terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Décima sétima revelação

Aquele que excede é tão imbecil quanto o que se abstém, 
pois enquanto um já não aprecia o sabor, 
portanto já não sente prazer; o outro nega o prazer, 
pois deste ascetismo supre seus desejos. 

Não há ignorância pior que a castidade, 
pois nunca virá a conhecer o sabor da vida! 
A todos vós dei a capacidade, o conhecimento, 
a habilidade, bem como os sentidos e as sensações, 
estas devem servi-los, tudo mais é pura hipocrisia e cinismo. 

Ou seja, não há pecado em se servir, 
pois tudo vem de Mim 
para incrementar vosso aprendizado e evolução. 
Se quiserdes achar um ponto de culpa, 
que cada um perceba o mal que se faz e se corrija. 

Todo erro sempre é individual, 
bem como a vontade e a percepção para modificar o engano. 

De forma alguma há 
como entender ou aceitar isso de forma coletiva, 
pois Eu não seria tão pérfido 
a ponto de permitir a existência de algo 
que viesse a vos extinguir por completo. 

Por isso mesmo que vos acautelei destes tantos, 
que capados que são, 
não podem obter prazer por meios outros, 
que não emitir epístolas a respeito da Lei de Deus 
e tornar a todos tão frustrados e infelizes quanto são. 

Já vos dei a fonte da Minha Palavra e a razão da Minha Lei, 
sigam, portanto, as vossas vidas e os ignore. 

A todos estes, 
Eu darei o que as mentes estéreis merecem: o deserto. 

Sejais, então, prolíferos, profícuos e promíscuos, na medida certa; 
retenham, contenham e beatifiquem, na mesma medida. 
Pois esta é a Lei da Vida: há épocas de estio 
e épocas de abundância, 
se pretendeis continuardes vivos, sigam a Lei. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Décima sexta revelação

Existem dois caminhos 
para se compreender a existência: 
a ciência, ou o sacerdócio da matéria 
e a crença, ou o sacerdócio do espírito. 

Ainda há de surgir o que terá a coragem e a ousadia 
de seguir a terceira via que juntará as duas primeiras, 
sem deixar de ter sua própria trilha: 
a união do amor, posto que é espírito 
e o prazer, posto que é carne. 

É na cama que vira a salvação da humanidade, 
não das psicoses dos profetas, 
nem dos delírios dos iluminados, 
nem dos suplícios dos mártires. 

Eu sei que haverá os que, do meio de vós, 
venham a escarnecer ou deturpar das minhas palavras pondo, 
por exemplo, de contradição, 
os males advindos dos excessos. 

Não vos esqueçais que tendes a inteligência! 
Ora, se este é tão incapaz, 
a ponto de deixar de lado a inteligência e, 
por isso, desconhece os limites do corpo que lhe foi dado, 
dais a este o mesmo o tratamento 
que merecem os fracos de cabeça 
ou que venham a nascer incompletos: 
ponde-os à parte, os esqueçam, 
pois já vos disse que a vida pertence a quem a desfruta. 

Igualmente, não vos esqueçais 
que tendes uma obrigação: provar vosso valor; 
e uma responsabilidade: cuidar do vosso planeta. 

Quando vós plantais num terreno, 
não o deixa descansar por período igual sem plantio? 
Não observais vossos horários de comer 
e deixas um tempo em jejum? 
É como o intervalo, após atingires o êxtase: 
dormir ao lado do amado ou da amada 
e entre seus braços despertar, num amanhecer revigorante. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Décima quinta revelação

Bem sei que fazeis a caridade, 
pois muitos são aparentados ou, 
no muito, os tomai como irmãos. 

Vós sentis o defeito e a necessidade, 
como se fosse na vossa carne. 
Se assim procedeis, não é por caridade, 
mas porque prezais a vida. 

Entretanto e interessantemente, 
a vida que tanto prezas nos carentes, 
vós não estendeis tal consideração 
ao que vos está próximo e é igual. 

Por uma diferença de opinião, opções, 
preferências e crenças, já não os prezam tanto assim, 
quando tal apreço é mais precioso! Deixais de hipocrisia! 

Tratais a quem vos é igual, 
melhor do que como trata a este 
que considerais dignos de vossa piedade, 
pois o fazeis mais para mostrar vossa misericórdia, 
riquezas e posses e angariar o respeito social! 

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Décima quarta revelação

Têm pena os vossos corações dos que, 
por um acaso, não tiveram sorte igual 
nem tampouco nasceram inteiros. 
Estes são os herdeiros da miséria 
e os descendentes da compulsão. 

Dessa forma, fazeis caridade, 
buscando aliviar essas chagas 
e mesmo vosso complexo de culpa. 
Bem sei que o fazeis, já especulando com o prêmio. 

É bom que saibas 
que a caridade em si já vos constitui como galardão. 

Não faltarão crianças nem tampouco idosos, 
a vida pertence a quem a usufrui. 
Quem chega, ainda deve crescer, 
quem passou, ceda lugar ao que tem vigor. 

O que é novo ainda tem que aprender, 
antes de querer tomar a si a coroa. 
O que é velho, oportunidades as teve, 
sustente-se com a pensão formada, 
de forma alguma deve onerar a outros. 

