domingo, 5 de dezembro de 2010

Mitos perturbadores

No tópico anterior eu mexi com um dos maiores tabus sociais da humanidade: o incesto. Neste mesmo sentido, o estupro também constitui uma linha bem clara de relação proibida. Mas muitos mitos antigos falam de ambos, estupro e incesto.
Em tempos onde o Paganismo é resgatado em uma época onde ainda se vive com muitos valores puritanos e recalques cristãos, eu sabia que tocar neste assunto suscitaria reações. Como encaixar a mais conhecida tragédia dos Gregos Antigos, Édipo Rei, em nosso tempo? O que há de tão assustador nesta obra? O que há para nós, em pleno século XXI, aprendermos com a obra?
Entre os [neo]pagãos, fala-se muito [demais, para meu gosto] da Deusa e nada do Deus. Promove-se um "feminismo" que propõe mais uma assexualidade, diminuindo-se a fertilidade e a fecundidade, ocultando e rejeitando a virilidade do Deus Cornífero. Como então podemos entender os antigos mitos da Suméria, da Babilônia, do Egito e da Grécia? Como podemos [ab]usar dos mitos quando nos agradam, como os mitos que falam da homossexualidade, mas ficamos cheios de pruridos quando os mitos falam em castração ou em prostituição sagrada? Isso é hipocrisia, é falsidade, é [ab]usar dos mitos e mistérios antigos para agendas pessoais e isso, definitivamente, não é Paganismo nem Wica.
Existem mitos antigos nos falam de Deuses, copulando com suas mães, irmãs, filhas, sobrinhas. Desde a Suméria, passando pela Babilônia, Egito e Grécia. O motivo é muito simples: os Deuses que regiam mantinham sua soberania unindo-se com a Deusa que tinha linhagem direta com a Deusa mais antiga.
Temos mitos que nos falam de Deuses conquistadores derrotando um "monstro", descrito sempre como uma serpente, não é mais do que esta Deusa mais antiga querendo de volta sua dignidade e majestade. Todos os Deuses "ordenadores", desde Marduk até Zeus, foram filhos que mataram seu próprio pai, uniram-se com suas irmãs e tiveram que enfrentar e derrotar a fúria da Deusa mais antiga.
Nos primórdios da humanidade, diversos povos tiveram reis que apenas copiaram o "exemplo" dado pelos Deuses. Até mesmo na Idade Média os reis mantinham a linhagem real unindo-se com parentes próximos, no que muitos Papas também adotaram tal costume, como no caso dos Bórgia.
Nos primórdios da humanidade existiram os hieródulos, templos onde se praticava a prostituição sagrada e onde meninas procuravam ávidamente pela instução e sacerdócio que lhes tirariam de uma vida pior que a escravidão.

