sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Primeiro doutor intersexo

Na tarde desta quarta-feira, dia 07.02.2024, o sociólogo Amiel Vieira, Intersexo e pesquisador CAPES na UFRJ, defendeu sua tese: UMA AUTOETNOGRAFIA BIOÉTICA: HÁ CUIDADO EM SAÚDE PARA A PESSOA INTERSEXO COM GENITAL ATÍPICO?

O site da ONU reitera que 1,7% da população mundial estaria em condição Intersexo e a grande maioria não sabe! Afinal, quantas pessoas que você conhece já fizeram exames de diagnóstico cromossômico?

A letra I na sigla LGBTI+ é sobre pessoas Intersexo.

Foram mais de 6 anos para produzir a tese histórica sobre e a partir dos corpos Intersexo. A esticada do laço se deve a dois momentos importantes que atravessou: um acidente na noite de natal que o deixou em coma por mais de um mês e a pandemia de COVID-19.

Sobrevivente em vários sentidos, Amiel Vieira, nascido com genitália fora do padrão médico que ainda se ancorava no falômetro, apresenta em sua autoetnografia os documentos que datam de seu nascimento e que "justificará" o que ele chama de "mutilação genital". Poderia ser chamado castração, segundo membros da banca de defesa, mas para além disso e na busca por parceiros deste tempo e atualizados nas discussões, Amiel propõe aliança com a nova medicina.

Sua aposta na descrição do cenário da pesquisa brasileira nos mostra não apenas a fragilidade dos currículos biomédicos e de saúde aplicada que excluíram da existência e história os sujeitos Intersexo, mas a estrutura de cumplicidade entre as práticas médicas em uma colonialidade militarista. Nelson Felici de Barros, membro da banca informa que o paradigma não reconhece a riqueza da diferença, a diferença outrora, é um problema da sociedade como foi construída: " se precisar matar 4 para que 6 sobrevivam, o sistema agirá dessa forma!".

Enquanto jornalista, pesquisadora e travesti, em 2018 estruturamos junto aos movimentos sociais a uniformidade da palavra "Intersexo", que naquele momento definimos com a característica substantiva própria, por isso a letra sempre maiúscula, em razão da invisibilidade histórica; e segundo a condição biológica adjetivada, como no plural de "síndrome de down" que segue o mesmo rigor.

Uma pessoa com síndrome de down, duas pessoas com down!

Uma pessoa Intersexo, duas pessoas Intersexo!

Os hermafroditos foram alocados em ausências ao longo da história como Morgam Carpenter, Mauro Cabral, Carolina Iara, Vida Guzzo apresentam em seus trabalhos. Paula Sandrine, pessoa endosexo (ou seja, aquela que não é Intersexo) também é uma das maiores referências mundiais do tema e em sua tese defendida em 2008, "O sexo dos anjos : representações e práticas em torno do gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade", já trazia a importancia histórica deste momento.

Maria Clara Dias e Milena Peres, ambas pessoas endosexo, dirigem o documentário chamado Amiel (2019) que descobre sua intersexualidade apenas aos 33 anos de idade, quando, ao encontrar uma carta do Hospital das Clínicas de São Paulo, desvenda o segredo sobre sua condição mantido por seus pais. Maria Clara, faz parte da banca de defesa deste doutorado e apresenta a grandeza desse momento de tantas nuances e vieses históricos.

Que o estado brasileiro seja condenado pelo que causou a você e em seu corpo através das cortes internacionais. Nascer macho e carregar o pressuposto "homem" não foi uma possibilidade para ele. Amiel, que foi criado como mulher e se refez homem, após ser "castrado" e com aval da medicina é no mínimo questionador existir para cada ser humano.

Termino este texto com duas mensagens:

A primeira da Secretária Nacional LGBTI+ do Ministério dos Direitos Humanos, Symmy Larrat, que disse estar emocionada e a segunda, a mensagem do maior nome em Direitos Humanos na gestão Lula3, Silvio Almeida que disse ao saber da defesa da tese, estar acompanhando e desejava os parabéns, marcando o avanço histórico e epistemológico.

Fonte: https://www.brasil247.com/blog/brasil-tem-seu-primeiro-doutor-intersexo

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