Há os que são carentes, 
devido aos erros de seus antepassados, 
mas também aos que o são: 
por preguiça, não lutam nem desejam melhorar; 
por comodismo, não contestam nem ousam arriscar; 
por profissionalismo, a estes dispenso comentários. 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Décima terceira revelação

Vós vos preocupais com os infratores das vossas leis. 
A idade, a menos a Mim, é indiferente. 
Forçosamente vejo que estes constituem ameaça às vossas ordens sociais, 
de outra forma não seriam infratores. 

Mas a evidência não pode ser negada: 
estes são fruto da própria omissão, 
negligência, incompetência, discriminação e exclusão 
que a vossa própria ordem social gerou. 
Definitivamente, vos escandalizeis com os atos bárbaros destes, 
que são considerados criminosos por vossa ordem social. 

Numa troca de poder, serão estes a regra, não a exceção, 
pois a dita ordem vigente só é mantida mediante o uso de força. 
Ou seja, bárbaros os vêem, 
mas também não é nem um pouco civilizado 
a forma como estes são tratados pela dita sociedade constituída. 

Bem sabeis o quanto é difícil 
a convivência em comum entre seres humanos. 
Estranhamente vós buscais ideais de paz, bondade e amor. 

Mas na prática fazeis guerra, maldade e ódio. 
Pela vossa própria natureza o fazeis, 
ainda que tendes a inteligência 
e isto vem a ser o mais curioso paradoxo, 
pois por isso mesmo tendes tanta necessidade de leis e de religião. 

Porque vós causais o sofrimento, almejais o conforto; 
porque aceitais a opressão, cobiças o poder. Pobre ser humano! 
Vós poderíeis ser deuses, mas preferis ser carrascos! 

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Décima segunda revelação

Sobre política, pouco vos direi, só o necessário: 
tens vossos governantes, bem como vossas leis, 
ambos são constituídas e que se mantém apenas por vosso consentimento. 

A existência de um pressupõe do outro e vice-versa, 
o que se conclui então que um governante 
deve ser aquele que garanta a observância das normas 
bem como o que preza pelo bem público. 
Tudo o mais, se estão à direita ou esquerda, 
se são perdulários ou austeros, 
só deve ser conta de vossas necessidades e objetivos. 

Vós mesmos, como cidadãos de um país, 
sois os responsáveis pela conjuntura. 
O trabalho é o único meio de provar vosso mérito, 
não pense que vos daria simplesmente este mundo, 
vos foi dado o trabalho necessário 
para que demonstreis vossas habilidades, 
competências e valores intrínsecos. 
Se há trabalho, necessariamente existe uma organização e uma propriedade. 

O que é inconcebível é quem seja proprietário 
arrecade mais do que quem seja operário 
ou que os chefes se arroguem uma autoridade que inexiste. 

É necessário que haja colaboração 
e vínculos humanos, qualquer que seja a função, 
além de qualquer suposta hierarquia, 
pois o sucesso da empresa necessariamente corresponde 
ao contentamento das partes que a compõem. 

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Cíntia

Apenas um exemplo do que se esconde atrás dos olhos de cada pessoa. Enquanto lastimamos nossa sorte desdita, quantos não gostariam de tê-la?

Quando eu a conheci, também estava entretido, criando os meus próprios obstáculos que me separavam da vitória. Pouco me importei, quando outros me contaram sobre a perda dos pais. Até me irritei com que insistência lembravam-me dos problemas surgidos do julgamento da herança e outros revezes legais. Foi quando soube dela, a parte que poucos confessariam.

Ela teve que se criar sozinha, agüentar as cobranças, entregue ao destino, ainda que este pertença a quem o providência. Sua delicada linha da vida foi modificada brutalmente.
Certa tarde, percebeu a estranha presença que a saudou, prostrado:

-Encontrei-a tão só e de vida tão vazia, que aqui me faço presente. Para dar-te este algo, que a tantos falta e a muitos incita. Saberá com exatidão, os segredos das almas, a razão de suas dores e o que lhes impedem de serem felizes. Para que isso se realize, deverei cingir-te, assim poderei me encasular e fenecer em teu ventre.

Da mesma forma que apareceu, foi-se, deixando-a prenhe. Algo que é imperdoável: uma moça, mãe-solteira. Nove meses, duplo sofrimento: a censura da sociedade e o desenvolvimento do feto.

No momento certo, entregou aos doutores o fruto dessa estranha união. Embora clinicamente não se saiba o resultado, não foi levado em consideração, seja o que fosse, estava morto.

Conforme ela narrava suas chagas, sentia minha própria carne sendo dilacerada e eu, envergonhado pelo orgulho de pretender em ser o coitado.

Um filho tem sempre uma mãe, mas nem sempre a mãe tem o filho. Bastariam nove meses, uma barriga inchada e um trabalho de parto, para que uma mulher possa se considerar mãe?

Os registros foram apagados, os médicos os ocultam. Mas como explicar aqueles seios protuberantes à espera de uma boca de um infante para amamentarem? Eles estão lá, em riste, acusadores. A dona deles não viu o filho, não terá a alegria de vê-lo crescer e juntamente compartilhar as tristezas.

