segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Ensaio de história

Este ensaio não é uma tentativa de estabelecer uma "prova" histórica da existência da Bruxaria, mas serve para indicar os indícios de que existiam certas crenças e práticas que precederam a histeria da Caça às Bruxas, a Inquisição, bem como o ceticismo acadêmico posterior quanto a existência desse fenômeno.
O primeiro indício vem das Capitulares de Carlos Magno à Saxônia:
6. Se alguma pessoa iludida pelo Diabo acreditou, como nos modos pagãos, que qualquer homem ou mulher é um(a) bruxo(a) e come homens [gente] e por essa crença queimou tal pessoa, ou deu a carne dessa pessoa para outros comerem ou tenha comido, que seja punido por morte.
9. Se alguma pessoa sacrifificar um homem aos demônios, que seja punio por morte.
21. Se alguma pessoa fez um juramento nas nascentes ou árvores ou pomares, ou tenha feito qualquer oferenda pelos modos do pagão e tomou parte de uma refeição em honra aos demônios, se for um nobre 60 solidi[moeda corrente], se um liberto 30, se um servo 15.

Mesmo a Igreja, antes da histeria, tinha canons que visavam a proibição das práticas originais dos povos europeus, como o Concílio de Elvira (306 DC):
1. Um adulto batizado que comete o crime capital de sacrificar a ídolos não deve receber a comunhão mesmo quando a morte se aproximar.
6. Se alguma pessoa mata outra por feitiçaria ou magia, essa pessoa não deve receber a comunhão, mesmo na morte, pois esta ação é uma forma de idolatria.
34. Velas não devem ser acesas no cemitério durante o dia. Esta prática está relacionada com o Paganismo e é prejudicial aos Cristãos. Aqueles que fazem isso devem ser negados a comunhão da igreja.
35. Mulheres não devem permanecer no cemitério durante a noite. Algumas ocupam-se no pecado ao invés de orações.
40. Senhores [de terras] não devem receber como aluguel coisa alguma que tenha sido anteriormente oferecido a ídolos. Se o fizerem, eles serão excluídos da comunhão por cinco anos.
59. Um Cristão não deve ir à capital e ver os Pagãos oferecer seus sacrifícios. Se um Cristão o fizer, ele ou ela é culpado do mesmo pecado e não deve comungar antes de completar dez anos de penitência.

Ou o Concílio de Ancyra (314 DC):
Canon VII.
Em relação aqueles que tomaram parte nas festas pagãs em um local apontado por pagãos, mas os que trouxe e comeu suas próprias refeições, decreta-se que estes serão recebidos após terem se prostrado por dois anos; mas se com oferta, todo bispo deve determinar que faça um exame pelo resto da vida.

Canon XXIV.
Aqueles que praticam adivinhação e seguem os costumes dos pagãos, ou que levam aos homens para suas casas para as invençoes da feitiçaria, ou para purificações, caem sob o canon de cinco anos.

Ou o Concílio de Trullo (692 DC):
Canon LXI.
Aqueles que dão-se a videntes ou aqueles que são chamados de hecatontarcas ou a qualquer outro que, no sentido que eles pordem aprender deles que coisas eles desejam que lhe sejam reveladas, sejam todos estes, de acordo com os decretos feitos pelos Patriarcas a respeito deles, sejam sujeitos ao canon de seis anos. E a esta pena eles também estarão sujeitos [...] tanto quanto os que predizem fortunas ou fatalidades e genealogia e uma multidão de palavras desse tipo de absurdo de decepção e impostura. Também aos que são chamados expulsadores de nuvens, encantadores, doadores de amuletos e videntes.

Canon LXII.
As ditas Calendas [...] e a assembléia que acontece em primeiro de Março, nós desejamos abolir da vida do fiel. E também as danças públicas das mulheres, que podem fazer muito dano e rebeldia. Além disso nós afastamos da vida dos Cristãos as danças dadas em nome dos falsamente chamados deuses pelos Gregos, sejam homens ou mulheres, as quais são feitas de uma forma antiga e não-cristã; [...] nem deve os homens invocar o nome do execrável de Baco quando eles espremem o vinho nos tonéis; nem quando derramar o vinho em jarras [para causar riso], praticando em ignorância e vaidade as coisas que procedem da fraude da insanidade.

Canon LXV.
Os fogos que são acesos nas luas novas por alguns na frente de suas lojas e casas, sobre os quais (de acordo com certo costume antigo) eles estão acostumados tolamente e loucamente a pular, nós ordenamos de agora em diante que cesse. Em vista disso, aquele que fizer tal coisa, se for um clérigo, que seja deposto; se for um leigo, que seja banido.

Canon XCIV.
O canon sujeita a penalidades aqueles que fazem juramentos pagãos e nós lhes decretamos a excomunhão.

Não houve senão no período do Iluminismo a preocupação em pesquisar fontes históricas e antropológicas a respeito da Bruxaria, ou seja, não existiram profissionais que fossem a campo para registrar de forma imparcial como era a crença popular na Europa antes do Cristianismo. Assim, os acadêmicos só tinham como fonte de referência os processos que o poder secular e sacerdotal conduziu, tanto contra hereges quanto contra as bruxas, a ponto das bruxas serem confundidas como outra forma de heresia. De concreto, eu considero possível que a histeria tenha tido uma influência no fenômeno e que este contribuiu para alimentar ainda mais o medo, a violência, o preconceito. A despeito do poder e das leis, a crença popular e a Bruxaria conseguiram sobreviver clandestinamente, como muitos outros grupos sobreviveram à tirania, como os Cristãos diante do Império Romano, como os Judeus diante do III Reich. Não será dificil de sobreviver à tirania acadêmica, mas evoco aos Deuses Antigos que a Arte sobreviva aos golpes dos farsantes que se infiltraram nela.

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