sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Disco riscado

Eu sou da época do disco de vinil. Encantava-me os "bolachões" de 78 RPM que, na minha infância, eram considerados "antiguidade". Meu irmão cuidava de sua discoteca com uma atenção primorosa, com direito a banho com sabão neutro.
Na minha época tinha também fitas K7. Meu pai guardava em uma caixa diversas fitas K7 com músicas italianas. Eu sou da época em que gravador tinha apenas um deck. Apenas depois apareceu o "três-em-um".
Eu sou da época do disquete de 3"1/2. Observava atônito os disquetes de 5"1/4 e com um misto de assombro os "antigos" cartões perfurados.
Eu sou da época dos primeiros video players VHS, com uma cabeça. Falar em Super 8 ou betamax era falar em coisa do outro mundo.
Eu sou da época em que desenho animado era filmado quadro-a-quadro.
Eu sou da época da ditadura militar e também do resquício da Contracultura americana. Eu vivi a virada da democracia e vi esta se tornar mais um "commodity" no Brasil. Eu fui da época em que "revista masculina" circulava com várias restrições e também da superficialidade do "amor livre", um subproduto importado da Contracultura americana.
Eu sou da época em que a Igreja vociferava contra o divórcio e contra a fertilização artificial, dizendo que seria o fim da humanidade e da família.
Eu sou da época em que o Protestantismo era pouco conhecido e divulgado. Eu vivi o surgimento, crescimento e a popularização do Evangelismo. Agora "ser evangélico" é fenomeno de massa.
Eu ainda sou da época em que existia a URSS, o Muro de Berlim, Apartheid. Eu sou de uma época em que "ser punk" ainda não era ser mais uma opção dentro do sistema. Eu sou de uma época em que ser ateu era ser bem informado e se combatia a intolerância, o preconceito, a discriminação, o fanatismo e o fundamentalismo.
Eu estou vivendo este conflito entre crente e descrente, discussões sobre o Estado Laico. Eu estou vendo discussões sobre a liberdade de expressão e sobretudo a liberdade de crença.
Eu vi o fim da URSS, a queda do Muro de Berlim, a libertação de Nelson Mandela, o fim do Apartheid, a eleição de Barak Obama.
Eu vi um partido vender-se aos grandes conglomerados, eu vi um presidente tornar-se uma paródia de si mesmo.
Eu vi o fim de todo o ideal e liberdade lançada pela Contracultura pelo ressurgimento do Puritanismo e do Politicamente Correto.
Eu vi diversas endemias, pandemias, neuroses, paranóias coletivas e o mesmo hábito de se escolher bodes expiatórios para nos eximir de nossa culpa e responsabilidade.
Eu vi o Neopaganismo Brasileiro nascer velho e esclerosado, espaço ideal e propício para o sucesso de vigaristas e falsários.
Eu vi o fim da Lei Falcão e a contínua incapacidade do brasileiro em eleger seus representantes.
Eu vi o Horário Eleitoral se tornar uma extensão dos intervalos comerciais. Eu vi o folclore eleitoral tornando-se norma e não algo pitoresco.
Eu sou da época em que Gerson, em uma propaganda de cigarros, descreveu a única lei que realmente é observada no Brasil. A Lei de Gérson, onde o mais importante é levar vantagem em tudo.
Eu vi e vivi o "boom" dos bingos bem como a proibição de um governo que explora os jogos de azar.
Ano que vem será o Ano da Serpente, como foi em 1965. Até agora foram 47 anos e, depois do fiasco do "Fim do Mundo Maia", eu verei o ser humano chegar ao fim de 2012 com as mesmas promessas, os mesmos sonhos, os mesmos projetos.
Parece que a humanidade, em especial o brasileiro, vive como se fosse um disco de vinil riscado. Toca a mesma música sem seguir adiante.
Como disse o sábio: "Nada de novo sob o sol". Mudam-se os nomes na Prefeitura, no Governo, mas a consciência e ação políticas continuam as mesmas.
Pessoas se tornam espíritas, evangélicas, umbandistas, budistas, pagãs, wiccanas... mas continuam a vivenciar uma religião ou espiritualidade vazia em sentido e prática.
Como a minha esposa e minha sacerdotisa diz, eu tenho que fazer a minha parte. Eu tenho que me esforçar e trabalhar pelo meu crescimento. O brasileiro ordinário continuará a se satisfazer com a vitória do seu time. Os políticos brasileiros continuarão a se beneficiar do sistema.
Como Filho da Serpente, eu tenho que me livrar da casca e seguir. Adiante eu encontrarei o melhor e estarei em excelente companhia.
Assim seja, assim é, assim será.

Um comentário:

A Marreta do Azarão disse...

Rapaz, eu também já vi tudo isso!!! Um texto muito agradável.
E falando de computadores, já que estamos nos comunicando através de um, guardo até hoje, com todo carinho, lá em sua caixa de isopor, o pioneiro TK-85, com absurdos, para a época, 16 Kb de memória, sim, Kb, e não Mb. Lembra desse?
Abraços