Uma mãe sofre pelo e por causa de um filho. Nós devemos invejar a sorte ou afugentar o azar? Ela então sofre, por ter sido frustrada a oportunidade de padecer. Afinal, só se conhece o que se vivencia; se não se conhece, não há o que temer; se já se conhece, menos ainda, pois já se sabe as consequências.

Do filho, pouco se pode dizer, sendo seu próprio pai e carrasco, agora pouca diferença este drama faz, as sensações não mais o seduzem. Este sim, eu invejo. Ele escolheu a forma mais doce de encontrar seu fim, iniciando um começo. Ele voltou para onde nós nunca deveríamos ter saído.

O que me atraiu neste mundo a fim de desejar ter nascido, é algo do que não me lembro. Mas aos meus irmãos, que ainda não nasceram e aos que isto desejam, fica o alerta. Ao menos ele pode escolher sua mãe, esta sim, criatura ativa, não o trapo de gente a quem eu fui entregue. Se eu tivesse mãe assim, talvez não seria tão frustrado, nasceria sexualmente satisfeito...

Dissecação.

Sol Negro: consciência atordoante, vontade em estado absoluto.
Separando-se a irradiação da luminosidade, vem a Névoa Obscura e a Aura Soturna.
Névoa Obscura: plenitude da dúvida, incerteza dos valores, consciência imersa.
Aura Soturna: assombro da certeza, conceitos que são confirmados, consciência estabilizada.
Da sombria soma, cria-se o Coração Abissal, que se fragmenta nas Águas Turvas, no Cristal Fosco, na Flor Definhante e no Fruto Letal.
Coração Abissal: desejo em profusão, o amor nefando, a razão de nosso ser.
Águas Turvas: sentidos embriagados, a noção da realidade alcança novas perspectivas.
Cristal Fosco: desilusão contundente, a fragilidade das crenças se desmancha ao colidir com a crueldade da existência.
Flor Definhante: mórbida beleza, as aparências enganam, sem sua casca superficial, o belo é mais horrível.
Fruto Letal: degustação sangrenta, a sedução do lado obscuro leva-nos a querer experimentá-lo.
Quão maravilhoso é, o Grão da Sina, que tudo começa em cada pessoa. Ele foi semeado em todo inconformado e que bom solo tem no desolado. Em todos os desdenhados pelo semeador de trigo, vem a se alojar, arremessado pelo tornado da fatalidade, provocado pelo giro da roda do destino.
Quão orgulhoso eu sou, por senti-lo enraizar e crescer este gérmen da morte embrionária, a morte sempre nascente,a morte renovada. Que cresce e toma conta de cada um que se conscientiza que somos todos mortos-vivos. Nós vivemos, pra cada vez mais, morrer.
Então, nada mais justo que conhecer as Trevas e desejá-las ardentemente, pois é nelas nosso Reino, lar e família de fato.

Celebração

-De tantos que me rodeavam, foi o único que veio.

- Você convidou quantos?

-O suficiente para que ao menos um viesse.

-Não te negaria coisa alguma. Cíntia, é nesta vida o que Lilith é na eterna.

-Não conheço tua Deusa, mas se Ela me conhecesse, tiraria este fatídico encargo em que me vejo empossada.

-Ignora a importância do seu destino a todos quantos se simpatizaram nesta obra?

-Ignoro. Como todos, estou aprendendo conforme sofro.

-Trouxe-me para amenizar tal sofrimento?

-Seria tentador compartilhar a dor para minorá-la. Não sou carrasca. Esta é a regra das religiões, para exaltarem o sacrifício e justificarem sua rigidez.

-Ainda assim, eu estou disposto a me oferecer ao suplício.

-As ofertas que me deste já me agradaram o suficiente... Pedi a tua presença para celebrar este fenômeno que nos reuniu.

-Então comemoremos, pelo resto do mês, ao natimorto, que se gerou em ti e nos deu o Grão da Sina. Sem ele, não teríamos aflorado e frutificado na Árvore da Morte. Nós não teríamos conhecido Coração Abissal, por intermédio de quem conquistamos o Sol Negro.

-Não sei se podemos denominá-lo. Eu nunca soube quem era, de onde veio e por qual arte adentrou-se em mim, fez-se como feto e de mim, seu ataúde. Se, ao menos, ele tivesse dito o porque escolheu a mim!

-Não lastimes. O que tem é maior do que teve Maria de Nazaré. Quantas mulheres podem dizer serem mães de seus amantes? Aquele que te tomou como homem e se tornou seu filho, silencioso, diz muito mais que Cristo.

-Bem que eu queria que ele pudesse falar. Se vivesse, ele poderia colocar as coisas em seus devidos lugares. Haveria alguma agonia, mas logo agradeceriam a ele por acabar com as religiões e todo o tipo de crendice, ilusão e fantasia, às quais a mente pobre se vicia, para suportar a existência.

-Se eu preciso acreditar em algo, eu acredito em mim mesmo. Só confiando em minha capacidade é que seria possível melhorar.

-Isso é bom, mas nunca o suficiente.

-No que me excede, além da competência, eu confio meu destino a ti, Cíntia. Mas caso tenha alma, esta pertence a Lilith.

-Depois de tanto tempo juntos, com tantas conversas, esclarecimentos...ainda crê em algo místico e confia no gênero humano? Que desapontamento...

