segunda-feira, 24 de junho de 2024

Cadê a liberdade religiosa?

A bruxa Tânia Gori, 54, foi pega de surpresa quando Rafael Bitencourt, youtuber cristão, postou um vídeo em 10 de junho atacando a Convenção das Bruxas e Magos, que aconteceu em Paranapiacaba, região metropolitana de São Paulo, um mês antes. O evento, fundado por Gori em 2003, é o maior encontro pagão da América Latina e reúne 60 mil pessoas anualmente. A convenção dura três dias, com palestras, vivências, ritos, apresentações de dança e shows.

No vídeo, que já acumula 104 mil visualizações, Bitencourt acusa as bruxas de praticarem “rituais dos mais complexos e pesados que estão sendo romantizados”, com “feministas e homens que não são mais homens de verdade”.

“Estão romantizando as trevas, normalizando os cultos às trevas”, continua o youtuber. “Fazem rituais a demônios, que eles chamam de energia e espíritos da floresta, mas a Bíblia nos aconselha que são demônios”. Marie Claire entrou em contato com Bitencourt mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Um outro vídeo, do canal TV Paraú, também de conteúdo cristão, foi postado com ataques à Convenção de Bruxas e Magos e soma 10 mil visualizações. “Se tu é cristão, se prepare, estamos numa batalha espiritual muito grande”, diz Sátrio Araújo.

Segundo Gori, a Associação Brasileira de Bruxaria (ABB) entrará com medidas judiciais contra Bitencourt por intolerância religiosa. A organização, criada em 2021, conta com 14 mil filiados no país, em sua maioria mulheres.

“Só falamos de amor à natureza. Não existe ataque a nenhuma linha religiosa, nenhum ritual que faça algo ruim. Foi um choque ver minha imagem, o nome da convenção ser associado a essa desinformação”, diz Gori, também fundadora da Casa da Bruxa, em Santo André, de 1997, e bacharel em teologia e contabilidade.

“Um trabalho de 20 anos dedicado ao bem-estar, tirando pessoas de depressão, levando palavras de alegria, fazendo que as pessoas pensem por si só, merece ser apedrejado? Será que esse é o mundo em que queremos viver? Estamos voltando para a Inquisição? Mais uma vez, estão tirando nossa fala. E para quem acha que não tem nada a ver isso, é só ver como foram e ainda são silenciadas as minorias.”

Segundo Gori, a bruxaria é uma filosofia de vida que busca melhorar a qualidade de vida por meio da natureza: “Para uma dor de garganta, por exemplo, uma bruxa usaria um chá de gengibre, gargarejo com casca de romã para melhorar. A bruxa é uma curandeira”.

“Não atacamos nenhuma religião ou crença. A bruxa busca, por meio do natural, somente ser feliz. A bruxaria acaba sendo um movimento político porque quer sair do mercantilismo, dessa necessidade de um capitalismo tão arrojado. Isso incomoda a muitas pessoas. Na Idade Média, foi feito tanto alarde a respeito da bruxaria, e eram perseguidos pensadores, cientistas, pesquisadores, quem tentasse mostrar outra realidade. Esse marketing medieval à bruxaria dura até hoje, nos associando ao demônio”.

Para Gori, o ataque à bruxaria é também uma tentativa de silenciamento de mulheres: “A mulher é quem normalmente tem o conhecimento das ervas, da natureza, é quem cura dentro das tribos”.

Fonte: https://revistamarieclaire.globo.com/google/amp/retratos/noticia/2024/06/a-inquisicao-esta-de-volta-quem-sao-as-bruxas-que-sofrem-ataques-de-um-youtuber-cristao.ghtml

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