terça-feira, 14 de julho de 2015

Quão tradicional é uma tradição

Quando falamos em Paganismo Moderno, Caminhos Espirituais e Religiões Iniciática, um tema em comum surge, especialmente quando falamos em Bruxaria e Wicca – a tradição.
Tradição (do latim: traditio, tradere = entregar ou "passar adiante"), é a continuidade ou permanência de uma doutrina, visão de mundo, costumes e valores de um grupo social ou escola de pensamento.
Ao nível da etnografia, a tradição revela um conjunto de costumes, comportamentos, memórias, rumores, crenças, lendas, música, práticas, doutrinas e leis que são transmitidos para pessoas de uma comunidade, sendo que os elementos passam a fazer parte da cultura.
Designam-se como costumes as regras sociais resultantes de uma prática reiterada de forma generalizada e prolongada, o que resulta numa certa convicção de obrigatoriedade, de acordo com cada sociedade e cultura específica. [Wikipédia]
Essa é a teoria, a definição do dicionário. Mas o conceito de tradição está dentro de um contexto cultural e faz parte de uma linguagem. Tal como os outros domínios do conhecimento humano, eu não posso deixar de incluir que aquilo que se entende por tradição está sujeito a entendimentos, interpretações e experiências pessoais.
Destarte, eu acho importante repetir alguns textos de meu blog, bem como reproduzir alguns comentários feitos no Patheos que eu achei pertinente.
Tradição é algo que cresce e evolui. Não está gravado na pedra, mas é mais como um discurso; se você começa com uma séria de premissas, ideias e valores, você desenvolverá ideias e práticas que são consistentes com o conjunto inicial. Tradições religiosas evoluem de acordo com as circunstâncias sociais, culturais e políticas. [Yvonne Aburrow]
A tradição não evolui. As espécies evoluem. Por processos ditados pela natureza. Uma tradição não é um organismo. A tradição não mudou, foram os hábitos e costumes das pessoas que são membros ou sacerdotes das mesmas que mudaram. [Roberto Quintas]
O problema é que estas “tradições” não são um todo coerente, mas um amálgama, acidental e proposital, de ideias que aconteceram de estarem todas disponíveis para as mesmas pessoas naquele tempo.
O que eu defino como “tradição” é: eu combinei um sistema de prática espiritual e magia, compreensivo e envolvente. Ao fazê-lo, eu usei as ideias que estavam disponíveis para mim.
Todo criador de uma tradição fez o mesmo. Cada um ou [mais frequente] seus seguidores asseguraram que este amalgama particular é o Caminho Certo. Mesmo quando eles adotam uma atitude mais moderna que exista qualquer Caminho Certo, o conceito de um Caminho Certo é preservado sem questionamento por todos os tradicionalistas. [Brian Rush]
Sua definição está longe de ser de uma tradição. Alguém simplesmente não combina “um sistema de prática espiritual e magia, compreensivo e envolvente” usando “ideias que estavam disponíveis”. Uma tradição está baseada na herança que é passada através das gerações. Até onde eu posso falar, uma tradição não é sobre o Caminho Certo, ou o Caminho Verdadeiro, é sobre preservar a herança que recebemos de nossos ancestrais. Até onde eu posso falar, uma tradição não tem um fundador, mas existe uma fonte cultural que pode ser achada pelo folclore, que está baseado em uma antiga herança ensinada e preservada através de gerações. Estes caminhos são um todo coerente enquanto sistema, então eis por que parece que excluem algumas ideias, práticas ou metáforas. Quando e se não há um todo coerente, então existe um “empréstimo” de outra coisa, mas isto não torna caminho algum inválido ou indigno. [Roberto Quintas]
Volte através das gerações e os ancestrais, em algum ponto, no início da tradição, alguém fez exatamente o que eu descrevi. Então, nas gerações seguintes, as pessoas mistificaram o que tal pessoa fez, menosprezando quem tentava fazer o mesmo.
Fundadores de tradição são humanos, além do mais eram seres humanos que pensavam como eu. Eles inovaram, eles criaram, eles fizeram algo novo, misturando e combinando ideias que estavam disponíveis.
Estas culturas antigas das quais o Paganismo Moderno se inspira estão mortas. Seus descendentes desenvolveram algo novo. E uma nova espiritualidade é necessária para ser relevante no mundo novo. Nós ainda podemos usar a velha sabedoria enquanto for relevante [e geralmente é]. Mas nós não devemos ficar atados ou limitados pelo velho. [Brian Rush]
Esta é uma área cinza. Sim, novas ideias vieram enquanto os povos tiveram contato com diferentes culturas. Existem, então, dois resultados: sincretismo e assimilação. Então há o teste do tempo, se e apenas quando uma “nova” ideia serve ou funciona, se ela resiste através de gerações, então é uma ideia que vem de uma tradição.
A ideia e conceito de tradição devem estar separados da ideia e conceito de costume. Uma tradição é algo que resiste através do tempo e gerações. Uma tradição sustenta a si mesma mesmo quando atravessa diferentes povos, mas que compartilham os mesmos valores e crenças. Mesmo quando um poder maior sobrepuja a tradição, ela resiste e sobrevive, em um disfarce sincrético, dentro da religião oficial.
As culturas antigas que nós estamos tentando redescobrir não estão mortas, sequer desenvolveram algo novo, elas apenas assimilaram e sincretizaram os dogmas e rituais das religiões oficiais. Muitas das festas religiosas da Igreja [para citar um caso conhecido] têm profundas raízes nessas antigas religiões "mortas", a despeito das afirmações da Igreja que esta é uma “tradição da Igreja" [o que nos leva a algo que é dito ser uma tradição, mas é uma invenção].
Folclore, mito, pesquisa histórica vem a calhar para que possamos redescobrir nossas raízes e origens, sintonizado com nosso tempo [isto pode ser o que você define como “combinar”], tal como nossos ancestrais fizeram [ou em outros termos: Paganismo não é algo “velho” ou “campestre”, mas uma crença e religião de um tempo e sociedade daqueles que reconhecem a existência dos Deuses]. Mas você tem alguma razão, uma vez que estamos reconstruindo algo que estava ausente por quase dois mil anos.
Religião e tradição é parte da cultura, como a linguagem, e “evolui”, não como a Teoria de Darwin, mas como um processo humano de cruzamento, assimilação e sincretismo cultural. A religião e a tradição "emprestam" de várias fontes para se expressarem, mas os valores, os mistérios, o divino e o sagrado intrínsecos da religião e da tradição permanecem os mesmos. [Roberto Quintas]

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