Chama-me a atenção o texto de Peter Jones advertindo quanto à uma "ameaça pagã" nascida de uma "esquerda religiosa". Interessante porque se o Paganismo é a "esquerda religiosa", o Cristianismo é a "direita religiosa".
No mundo ocidental, o fundamentalismo, o fanatismo e o conservadorismo político de direita se confunde e se identifica com o Cristianismo; não é à toa que impérios, reinos e repúblicas totalitarios e ditatoriais foram apoiados pela Igreja.
Peter Jones confirma em seu texto as suspeitas dessa identificação e vinculo entre partidos políticos de direita e o Cristianismo com uma "denúncia" absurda. Misturando e confundindo Gnosticismo, Nova Era, a Homossexualidade, o Feminismo e a Contracultura (década de 70, século XX) com o Paganismo apenas porque estes fenômenos são distintos do Cristianismo ou contestam a "verdade" cristã.
Peter Jones identifica algumas características dessa "esquerda religiosa" com o Monismo, uma filosofia que existiu na Grécia antiga, na época pré-socrática. Mas não foi a única escola filosófica da Grécia antiga nem foi o pensamento dominante das antigas religiões que existiram antes do Grande Expurgo Religioso, que ocorreu quando o Cristianismo se tornou a única religião autorizada do Império Romano.
Cristianismo que, inclusive, deve muito à Lógica de Aristóteles e ao Logos do Neoplatonismo, resultados do desenvolvimento filosófico da Grécia antiga pagã.
Como se não fosse o suficiente omitir e misturar as informações, o autor tenta induzir o público ao denunciar eventos atuais (a publicação dos apócrifos, aborto, homossexualidade) como sendo consequência da atuação dessa crença. Discurso típico do fundamentalista, tudo que é diferente do Cristianismo, ou do que ele concebe como sendo o Cristianismo ideal, é considerado "paganismo" ou "satanismo".
Peter Jones reclama da diminuição da ortodoxia, mas a história do Cristianismo demonstra que nunca houve tal Cristianismo ideal, desde seu aparecimento por volta de 30 DC o Cristianismo teve diversas vertentes até se consolidar uma ortodoxia, por meio da violência e da política.
No momento, bem às vistas, estão aparecendo novas vertentes, como o chamado neopentecostalismo, enquanto o catolicismo tenta garantir seus fiéis com o velho sincretismo e ecumenismo. Essa variação deve assustar, amedrontar o cristão fundamentalista de tendência política de direita, que apenas consegue viver e conceber o mundo se este estiver debaixo da farda, seja esta militar ou clerical.
Peter Jones reclama do liberalismo, mas a história do Cristianismo e da humanidade passou pelo período da Reforma Protestante e pelo período da Revolução, os ideias ora esposados pelo autor e pelos cristãos fundamentalistas não teria existido sem essa mudança que ocorreu por volta do século XV. Todo o movimento Protestante não poderia ter acontecido sem que o movimento Revolucionário houvesse conquistado para a humanidade a concepção de um mundo com mais liberdade, igualdade e fraternidade.
Essa democracia deve assustar, amedrontar o reacionário de direita cristão, que apenas consegue viver e conceber um mundo se este estiver dominado pela opressão e repressão.
Peter Jones reclama do helenismo, mas a história do Cristianismo teria sido diferente se não fosse pelo helenismo, que foi adotado pelo Império Romano e que garantiu a expansão do Cristianismo pelo Império em decadência. Nem mesmo os evangelhos, que foram escritos em koiné [grego popular], que foi adotado pelos cristãos exatamente porque cresceram em uma época helenizada. As comunidades cristãs teriam sido diferentes, se não fosse pelos Judeus helenizados, que admitiam e permitiam a entrada de Gentios em seu movimento messiânico, que depois se tornou o Cristianismo.
Peter Jones reclama da liberdade de interpretar os evangelhos, do aparecimento de heresias, mas a prórpia Reforma tornou-se possível somente graças à luta de Lutero contra a da Igreja Católica, tirando desta o monopólio sobre os evangelhos. Foi pela interpretação literal do texto que o Protestantismo se destacou do Catolicismo e foi desta vertente que nasceu o Fundamentalismo Cristão, do qual Peter Jones é fruto.
Peter Jones reclama da "infiltração pagã" no Cristianismo, com a adoção do conceito divino "Sophia" [sabedoria] da crença gnóstica, mas o elogio à Sabedoria feito pela Igreja Cristã ao longo de sua existência foi feita a partir do mesmo conceito, em imitação à Shekinah Judaica. O que incomoda Peter Jones e os fundamentalistas cristãos é que as crenças do povo de Israel tem mais raízes pagãs e politeístas do que seu Cristianismo ideal utópico pode aguentar.
Peter Jones reclama da "nova sexualidade", que de "nova" não tem coisa alguma, apenas a humanidade despertou para o fato de que tinha uma sexualidade e de que vivemos uma época de repressão/opressão sexual porque o Cristianismo (como as demais religiões monoteístas) tem problemas em relação ao corpo, ao sexo, ao prazer.
A base do puritanismo cristão são as epístolas do apóstolo Paulo, nitidamente misóginas e intolerante a outras formas de sexualidade. Mas foi a Reforma que começou a contestar a forma como a Igreja interpretava as escrituras, a Renascença apenas trouxe essa contestação ao campo secular, portanto podemos e devemos contestar as chamadas verdades das escrituras que condenam o legitimo direito da humanidade de redescobrir e vivenciar sua sexualidade, livre dos dogmas cristãos.