Por Camila Marins.
Há 32 anos, no dia 17 de maio, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Desde então, a data é celebrada como dia de luta contra a LGBTQIAfobia. São mais de três décadas lutando contra a patologização de nossas orientações sexuais.
Apesar desta conquista ser importantíssima, sabemos que terapias de conversão e “cura gay” seguem sendo violentamente aplicadas no país. Com o desmonte do SUS e das redes de saúde mental dos estados e municípios, crescem iniciativas fundamentalistas de comunidades terapêuticas e, em muitos destes lugares, são registradas violações de Direitos Humanos, sobretudo contra a população LGTBTQIA+. A luta pela despatologização das identidades LGBTQIA+ está intrinsecamente conectada à luta por uma saúde pública universal, laica e de qualidade.
Pelo menos cinco pessoas LGBTQIA+ foram vítimas de homicídio no país a cada semana em 2021, segundo o Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+. Ao todo, foram 262 assassinatos, aumento de 21,9% em relação ao ano anterior, quando o total foi de 215.
Nos últimos anos, o mundo passou pela pandemia da Covid-19 que piorou, e muito, as condições sanitárias, econômicas e sociais da população.
Muitas pessoas LGBTQIA+ reviveram processos de expulsão e violências dentro das casas de sua família nuclear, perderam o emprego e a renda, foram morar nas ruas, adoeceram e morreram. Qual a porcentagem da população LGBTQIA+ que se contaminou com Covid ou morreu? Não sabemos, porque não há vontade política em incluir os campos de orientação sexual e identidade de gênero nos boletins epidemiológicos e de óbito. E se não temos dados e estatísticas, não há política pública.
Para além da insuficiência de informações e de um perfil demográfico de nossa população LGBTQIA+, o Congresso Nacional não aprova leis pró-LGBTQIAs desde 1988, ou seja, desde a redemocratização do país. E não faltam iniciativas de projetos de lei, mas sobra LGBTQIAfobia das bancadas conservadoras e fundamentalistas. Um exemplo que foi utilizado como fake news para alimentar o antipetismo foi o chamado “kit gay”. Esse terror ideológico contra a população LGBTQIA+ é também moral.
Os poucos dados estatísticos disponíveis à comunidade LGBTQIA+ não deixam dúvida: as lésbicas, os gays, as travestis e transexuais negros são as maiores vítimas da violência motivada por discriminação. É a populacao preta e LGBTQIA+ que mais morre de Aids neste país. O percentual chega a ser 22% maior na comparação com LGBTQIA+ brancos, segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde.
O atual governo federal desmontou o departamento de IST/Aids e acabou com campanhas educativas voltadas à população LGBTQIA+. Pretas e pretos periféricos usuários do SUS são escanteados por um governante que já disse que menino vira gay por falta de porrada.
A crise que vivemos é estética e ética. O ano de 2022 é, sem dúvida, fundamental para retomarmos um caminho de cidadania contra a barbárie. Urge uma agenda de ações, a começar pela realização de um Censo LGBTQIA+ e a destinação de Orçamento Público para as políticas específicas, como o Dossiê Lesbocídio; ambulatórios de saúde para população LGBTQIA+; centros de abrigamento e acolhimento, entre outras. Nós, pessoas negras e LGBTQIA+, queremos viver, e não apenas sobreviver.
Camila Marins é jornalista, mestranda em políticas públicas em direitos humanos pela UFRJ, editora da Revista Brejeiras e pré-candidata a deputada federal pelo PT.
Fonte: https://revistaforum.com.br/debates/2022/5/17/17-de-maio-pela-interseco-das-pautas-negras-lgbtqia-por-camila-marins-117515.html
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