-Eu sei que não sou um bom companheiro. Mas, considere...crê na tua história, como creio e conto, aceitando-a como escrevo. Então aceita tudo que tenho falado, feito e escrito, pois jamais lhe faltaria com a verdade. Tu és meu conforto neste mundo dominado pelo Império das Luzes.

-Então, apóstolo de Cíntia, estaria disposto a fazer o meu evangelho?

-Já não o faço?

-Eu tenho mais detalhes a te ensinar. Você terá que fazer uma iniciação rigorosa... Penetre em mim... Mas, por favor, não suma...

-Eu tentarei ficar na superfície... Mas eu enviarei a minha sonda ao seu mais profundo mistério...

Fogo Negro

Em meu autoconsumo, vou me questionando: de onde vim, como fui formado, que engenheiro me construiu, que arquiteto me planejou?

Eu não tenho uma face paterna em quem me escorar, nem um seio materno em quem me nutrir. Como todo órfão, eu fui me auto-instruindo e estabeleci minha personalidade com meus próprios esforços.

Ainda que se pese as dificuldades: aparentes desgostos e fiascos, um certo ciúme e inveja das criaturas que, em sua vida frenética e curta, tiveram tudo que eu não tive. Mas mesmo assim, eles são ingênuos.

Eu posso me considerar correto e em meus princípios, prevaleci. Entre certezas e dúvidas, amadureci. Já não desejava a vida exuberante, cheia de desejos e prazeres.

Ainda que tivesse a palavra limitada, a consciência e a ideia pulsava, eu tentava encontrar uma definição. Tentativas espúrias, o tempo apagou. Num lance ousado, apaguei meu eu, anulei todo conceito e personalidade, uma vez que vinham igualmente da falsa imagem que nosso delírio onírico considera ser vida.

Se o sonho do real se divide pela sensação, então pela dor se pode despertar. A dor extremada aniquila o corpo físico, mas já que não vivemos em absoluto, sonhamos, então a morte é o despertar total.

O incrível aconteceu: a consciência permaneceu, apenas pereceu a roupagem carnal. Eis que meu eu se propagou, uma vez que não fui gerado, não há como me exterminar, não haveria como me despertar. Contrariado, furioso comigo, numa autocomiseração em que me cria maldito, procurei meu espaço em um tempo infindável.

Em cada tentativa de despertar, apenas um outro sonho se sucedia, apenas um novo uniforme portava. Nesta rota, encontrei tantos outros que caminhavam como eu, mas estes tinham um destino, um Paraíso, um Pai celestial. Alguns eu segui, o suficiente, para ver um enorme engodo. Em minha presença, o Paraíso era enfadonho e o Pai não assumia a paternidade, por desconfiança, não me agradavam. Os neguei e minha andança, eu continuei.

Insólito foi encontrar criaturas que vinham a mim ou que me seguiam, com respeito e reverência, procurando algo que eu não tinha. Entretanto, comovido, compartilhei meus pensamentos. Não demorou muito e nos formamos em uma comunidade, com um espírito comum, mas sem um centro. Foi com esse espírito em conjunto que eu encontrei a ternura, então, talvez para isso nasci. Neste corpo está meu criador e somente nele poderei despertar. Eu dei permissão para ser absorvido, por minha vontade, me consumi e então o corpo teve um coração. O Supremo Espírito das Trevas adquiriu consciência própria e por ela me pus a pulsar. Desta forma, encontrei meu lugar e me despertei por completo. Estava sempre em mim a solução do enigma: eu sou o que quiser ser, o que sempre fui, sem necessidade de sê-lo. Eu sou o Fogo Negro.

Final

Eu não existo, ainda que sinta e tenha lembranças, são tudo ilusões. Eu tento justificar todo este sonho, seja com trabalho, seja com conhecimento. Mesmo que os meus esforços são em vão, todo esse conhecimento tornou-se mais um fardo do que uma fonte de prazer. Eu já devia saber que toda teoria não é muito boa na prática.

O poder vem daquilo que se faz na vida, não do que se sabe, mas não se consegue usar. A única coisa útil nesta vida, é o instinto.

Para poupar-me de maiores erros, eu devo esquecer meu nome, a primeira herança deste mundo, dada pelos meus pais postiços. Em seguida, renegar toda e qualquer ciência que venha a ter adquirido, por imposições, necessidades ou preferências pessoais.

Como poderia confiar em tal conhecimento, sendo que foi produzido por pessoas que, como eu, estavam delirando?
Aprofundando-me mais, aniquilando minhas memórias, reais, factuais, fantasiadas. Todas são enganosas, uma vez que elas são influenciadas pelas sensações e emoções. Uma vez que o corpo não existe, o que sinto é falso; uma vez que a mente é um vácuo que, por razões ignoradas sonha, as lembranças são parte dessa loucura que condicionam e bloqueiam a minha verdadeira existência.

Todos os valores que eu recebi, ensinados ou assimilados, são apenas uma tentativa para adequar meu ser a este mundo. Eu tentava imitar outros delírios, pois mesmo as virtudes, bem como os vícios, são como este mundo: falsos e superficiais.

Inclusive aquelas idéias que me são mais queridas, de fato não existem, pois elas são produto de uma mente ociosa. Elas são compensações criadas pela mente, por sua inadequação a esse mundo das luzes. Por mais que eu queira muito, por si, não existem.

