sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O avesso do avesso do avesso

Há alguma coisa fora da ordem. O que um trecho de “Sampa” de Caetano Veloso está fazendo no titulo deste texto? O que Caetano Veloso, Tropicália, tem a ver com Paganismo Moderno? Tudo e nada, segundo a lógica do pós-moderno. Francis Wheen faz uma análise dos males da Era Contemporânea, focando mais na politica econômica mundial neoliberal, destruindo com fatos muitos dos misticismos contidos na ideologia do Liberalismo.
Para Francis Wheen, estamos na Era da Picaretagem o que não é contraditório, mas complementar ao que eu chamo de Era da Mediocridade. Para Francis Wheen, o pós-modernismo é o culpado. Culpado por ter ruído com o Racionalismo do Iluminismo.
Você consegue imaginar o mundo onde as palavras perderam seus significados, seus sentidos, seus conceitos? Segundo Francis Wheen é neste mundo em que vivemos. Mas vamos calma com o andor, pois falamos de história, filosofia e o ingrediente mais instável: o ser humano.
O ser humano passou por diversas fases, chamadas de “eras”. Quando um ciclo se esgota, outro surge e invariavelmente acontece um longo período onde forças sociais entram em choque, um período de transição, onde pensadores, intelectuais e governantes parecem apontar para um “Novo Mundo” em algum lugar do horizonte distante.
Em certo sentido, a Reforma e o Iluminismo foi um período de transição. O Feudalismo estava cedendo espaço para o Mercantilismo. Surge a primeira onda da Colonização. Surgem novos impérios. Surgem novas formas de fazer as coisas. Surgem novas formas de ver as coisas. Surgem novos agentes históricos que almejam e invejam o poder e a riqueza dos antigos senhores da sociedade. Surgem movimentos revolucionários, a noção de direitos, a noção de Estado, a noção de República. Entretanto, tudo que o ser humano faz é construir novas catedrais sobre os escombros das anteriores. Os burgueses copiaram a empáfia da nobreza, ao negar aos proletários os mesmos direitos que deveriam ser humanos. Os burgueses copiaram a afetação da nobreza, ao ostentar uma riqueza imoral diante da fome e da miséria produzida pelo sistema que eles mesmos criaram.
Se o Iluminismo fracassou e permitiu a ascensão da Picaretagem, a culpa é exclusiva de seus idealizadores, pois os nobres princípios e as boas vontades do Iluminismo ficaram na mão de poucos. Como nós sabemos, de boa vontade, o Inferno está cheio.
Infelizmente as ideias e ideais da “esquerda” tem sua origem na revolução francesa, uma revolução burguesa, que soube utilizar a tensão social a seu favor, para atingir seus objetivos. As guerras pela independência em muitas das colônias copiaram e assimilaram esses ideais, os nacionalizaram, mas não deixaram de serem revoluções burguesas que favoreceram a poucos. Nem mesmo a revolução russa escapou dessa tenência. Karl Marx, o autor de “O Capital”, era burguês. Lenin, que se tornou líder do Partido Bolchevique, era burguês.
Na verdade, todo intelectual e pensador foi e é burguês, inclusive este escritor que vos escreve. Fomos nós que, para tentar reconstruir o mundo, devastado pelas guerras que demonstraram todo o horror e carnificina graças à industrialização e ao capitalismo, produzimos isto que é chamado de pós-modernismo.
Se o Racionalismo, a Lógica e a Ciência não foram capazes de evitar o Fascismo e o Nazismo, então devemos inverter, desconstruir, virar as coisas do avesso. Nós começamos a questionar e a contestar a sociedade ocidental como centro político, cultural e financeiro. Nós questionamos e contestamos o monopólio do Cristianismo. Nós questionamos e contestamos os valores dúbios e a morais hipócritas do sistema. Nós defendemos novas formas de abordagens e discursos sobre a realidade, a vida, a sexualidade, a sociedade, a politica, a economia e a cultura. Chegamos ao ápice de afirmar que tudo é uma convenção determinada pela linguagem, então toda definição [mesmo a científica] é um mero texto que pode ser moldado.
