sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Em tudo, celebrai

Cronos retornou à Cidade dos Deuses e as três Deusas, Selene, Thetis e Phoebe, voltaram a seus lares e tentaram retomar suas vidas rotineiras, mas ninguém escapa incólume ao contato com o Deus das Florestas e das Feras. Na Cidade dos Deuses, a festa para Enki havia acabado deixando muito entulho e Deuses bêbados no chão. Os demais foram curar a ressaca, pois Anu tinha anunciado seus projetos mirabolantes.

Apesar da coragem e valentia de Cronos, ele não perguntou diretamente ao Deus desconhecido o que significava o sonho de Rhea, nem como ele poderia saber o pensamento que morava em seu coração. Mas Cronos não era muito inteligente, ele achou mesmo que pudesse enganar ou contornar o Destino. Quando o sol trouxe mais um dia à Gaia, à Cidade dos Deuses, Cronos não atendeu ao chamado, nem se prestou a ajudar seus irmãos e irmãs. Povo do mundo, saibais que servir aos Deuses é estar disposto a ajudar sua família, seus parentes e sua comunidade, mesmo com planos equivocados. Rejeitar, criticar, vos irá tornar desagradável, um ser rejeitado, renegado, abandonado em sua própria auto-comiseração, como Cronos. Nós somos nossos carcereiros e carrascos.

Os Deuses avançaram pela floresta, derrubaram árvores e levantaram casas, dando origem às novas colônias dos Deuses, que ganharam o nome dos setores dos patriarcas de cada família. Assim cresceram a colônia de Hélade, a colônia de Albion, a colônia de Canaan e a colônia de Kemet. Assim cresceram da mesma forma os ventres de Rhea, Selene, Thetis e Phoebe, devidamente preenchidas pelo Deus das Florestas.

Povo do mundo, vós podeis achar um escândalo que Deusas, jovens mulheres, tenham seus ventres ocupados por uma misteriosa concepção, uma forma de ocultar conjugações carnais, consumidas em um sacramento sagrado. Saibam vós que não há coisa alguma mais sagrada do que o desejo, o prazer, o amor, nem cerimônia mais sublime do que o sexo.

Neste ponto eu vos tenho de conduzir por três rotas. A primeira mostra Anu em júbilo por suas conquistas, que alimentam tanto a ilusão do poder quanto a iminente destruição. Ninmag despertou do sono induzido pelo pólen da planta bulbosa e seu despertar mostrou quão fácil ela tombou, a ausência de Enki e o roubo de seu báculo.

Cronos não sabia, mas Ninmag tinha controle das águas e das criaturas nela por intermédio desse báculo, que agora estava nas mãos de Typhon, um tirano que se aproveitou da ingenuidade e inocência de Cronos para ser o Senhor dos Mares. Pior, Cronos deu aos habitantes da Ilha Negra uma forma de restringir e controlar o poder de Ninmag que, pode-se dizer, era a mãe de todos eles e via, impotente, seus filhos se entregarem ao frenesi da rebeldia pueril. Povo do mundo, saibais que o poder de um Deus não está em um objeto, nem nos cultos e crenças que devotamos, apenas farsantes e vigaristas dependem de sacerdotes e livros sagrados.

Ninmag estava desarmada mas não desvalida, em grandes asas alçou voo e ganhou o firmamento, com uma direção certa, para a Cidade dos Deuses, para pegar seu amado Enki, para enfrentar o déspota Anu. Povo do mundo, saibais que não há Deus, entidade, espírito ou homem que seja senhor e dono do poder, nem pela palavra, nem pela espada, nem pela riqueza, nem pelo medo. Até um reinado de terror mantém-se somente com a anuência dos dominados. Onde há vontade, coragem e consciência, a coroa e a majestade pertencem a todos.

Anu havia esquecido das leis universais e realmente acreditava que repousava nele o poder e a autoridade. Assim que o vulto de Ninmag estava à sua vista, pairando no horizonte, entre as nuvens e as águas, Anu vestiu sua armadura, desembainhou sua espada, dispondo-se para enfrentar Ninmag, certo de sua superioridade e vitória. A preocupação de Anu não é proteger a Cidade dos Deuses ou seus irmãos e irmãs, mas a de demonstrar e reforçar seu papel como Senhor, Deus Pai, Deus do Firmamento.

Ninmag não tem interesse algum nessas demonstrações pueris de força e poder, um Deus ou Deusa legítimos e verdadeiros não são inseguros. Ela não tem interesse algum na figura patética de Anu, na gaiola dourada que ele construiu aos Deuses, nem na vida submissa que os Deuses se conformaram a levar debaixo da autoridade de Anu. Ninmag quer apenas Enki para ser seu consorte, por mais algum tempo ou até encontrar outro Deus mais interessante para brincar de cópula. Mas ao ver Anu, todo presunçoso, em sua brilhante armadura, com sua longa espada nas mãos, em cima do seu monte, em cima do seu castelo, em uma visível postura de desafio a ela, Ninmag não hesitou em atacar Anu com tudo.

As fundações da Cidade dos Deuses estremeceram, o firmamento tingiu-se de sangue, a montanha fendeu-se e jorrou pedras incandescentes, os canais e lagos artificiais feitos por Enki partiram, uma enorme onda retoma para as águas a orgulhosa Cidade dos Deuses. O corpo de Anu afunda em um torvelinho, junto com seu belo castelo, junto com sua preciosa armadura e longa espada. Não se vê Ninmag em lugar algum. Povo do mundo, esta é a paga e o resultado de todo conflito, toda luta, toda guerra. Não há vitória ou vitoriosos, apenas destruição, morte, horror. E assim termina o ciclo de Anu.

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