terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Deuses e amigos imaginários

Provocativo, o transeunte afirma que Deus não é mais do que um "amigo imaginário".
Certamente o transeunte ficaria ofendido se este pagão afirmasse que sua necessidade quase patológica em desmerecer a existência de Deus não é mais do que um Complexo de Édipo, onde o sujeito deve "matar" a figura paternal para se sentir seguro quanto à sua identidade e personalidade.
O transeunte, quando acuado em seus próprios argumentos, ou tropeçado nos exemplos que este mesmo usa para suas analogias, entra no mesmo raciocínio circular muito comum de se encontrar entre evangélicos.
O transeunte afirma que cremos em Deus por "medo da morte". Curiosamente, Freud afirma que a humanidade "criou" Deus por causa da infração a um tabu, pelo crime da morte de um patriarca/ancestral mítico que foi divinizado. Não obstante, esse patriarca/ancestral mítico existiu e sua lenda/mito está presente em todas as culturas e civilizações antigas, através de milênios. Nenhum amigo imaginário perdura além da infância. Portanto, Deus não é um amigo imaginário.
A criança produz um amigo imaginário unicamente para satisfazer seu ego e solidão. Em casos mais graves, atestados pela psicologia e psiquiatria, o amigo imaginário produz nada mais senão alienação, neurose, histeria, apatia. O conceito e idéia de Deus nos corações humanos produziu a arte, a língua, a poesia, a música, o teatro, a civilização.
A criança dá nome, dá forma, faz de conta que alimenta seu amigo imaginário, mas não constitui um sacerdócio, nem rituais, ou mistérios para revelar a seu amigo imaginário. O amigo imaginário é produzido como uma compensação. Deus dá nome, forma e mantém o universo. A humanidade observa na natureza e na própria existência, leis e regras, que não são próprias das coisas em si mesmas, mas de algo além e ao mesmo tempo inserido nelas. Para explicar o que ou quem é o maestro dessa ópera, a humanidade criou as religiões, os mitos, analogias para compreender aquilo que está além das sensações e sentidos mais básicos. Nenhum amigo imaginário conseguiria tal nivel de complexidade e abstração.
A criança se cerca de um amigo imaginário da mesma forma que se cerca de brinquedos, para ter um ambiente que conheça, algo inofensivo, controlado, previsível, confortável. Não é muito diferente do transeunte que se cerca de bugigangas tecnológicas, alegando que estas coisas atestam o triunfo da ciência e da verdade revelada por esta. Mas mesmo a tecnologia não é mais do que um objeto inútil, sem energia elétrica. Nem toda a tecnologia do mundo consegue fazer frente a um vulcão, um tornado, um terremoto.
Deus [ou pelo menos aqueles que sejam dignos deste título] não promete um mundo confortável e agradável, aprazível únicamente às necessidades humanas. Isto é aquilo que apenas "amigos imaginários" fazem. Discutir ou definir a existência de Deus nestes termos é incoerente, ilógico, irracional e um completo absurdo.
Tomar os atos de uma organização religiosa como padrão e modelo para julgar, condenar e analisar todas as religiões como se fossem a mesma coisa é uma análise generalizante e superficial. Pior, apenas acrescenta intolerância, discriminação e mais discurso de ódio.
No fundo, o transeunte apenas busca as mesmas coisas que nós. Quer respostas, quer conforto, quer segurança, quer ter uma idéia do que pode vir a seguir, quer ter a ilusão de que "sabe" de tudo e que tudo está sob seu controle. Nós colocamos nossas esperanças primeiro em nós, gratos pelas bençãos e oportunidades que nos são dadas por Deus. Não podemos culpar Deus se nós bloqueamos as bençãos ou fazemos mal uso delas.
Então, caro transeunte, o problema não será resolvido desacreditando Deus, nem condenando todas as religiões como malignas. O problema será resolvido pela política, não pela descrença. A raiz do problema é o fanatismo e o fundamentalismo, seja crente, seja descrente, seja religioso, seja secular. Defina-se pelo que se é e acredita ser melhor, como humano, não se defina por aquilo que julga ser seu adversário, seu opositor.