segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O culto céltico das cabeças no Alentejo

Objectos votivos encontrados no Escoural
Nos últimos anos, novos contributos científicos têm permitido rever conceitos e teorias. Em particular, no que diz respeito à História, com o novo paradigma da Continuidade Paleolítica, apoiado na linguística, na genética, na arqueologia, na climatologia, etc., é possível colocar-se a hipótese de serem os antigos Celtas os primeiros habitantes, em tempos paleomesolíticos, do Ocidente Europeu. Ora o Alentejo pode contar-se entre as regiões que mais claramente se harmonizam com tal hipótese.
À luz desta perspectiva, entre os vestígios arqueológicos do Sudoeste peninsular vamos salientar alguns exemplos que nos levam a supor estarem as terras alentejanas incluídas, de modo expressivo, dentro do roteiro céltico do culto das cabeças. Efectivamente, muitos achados parecem indiciar ter havido um tratamento especial dado a certos crânios, tratamento esse que pode remeter-nos para práticas rituais de cariz mítico-religioso próprio do mundo celta.
Segundo muitos autores, para os antigos Celtas, a cabeça possuiria atributos divinos. Como tal, talvez considerada incorruptível e autónoma do corpo, teria poderes protectores – das pessoas ou colectividades, do gado ou da vegetação –, divinatórios ou proféticos, de cura e de regeneração, poderes, em suma, xamânicos. (...)
Os dados arqueológicos, iconográficos, ou mitológicos sugerem, por outro lado, ter existido uma primeira fase desse culto das cabeças, interligado com o conhecimentos dos ciclos sazonais, os cultos primordiais da fertilidade, dos mortos e dos antepassados; numa segunda etapa, nas idades dos Metais, sobretudo do Ferro – meados do I milénio a. C. – ter-se-á evoluído para o culto das cabeças cortadas, a cabeça dos inimigos, relacionando-se, deste modo, não apenas com a sobrevivência do próprio grupo, mas também com a guerra e com os jogos de poder entre grupos distintos. Ora o Alentejo parece dispor claramente dessas duas fases.
Poderemos dizer que este culto é visível desde, pelo menos, o VII milénio a. C., passando pelas sucessivas eras pré-históricas até à romanização, época em que um crânio encontrado em Tróia (Setúbal) mostra a continuidade e a larga diacronia da prática de trepanação, uma prática com componentes reveladoras do exercício de rituais relacionados com a crença nas capacidades excepcionais atribuídas à cabeça humana.
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Um pouco mais tarde, no espólio do Monte da Velha, em Serpa (III milénio a. C.) – um provável santuário megalítico –, encontraram-se os fragmentos cranianos de um esqueleto claramente dissociados das restantes ossadas. Nas necrópoles de todo o Sudoeste peninsular, do período Calcolítico ao Bronze Final (cerca do IV ao II - I milénio a. C.), mantém-se este tipo de atitude – veja-se o caso da sepultura de Medarra, em Aljustrel –, a ponto de, por vezes, se depositarem os crânios numa espécie de arca, fazendo-os acompanhar por oferendas funerárias.
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Todo o espólio parece implicar a existência de um eventual ritual relacionado com um sacrifício humano, próprio do culto das cabeças cortadas em contexto guerreiro, bem como do culto das cabeças inserido em rituais fundacionais e de soberania. A natureza dos objectos votivos encontrados, como a cerâmica ou as placas oculadas – na linha dos achados do Escoural, Estremoz, Vidigueira ou Évora, de épocas anteriores – e os múltiplos restos animais – a sugerir refeições e libações rituais cíclicas, como seriam as cerimónias solsticiais –, indica-nos, assim, não só a persistência de crenças, como também a presença da segunda fase deste culto céltico.
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Citado e divulgado pelo Caturo, no Gladius.

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