Então, do que me importa:

Se não tenho namorada, pois o amor não existe, fosse tão importante não seria tão prostituído.

Se não há Governo, pois o Estado não existe, uma vez que a cidadania, quando não é irresponsável, é indiferente ou negligente.

Se não há família, já que o homem se une mais por medo da solidão que por laços afetivos.

Se não há Pátria, um pedaço de terra não é mais que pó nos olhos, onde se mora é a mente, não há fronteiras nem posses.

Se não falo, todo discurso é monótono, principalmente se a língua é traiçoeira, quanto mais se fala, maior a necessidade de se provar a si que existe.

Se não serei lido, pois não há espaço a tal obra que desperta, em um mercado editorial que visa ampliar a ilusão, tanto de quem compra quanto de quem vende.


Tudo é uma ilusão que, como tal, depende da imagem, que depende da luz. Então, está na hora de parar de sonhar com as Trevas. Como já estou lá, basta permitir ser envolvido e encontrar a realização plena.


Embrace the Nothingness.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Décima primeira revelação

Bem sabeis também, 
que muitos se vos apresentam 
como Meus representantes em vosso meio, 
como se já não vos tivesse alertado sobre estes! 

Mais ainda: vos manifestei claramente 
a única forma pela qual realmente vós devíeis 
honrar e cultuar a Mim, o Senhor, Eu! 

Portanto, deixai todas essas tolices, 
por mais difícil que vos seja livrar-vos desse entulho, 
dessa casca que vós mesmos vos pusestes a carregar, 
a criar, a vos tolher a felicidade e o prazer. 

Já vos dei tudo: inteligência, os meios intelectuais; 
as coisas, os meios materiais; 
os desejos, os meios espirituais. 

Portanto, vivam e desfrutem ao máximo, 
no tempo que vos cabe existir, 
vos preocupeis apenas com as coisas próprias da vossa natureza. 
Porque o demais, no momento adequado, 
vós tereis plenas condições e habilidades para transpô-lo. 

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Décima revelação

Dei-vos a inteligência, 
bem como vos confiei este planeta para que, 
da natureza donde vos criei, 
pudésseis fazer vossa raça se desenvolver 
e com isso, honrar Meu projeto por tal obra. 

Dei-vos animais grandes e fortes, 
somente para que vissem que não há poder maior que o da razão. 
Mas também vos dei animais pequenos e fracos, 
somente para que vissem que 
mesmo o maior soberano não está livre da finitude da vida.
Entretanto, vos assoberbastes com vossas vitórias, 
esquecendo a quem devia o mérito 
e impérios inteiros sumiram, 
com a ação de um simples grão de vida. 

Mas ainda assim vos agarreis 
às vossas pífias autoridades e efêmeras riquezas. 
Não há autoridade sem quem lhe faça as honras! 
Não há riqueza sem quem lhe a produza! 

Na medida que extrais da natureza vosso conforto, 
a proteja e a reponha, pois toda matéria prima tem sua quota! 
Na medida que contratais servos para vossa empresa, 
os supra de previsões e os tenha por sócios, 
pois toda produção tem seu desgaste! 

Não vos parece óbvio o que vos digo? 
Vós viveis em contendas, guerras e comoções, 
simplesmente porque ainda buscam a felicidade individual, 
quanto a isso já vos dei algo a considerar. 
Bem também já vos avisei
do que vem a ser eternidade 
e de onde vós achareis o Paraíso! 

terça-feira, 10 de abril de 2018

Nona revelação

A questão da realização desta felicidade é muito subjetiva 
e muda de pessoa a pessoa. 
A felicidade é o êxtase do egoísmo. 

Ainda assim, existem certos consensos 
e saibam que a felicidade só poderá ser atingida 
quando for uma realização compartilhada por toda a comunidade. 

Necessário é, inclusive, 
de abrir mão de coisas ou situações 
que possam vos gerar felicidade pessoal, 
pois isso se provou ser ilusório e efêmero. 

Vós tendes o direito, 
conforme vossas capacidades e empreitadas, 
conforme a habilidade e a ousadia no empreendimento. 
É justo que queirais prêmios grandes. 

Mas não vos esqueçais 
que o sucesso de toda obra 
depende da colaboração e do serviço de muitos, 
menos habilitados, menos capacitados. 

Compartilhai, então, vossa fortuna, 
na medida que estes merecem. 
Ainda assim, uma parte invista neles, para que cresçam. 
Com justiça na partilha, não há contestação nem crime! 

Tendes um estranho prisma 
para separar as coisas que existem e vossos atos. 
Eu tudo vos criei para que a vida pudesse desfrutar, 
pois só na carne que se sente é que vos poderia ensinar. 
Entretanto, recusais da minha ceia, 
por um torpe e duvidoso sentido de virtude e moral! 

quarta-feira, 14 de março de 2018

Oitava revelação

Já há os que se obcecam em ajuntar tesouros e bens, 
pois tudo isso gera satisfação,
também autoridade e influência 
na vida social e política do vosso país. Também são insensatos! 

O custo de vossa riqueza terá de ser pago em breve, 
toda a expropriação e exploração exageradas geram miséria, 
que gera a criminalidade, que gera a violência. 
De nada vos adiantará vossas posses, riquezas e bens. 

