 campi da Unesp, espalhados pelo interior de São Paulo. Os agressores são alunos de uma das mais disputadas universidades públicas do País. A maioria pertence a famílias de classe A e B e frequentou os considerados melhores colégios antes de ingressar na universidade.
O fato não é isolado. No dia-a-dia das salas de aulas, milhares de alunos reproduzem valores de uma sociedade que não valoriza a diversidade e a diferença. É evidente que a educação para a diversidade também é função da sociedade e da família, mas deveria ser privilegiada na escola.
A Organização das Nações Unidas (ONU) considera quatro as principais funções da escola. Que o aluno “aprenda a conhecer”, “aprenda a fazer”, “aprenda a ser” e “aprenda a conviver”. Esta última função, se cumprida, faria a escola desenvolver capacidades cognitivas que levassem o aluno a respeitar e valorizar a diversidade, a proteger o meio ambiente, a atuar pelo fim da miséria e pela consolidação da democracia, entre outras ações.
No entanto, nossas escolas, principalmente no ensino médio, não cumprem nem esta, nem as demais funções citadas. Os currículos escolares estão demasiadamente orientados para os vestibulares. A maior parte de quem acessa o ensino superior público só sabe acertar questões. Decorar o que é um ditongo, saber os afluentes das duas margens do Rio São Francisco, fazer analise sintática das orações, distinguir as diferenças entre um triângulo isósceles, escaleno ou equilátero, lembrar o último ganhador do Nobel da Paz ou definir as estalactites e estalagmites não garante que uma pessoa seja bom pesquisador, bom administrador, bom servidor público, bom pensador ou bom cidadão.
O que ainda fazemos é uma educação “bancária”, que deposita conhecimento nos alunos. A diferença entre algumas escolas privadas e a maior parte do ensino publico é que as particulares depositam justamente o conhecimento que pede o vestibular. No mais, as duas são muito ruins e o que fazem em seus espaços não pode ser chamado de educação. Acontece que quem tem as condições familiares, sociais e financeiras participa de um vestibular como de um rodeio, onde eles têm muito mais condições de segurar suas vagas.
Como resultado temos ações como as destes jovens que acham natural estigmatizar padrões de beleza e atentar contra a moral e contra a integridade física de outras jovens. E, se tudo der errado é só pedir desculpa, dizer que foi só mais uma brincadeira e apagar os relatos de suas redes sociais, como se isto pudesse apagar a violência na memória das vítimas.
Vale lembrar que estes alunos agressores foram selecionados para a Unesp em nome da meritocracia. Pois eu afirmo, a meritocracia defendida pela maioria de nossas universidades não passa de um engodo para justificar as vagas e as carreiras na universidade pública. Se fosse mesmo por mérito que cada aluno conquistasse seu lugar nessas instituições, as lista de aprovados seriam bem diferentes. E não contariam com os alunos que organizaram e com os que foram coniventes com este "rodeio".[Último Segundo][link morto]
O brasileiro, tão anestesiado pelas sucessões de escândalos e descalabros que só acontecem na República das Bananas, deve imaginar: "Ah, são jovens, isso é normal, acontece de vez em quando". Não é normal não. Nem acontece de vez em quando. Tivemos a Uniban e a Geisy Arruda. Tivemos a USP e a homofobia explícita. Sem falar em inúmeras notícias todos os anos relatando os trotes violentos, como o que resultou na morte de Edson Tsung.
Esse é o resultado de nossa falta de consciência política. Esse é o resultado de elegermos mal nossos governantes. Esse é o resultado de uma classe política mais interessada em se perpetuar no poder, em amealhar a res pública, do que em administrar o bem público. Esse é o resultado que se reflete no sucateamento da saúde, na ineficiência do transporte público e, por fim, na decadência da educação.
Acorda, Brasil!