São mitos perturbadores, com certeza, mas tem a função de nos mostrar aquilo que está em nossa natureza. Não enfrentá-los, não encará-los, é alimentar essa sombra de culpa, vergonha e rejeição que nos tem mantidos escravos de uma instituição totalitária e adorando esse [falso] deus, uma corporação multinacional sem identidade, sem origem, sem vínculo a lugar ou povo algum, mas muito útil para nos manter em uma opressão/repressão social/politica/sexual.
Isto exige uma transformação radical na forma como relacionamos conosco mesmo, com nossos corpos, com o mundo, com a natureza. A violência sexual, contra meninas e mulheres, é um sintoma dessa cisão com nossa verdadeira essência. Alhures eu expliquei quais as verdadeiras raízes da pedofilia e os problemas que criamos quando idealizamos demais a infância e queremos decretar a "idade de consentimento", como se existissem regras para se ter um relacionamento.
Isso, evidentemente, não concede a quem quer que seja, especialmente na função do sacerdócio, forçar ou exigir que membros do coven/grupo tenham relações sexuais. O mesmo pode-se dizer da promoção de uma assexualidade, ou um "sexismo" inverso, igualmente doentio, onde pagãos tenham vergonha de sua masculinidade ou sejam compelidos a viver em uma homonormatividade. Amor, relacionamento, prazer e desejo fazem parte do Paganismo, em diversos aspectos, mas isso nunca será legítimo ou sagrado quando é uma agressão contra outro ou uma submissão de um pelo outro.
Em suma, vale o aviso da Nana Odara: "Paganismo não é a solução pra pessoas frustadas com sexo". Nem deve ser válvula de escape para pervertidos. Para nós, "todos os atos de amor e prazer" são rituais para nossos Deuses, mas primeiro, para isso, devemos lembrar que o nosso corpo, nosso desejo, nosso amor e prazer, são sagrados e devem ser celebrados como uma experiência espiritual, não como uma violência sexual.
Para este pagão, todos devem ser livres para amar e se relacionar, com quem quiser, com quantos quiser, como quiser, desde que sejam maduros, conscientes e consintam com este relacionamento. A chave é a maturidade e isso não vem com o passar do tempo. A chave é o amor e ainda não praticamos aquilo que sentimos.
Infelizmente, vivemos em um  mundo onde se celebra a violência, o medo e o ódio. E nos consideramos mais civilizados e cultos. Ainda temos medo de ser e viver como os antigos, que nós tanto definimos como atrasados, mas antigamente se celebrava o amor, a vida e a alegria. A diferença entre antigamente e hoje, é que antes os antigos viviam aquilo que acreditavam e hoje apenas se fala, mas não se vive o que se crê. Antigamente a sexualidade era vista e vivida sem discriminação, sem preconceito, sem neuroses. Uma visão sobre o corpo, o prazer e o amor que nos choca, um mundo aparentemente sem regras ou moral alguma. Hoje nós vivemos em um mundo cheio de regras, tabus e moral, mas vivemos em uma sociedade doentia que acha normal a violência física e sexual contra crianças e mulheres. Para quebrar com esse modelo e sistema social doentio, temos que reaprender a ouvir o que os mitos antigos têm para nos contar, a respeito de nós mesmo, de nossa verdadeira essência e, ao invés de reprimir e negar nossa sombra, abraçá-la, para vivermos nossa humanidade em plenitude e, com isso, alcançar as estrelas e realizar o nosso potencial divino.

2 comentários:

Nana Odara disse...

Como vc mesmo um dia m disse: os homens ainda estão neandertais nesse processo da transição da sexualidade...

se quer saber, as mulheres idem..

simples: as nossas gerações tiveram uma iniciação sexual deturpada, patriarcal... no meio do caminho, tropeçamos na maçã... agora ficamos a meio... queremos o 'hierogamos' mas ainda somos atavicamente machista, conservadores, ou no mínimo ainda divididos, vendo a mulher cingida em duas, sem saber ou querer juntar as duas... ou mesmo se querendo, sem saber como...

pq as nossas referências sexuais são patriarcais... o q nos dá tesão, o q é sexy, o prazer, vem de uma ótica patriarcal, no nosso caso ocidental, judaico-cristã...

nada disso é uma sexualidade pagã...

e o Deus cornífero, só virá depois da Deusa, pq é ela q o inicia... primeiro temos de restabelecer o Feminino, q foi banido, só então a Deusa vai trazer o Deus, vai iniciá-lo, vai re-introduzí-lo... ele vai precisar tirar a pele do deus patriarcal, e renascer...

isso só acontece depois q o homem, pagão, se desprendo dos seus valores e da sua sexualidade patriarcal... descontaminar... reencontrar seu lado feminino, balancear seu yin... só então, virá o deus, pelas mãos da deusa, como opostos complementares, numa sexualidade superiormente intensa e profunda...

não desanime.. kkkkkkkkkkkkkkkk

hj, a iniciação da mulher é feita pelo homem, o comedor... q elege uma e as outras usa e joga fora... as 'outras' iniciam homens, mostrando com a sua ferida, apenas um lado da mulher, e os homens uma vez iniciados pela mulher dividida, pra sempre verão as mulheres assim, divididas...

pra sempre não, q sempre é mto tempo... mas ainda hj veem assim, e mudar isso não é brinquedo não...

Nana Odara passou por aqui...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkk...

bjins...

betoquintas disse...

Eis a Musa! };*
Correta e sábia.
Sim, nós temos um referencial patriarcal de como deve ser nossa vida erótico-afetiva. Estão aí o bordel, a prostituição, a pornografia. Enquanto, por outro lado, temos a imposição do casamento, da monogamia, da fidelidade.
Para este pagão, ainda tem que acontecer a Revolução Sexual. Nós podemos recolocar a Deusa em seu devido lugar, sem esquecer do lugar que cabe ao Deus. Afinal, nosso Deus não é o Cristão.