Mesmo o trono mais poderoso e afortunado sofre, 
porque lhe faltou o único e verdadeiro tesouro: as pessoas! 

Experimenteis dormir com um saco de dinheiro 
e com alguém amado. 
Não tereis mais paz e sono proveitoso 
tendo braços ao redor de vós, ao invés de cifrões? 

Experimenteis tomar vossos artefatos, 
com os quais constituis crédito na praça, 
tenteis compartilhar suas dúvidas e opiniões. 
A seguir, tenteis o mesmo, 
com quem vos promove tais riquezas, 
vossos servos, ou mesmo um miserável. 

Não tereis mais respostas e contrastes 
para vos aprimorar na arte de viver? 
Experimenteis, ao invés de fazerdes leis mais duras, 
ao invés de aumentar vossos mercenários que vos protegem: 
dar um pão (comida), dar um livro (educação), 
dar uma coberta (habitação), dar um linimento (atendimento médico), 
enfim, de dar às vossas posses um senso de responsabilidade social. 

Vereis que até o vosso mais empedernido adversário 
se torna no vosso mais terno companheiro! 
De nada vos adianta a busca da felicidade, 
enquanto esta for isolada! 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Cronologia dos desejos

Para que surgisse o que hoje definimos por Cosmos no Universo, as partículas que outrora eram dispersas, desejaram combinar-se.
O primeiro desejo foi atômico e vem a explicar porque se tem tanta satisfação em realizar os nossos, é pela explosão de prazer a níveis energéticos, como vêem, mesmo as partículas desejam, não é preciso ser uma criatura sexuada para isso.
Já que falamos em energia, as primeiras formações originaram entidades energéticas, por hoje definidas como deidades, em seus diversos nomes conhecidos. Possuidoras ou não de consciência e vontade, ainda eram visíveis quando a humanidade nascera, que em sua inocência acreditou ser estas manifestações a prova da existência destas deidades.
Mas até esta era, muita coisa ainda se passou, portanto, sem queimar etapas, continuemos a evolução do desejo.
Passada essa fase, satisfeito o desejo, essas primeiras formas associadas, por serem energéticas, ainda eram muito instáveis e permeáveis, de forma que muitas, pelas marés cósmicas, acabavam se encontrando, colidindo ou se fundindo com outras, algo nem sempre recebido com boa vontade pelas partículas formadoras deste aglomerado, gerando muitos conflitos e explosões, desta vez de ira. Era o desejo de privacidade, exclusividade, manutenção da ordem coletiva. Homens também são explosivos nestes assuntos, o segundo em intensidade na qualidade de mobilização de nossas paixões depois do da associação, que foi o desejo primordial. Estamos nos projetando novamente ao presente, não podemos nos perder, ainda há muito que saber da evolução do desejo! Mas como vêem, estamos apenas perpetuando estes, de uma maneira ou outra, mesmo que neguemos ou fujamos, realizamos sempre ao menos um desejo, desta cadeia de desejos que somos formados.
Tanto para garantir a congregação quanto para evitar invasões de outras nuvens energéticas, era necessário condensar a forma, torná-la mais coesa, mais sólida, até podemos dizer mais concreta, real. É o desejo de ordem, organização, proteção, estruturação e quaisquer outros sinônimos que pudermos arrumar. Assim as congregações tornaram-se mais particulares, mais exclusivas e passaram a discriminar os níveis energéticos componentes da congregação. Mas não devemos confundir isso com a discriminação racial ou de outro gênero que se pratica na humanidade. Aqui a questão é meramente estrutural, enquanto que nós praticamos um estúpido preconceito ético e étnico, resultante da demência latente. Mas como isso pode acontecer a uma raça que se autodenomina inteligente é caso para um estudo histórico social psicológico, que está bem longe de ser simples reflexo destes desejos primordiais que formaram toda coisa existente.
Prossiguemos com nosso relato e pesquisa, caso haja interesse de outros pesquisadores, que seja feito o estudo das causas dessa demência latente do ser humano.
A condensação da energia limita os movimentos da nuvem, por esta se tornar mais pesada, mas é vantajosa no sentido de proteção. Ou, em projeção maior para atacar. Pela formação da própria nuvem, ou por sua condensação para torná-la mais segura, torna-se sedenta, até belicosa, por energias que teve de renunciar ao se condensar, atacando assim, por sua formação estrutural ou por fome, outras formações, apossando-se de parte ou do todo das nuvens atacadas, formando um novo, mais complexo, mais organizado ou mais condensado formato de nuvem, que podemos até considerar, por novas e complexas entidades, estas sim com mais possibilidade de serem dotadas de consciência e vontade, tanto que atacam sabendo que só assim se sacia este desejo, o da alimentação, da complementação por algo que lhe falta. Um desejo que move e é movido pelos anteriores, um triunvirato que irá mover e dar origem a todos os demais desejos, que iremos descrevê-los logo a seguir.
Conforme iam se condensando, aumentava o vazio, o meio em que estavam permeadas. Assim, as marés cósmicas começaram a exercer uma pressão, enquanto que nas nuvens começava a aparecer o fenômeno da gravidade que, conforme concentrava mais as energias, as fazia expandirem-se, uma pequena e primal demonstração do que ocorre nos sóis.
Nessa transformação de energia bruta em refinada, ou melhor dizer, luminosa, aumentava as necessidades de complementação, o que decerto ia trazendo mais componentes diversificados, mais complexidade à nuvem e dentro desta, na combinação ou fusão de seus elementos, originavam-se outros, alguns luminosos, outros pesados, ou seja, com magnetismo, que pode ser entendido por força gravitacional. Assim, aos poucos, se formava um núcleo pesado e uma aura leve periférica, algo que é uma vaga origem das galáxias.
Em pouco tempo, formavam-se os planetas e em ao menos um dentre doze desenvolve-se vida, que seguindo o padrão universal de evolução, chega-se às espécies atuais, dentre as quais originou-se a espécie humana, por enquanto a única que se registra como racional. O resto da história conhecemos bem. Embora o mistério esteja longe de ser solucionado: como é que uma raça que tem tendências racionais pode acabar em tantas humilhações e atitudes, nem praticadas pela mais rele e insignificante forma de vida? Talvez seja exatamente este o paradoxo da humanidade: conquistou-se a racionalidade abrindo mão de uma verdadeira evolução existencial. Justamente por ser tão racional que o Homem é tão bestial. Pensa demais, mas não mede consequências. Quem o sabe, que responda, mas quem o quer saber? Desvendar os desejos que movem o Homem, para que se saiba seu destino, pois seremos o que fazemos, conforme tais desejos, assumidos ou disfarçados, permitidos ou perseguidos. É o fim.