Entretanto esse viés místico não é exclusivo do pós-modernismo. Muito antes, no século XVIII, intelectuais e pensadores europeus produziram o Movimento Romântico, caracterizado por um elogio aos mitos antigos e uma paixão saudosista por crenças, religiões e cultos de povos antigos ou povos “selvagens”. O pós-modernismo apenas requentou e jogou nos meios de comunicação de massa, filhotes da industrialização do sistema capitalista. O que era antes desfrutado e consumido por pequenos grupos elitistas estava agora sendo exposto a todo um público, heterogêneo sem dúvida, mas sem a capacidade ou competência intelectual de entender o que estavam consumindo. Esse “pensamento alternativo” achou seu meio ideal: universidades, estudantes, professores, artistas. Foi neste caldeirão que surgiu a Contracultura. Foi nessa viagem na maionese que surgiram as “religiões alternativas”. Foi na carona desse ônibus hippie que o Paganismo Moderno conquistou seu espaço diante das massas. Infelizmente com todo tipo de gurus paraguaios, vendedores de óleo de cobra, farsantes, vigaristas e estelionatários esotéricos.
Não há lugar melhor para o discurso pós-moderno, não há ambiente mais propício para o picareta, do que o Paganismo Moderno. Eu tive mais do que minha quota de aturar adolescente semialfabetizado vir me empurrar o “evangelismo wiccaniniano”. Eu tive mais do que a minha quota de aturar “sacerdote legitimamente iniciado” vir me empurrar sua desonestidade acadêmica sobre o Ofício. Eu tive mais do que minha quota de aturar o fundamentalismo [cristão e ateu]. Eu tive mais do que minha quota de aturar gente que se autoproclama algo, sem sustentação, sem argumento, sem vergonha em se apropriar de títulos. Eu tive mais do que minha quota de tentar dar um pouco de conhecimento acadêmico e seriedade para a Comunidade Pagã.
Então eu cheguei neste ponto. Eu melhorei muitas coisas em mim, mas ainda me pego repetindo hábitos ruins. Mas, ao contrário de John Halstead, eu não estou desencantado com o Caminho, com o Mundo, com os Deuses – eu estou desencantado com o ser humano. Como um toque de Midas inverso, nós transformamos tudo que tocamos em lixo.
Como a religião Wicca. Que era para ser um sacerdócio de uma religião iniciática de mistérios, mas virou mais um produto comercial nas mãos dos americanos. A Wicca, que tem um estigma de ser “bruxaria caiada”, foi diluída, dilapidada, vulgarizada, popularizada, edulcorada em tantos embrulhos enfeitados quantos o consumidor quiser. A América tornou-se uma provincial máquina de produzir “tradições”.
Grupos, ordens, congregações não apenas foram sendo construídas e formadas como também foram influenciadas e infiltraram as tradições. Por exemplo: segundo Dana Corby, sacerdotisa da Tradição Mohsian, um ramo da Wicca Tradicional Britânica, o Mito de Criação da Tradição Feri é o mesmo adotado por tradições do Oficio. Isso talvez explique porque um famoso sacerdote diânico brasileiro não teve problemas em receber o 3* na Tradição Gardneriana, embora isto seja irrelevante, visto que não existe autoridade central na Wicca e que o conhecimento acadêmico sobre o Ofício mostra exatamente o contrário.
O curioso, o simpatizante, o buscador, o neófito que tiver interesse no Paganismo Moderno deve ficar espantado quando vai para congressos, eventos e feiras. O que mais se vê é uma enorme mistura de produtos e serviços místicos, esotéricos, alternativos. Eu fico imaginando o que nossos ancestrais diriam ao se verem imitados em um pastiche frívolo. Eu fico imaginando o que as bruxas diriam ao se verem estereotipadas como fugitivas de um Cosplay.
Francis Ween teria material suficiente para escrever um capítulo inteiro sobre essa picaretagem. Afinal, o Paganismo Moderno, ou melhor, seus representantes, usam e abusam do discurso pós-moderno. Como a insistência em focar na Deusa, ao mesmo tempo em que se fala que Ela está além do gênero [TRANS gênero/cedente/gressora], tirando todo o sentido do sagrado feminino e se aproxima perigosamente do monoteísmo abraãmico, mas sem esse discurso muitos picaretas não poderão vender o evangelho inclusivo.
Este é o cenário e a realidade. A Comunidade Pagã Internacional está dominada por adolescentes mimados e melindrados, que não podem ser contrariados em sua obsessão por aceitação, reconhecimento e validação. Aqui não existe lugar, inclusão, tolerância, para o discurso racional, acadêmico, crítico. As coisas são como são. Aceite que dói menos.
Eu vou seguir o conselho do Caetano Veloso em “Sampa” e do Raul Seixas em “Metamorfose Ambulante”. Eu serei o avesso do avesso do avesso do avesso. Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes. Ou não.

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