Fecham-se rapidamente
E cedo demais
As portas da tarde.
Uma gigantesca nuvem
Vem reclamar o trono do sol.
Logo, vem a chuva
Num imenso lençol de água.
Mas de onde vem tão negra nuvem
Tão carregada de água como de idéias?
Como tal cortina de vapor espessa
Pode fazer frente ao poder do sol?
Logo a luz cai
Pois não pode resistir
A este poder da natureza.
Velas são acesas
Pelos cantos da sala.
Com a minha tento entender
Por que gosto tanto da chuva?
Por que aprecio ainda mais o black-out,
Sem falar do êxtase que me trazem os trovões?
A chuva dá trégua
Mas a nuvem continua suspensa
Como um aviso de que a noite será longa,
Que deveremos passar sem luz.
Quanto mais demora, mais eufórico fico.
As cordas do céu
Erguem-se dos dedos brancos.
Uma pálida e fugaz lembrança
De que há luz e temos sol.
Mas conforme a chama sobe,
A vela derrete e some,
Junto com um pouco de nossas esperanças
Que matamos ao fim de cada dia.
Pequenas almas
Surgindo de frestas.
Muitas sombras estranhas
Conforme o bruxulear
Da aura pírea da vela
Que já está nas últimas,
Mas vai sem deixar remorsos
Do quanto deu de si sem recompensas,
Como fazemos com nossos anciãos,
Logo é substituída por uma nova.
Tímidas estrelas
Brilhando no meio
Da floresta da casa.
Como uma congregação,
Como a reunião de forças,
Para manter a última esperança,
Há muito, abandonada pelos mais aflitos,
Há muito, espezinhada pelo meu sarcasmo.
Como querendo segurar as bordas do mundo,
Prendem entre os dedos a borda do pires,
Testemunha do esforço deste numeral albino
E cabelos em chamas,
Para afastar temores,
Para afugentar sombras.
Mas eu vejo como elas carregam as rugas
E como eles distorcem os traços,
Auxiliados pela própria debilidade da vela.
Vejo que os objetos parecem orar,
Ou pelo restabelecimento da luz,
Ou para que nunca termine a escuridão.
Alguns, porque gostam do domínio humano,
Como a poltrona, onde sentado, escrevo,
Mas muitos, porque só nas sombras tem movimento,
Ganham a vida e a liberdade
Que qualquer coisa tem.
O fervor da reunião
Não combina com o
Ferver do pires,
Que não laceiam as bases
Das velas postas recentemente,
Deixando algumas tortas,
Outras com perigo iminente
De dar luz a outros objetos.
Uma pequena e sutil demonstração,
Da verdadeira crença humana
E o estado em que se encontra,
Junto com as razões de existência
E as razões da ciência?
Quando tudo passar, se passar,
Quando os doutores se acalmarem,
Talvez me expliquem porque estou tão pacifico,
Sentindo-me em casa, entre os meus.
O carrilhão
Como se lançasse
Suas correntes
Para nos enforcar,
Anuncia a oitava.
Uma nota surda,
Mas grave demais,
Nos ferindo o ouvido,
Com medo da cripta
E de sua senhoria.
Vejo que o próprio apartamento,
Como inúmeros outros da metrópole,
São as criptas dos vivos,
Sem muitas diferenças,
A não ser no seu rigor.
Aqui se faz acender velas,
Para manter a esperança da vida.
Lá, se ressente a dor da morte, um voto de saudades se acende.
Passos nervosos,
Dos que tinham algo a ver,
Perdendo o programa da tevê,
Abrem novas dimensões
Do horror que se cria,
Uma vez dentro da escuridão.
Cada passo,
Provoca eco
E o passo ecoado
Parece se multiplicar,
Como se entrasse nos outros cômodos
E prosseguissem sozinhos a marchar.
Mesmo quando há uma pausa,
Para que se faça a meia volta
E se pise sobre os próprios passos.
Passos de vida própria,
Sem pés, sem dono,
Sem direção, sem destino,
Ganham personalidade,
Peso e tons ameaçadores,
Como se denunciassem
A visita dos seres noturnos.
Penso então,
Que tais seres
Não sejam além
Dos próprios passos do homem,
Que teimam em pisar por trilhas,
Que se sabe que não levam a lugar algum.
Só com o jantar servido
Escapa-se um pouco
De situação tão sóbria.
Estômagos vazios
Não tem tempo para pensar,
Muito menos temer.
Afinal, é mais importante
Manter este ritual rotineiro
De satisfazer necessidades tão primárias.
Na mesa de jantar
Permanece-se, a conversar,
Até a comida assentar.
Satisfeitos os apetites,
Avançada a noite,
O sono toma seu lugar,
A roda se dispersa,
Todos vão dormir,
Só agora a noite
Tem seu trabalho funcional
Reconhecido, dentro do normal.
Quando me deito,
A luz retorna,
Iluminando o quarto
Com uma lâmpada faiscante.
O que prova que mesmo a luz,
Tão desejada e saudada,
Pode tornar-se
Incômoda e inconveniente.
Meu protesto
Passa pelo interruptor,
Silenciando a lâmpada,
Para me reencontrar com as sombras,
Que me acolhem com ternura,
Melhor que os demais,
Tenho meu descanso.
Daqui sairei inteiro,
Mas não sei dos demais
Que, com o grito furtado,
Só podem afogar-se
Em seus temores
E no próprio sangue.
A noite é justa,
Mas também tem fome.

-Venha, meu pequeno admirador.
Estará bem aquecido com minha mortalha,
Mas para prosseguir em meu reino,
Deve tomar esta canja sangrenta.

Dentro da noite tenho minha família,
Noite adentro até alcançar meu sumo prazer.

-Devagar, meu garoto, não vá se engasgar.
É preciso apreciar, sorver aos poucos,
Só assim se sobrevive ao gozo da sabedoria.

A noite consome, mas também complementa.
De uma vida inútil, se transforma em grande tesouro.

-Aos que se encontram em mim,
De mim sobreviverá,
Pois só os que sabem, me conhecem,
Não os que tentam aparentar que sabem.

Nada sei, mas tento ser bom aluno.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Sétima revelação

Em vossas estranhas fantasias, 
sonhas com uma vida além, 
onde após vosso tempo na terra, 
possais ter uma vida eterna, num jardim de prazeres. 

Por que quereis mais do que tendes? 
No tempo que passais na terra, 
só existe choro, lamúria e dor. 

Se negardes o prazer a vós, quando vos é lícito usufruí-lo, 
porque o lançais no Paraíso, 
que devia ser a morada de justo e puros? 

Não continueis mais vos enganando, 
vive o vosso prazer agora. 
Se quiserdes a eternidade, 
a terás com vossa descendência. 

Se quiserdes a salvação, 
deveis parar de vos penitenciar, pois só o sexo salva! 

Sabeis, crianças, de uma vez: Meu reino não é nos Céus, 
deixei isto para os anjos. 

Eu, que sou o vosso Deus, Meu reino está entre vós: 
Meu reino está nas Entranhas. 

Vós persistis em vossa busca 
por uma vida extra-ordinária, 
não porque vos aprazem a virtude ou a santidade, 
mas sim o vício e a orgia. 
Tanto que, nas vossas visões do Paraíso, 
há nada mais o que vos privais cá nesta vida. Insensatos! 
Bem sabeis que a única forma de vos eternizar 
está em provides-vos de herdeiros! 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Sexta revelação

O que é carne, não ordena carne 
e o que é espírito, não pode interferir no vosso meio. 
A salvação vem na descendência 
e a vossa glorificação só pode estar no prazer, não no ascetismo. 

Único, só Eu. De resto, tudo é duplo. 
Vós sabeis porque é assim. 
Portanto, não há original, nem raça pura, tudo é de minha fonte. 
Se quiserdes ver-Me, procureis no que é misturado, 
a minha raça é a diversidade. 

Se quiserdes servir-Me, entregai-vos ao instinto, 
a minha Lei está na carne. 
Se vos completa, acha vosso par, 
no que vos é igual ou diferente, acima ou abaixo, 
canhoto ou castrado, passado ou futuro, luz ou treva, 
de forma alguma estareis fora de Meu alcance, 
nem estareis Me ofendendo. 

Há homens que são homens, nisto encontrareis justiça. 
Há homens que são mulheres, nisto encontrareis desespero. 
Há mulheres que são mulheres, nisto encontrareis delícias. 
Há mulheres que são homens, nisto encontrareis desperdício. 

Vós tendes o corpo, age como vos comanda, 
não vos negueis ou vos violente, 
seguindo padrões estranhos à vossa natureza. 

O homem não é todo másculo, mas também feminino. 
A mulher não é toda feminina, mas também masculina. 
Ambos são filhos de ambas as sexualidades. 
Vós fazeis com que o homem seja macho 
e a mulher ter de ser fêmea, por vosso tolice e cultura. 
Somente por vossa tolice, tentais seguir ou contestar tais critérios.