sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Seja meu o êxtase e a alegria na terra

Nós dizemos em nossos rituais a Carga da Deusa.

A versão mais conhecida diz em um trecho: “Cante, festeje, dance, faça música e amor, todos em minha presença, pois meu é o êxtase do espírito e minha também é a alegria sobre a terra”.

Há outro trecho onde se diz: “Pois meu é o êxtase do espírito e minha é a alegria do mundo; pois a minha lei é o amor para todos os seres”.

Em uma versão mais antiga há um trecho que diz: “Há uma porta secreta que eu fiz para estabelecer o caminho para experimentar mesmo na terra o elixir da imortalidade. Digam, ‘seja meu o êxtase e alegria na terra’”.

A maioria de nós nasceu em uma cultura que ficou soterrada pelo recalque, pela opressão e repressão ao corpo, ao desejo, ao prazer, ao amor e ao sexo, fruto da crença judaico-cristã. A postura do Paganismo Moderno é bem revolucionária em relação à maioria das religiões majoritárias ao colocar o corpo, o mundo, o desejo, o prazer, o sexo e o amor como parte do caminho e busca espirituais.

Em sua estrutura ritualística, a Wicca Tradicional celebra a fertilidade com o Grande Rito, não há como vivenciar e entender o mistério de nossa religião sem que o sacerdote incorpore o Deus e sem que a sacerdotisa incorpore a Deusa e realizem o Hiero Gamos. Esta liturgia ainda sobrevive em covens mais tradicionais, mas foi perdido com a popularização da Wicca e com a chegada da neowicca. Hoje em dia se fala com naturalidade no rito simbólico e em auto iniciação, abriu-se mão de diversos princípios tradicionais para se conseguir maior aceitação do público.

A história antiga mostra que nossos ancestrais sabiam como celebrar. Antigamente os festivais religiosos eram eventos populares, havia música, dança, canto, a multidão tinha alegria e êxtase nesses atos voluntários de adoração aos Deuses. Quanta coisa nós perdemos quando concedemos poder a uma instituição religiosa, quanto nós perdemos ao conceder uma autoridade a uma religião oficial. Tudo que se ouve nas igrejas é lamúria, choro, remorso, arrependimento, sofrimento, dor.

Em pleno mundo contemporâneo não vemos muitas demonstrações públicas de canto, dança, música, júbilo, alegria e êxtase. A Sociedade, o Estado e a Igreja nos permitem apenas o Carnaval, festas juninas, natal. Imaginar uma cidade inteira em festa por meses em louvor a um Deus ou uma Deusa é impensável, mesmo para as religiões oficiais. O que vemos nas mídias, em termos de entretenimento e notícia, é violência, tragédia, sofrimento, dor. Falar em amor, júbilo, alegria e êxtase em tais sociedade e cultura doentias é loucura.

Como percebemos, entendemos e realizamos a alegria e o êxtase na terra, em nossas vidas, em nossas cidades, em nossos países, parecem ser questões surreais. A alegria está ligada ao contentamento, a uma vida feliz, um sentimento de satisfação. A condição de estar contente ou ser feliz, nesse mundo consumista e egoísta, parecem ser impossíveis. O êxtase está ligado ao arrebatamento, ao estado de satisfação absoluta, quando obtemos um prazer total, onde nossas necessidades deixam de existir e vivemos na plenitude divina. A percepção de que o mundo “real” é uma simples miragem, espelho, reflexo, ilusão de algo maior, nesse mundo niilista e materialista, parecem ser sonhos.

O pagão, o bruxo e o wiccano vai além de celebrar, nós vivenciamos essa prática, diariamente, pois dizemos: “todo ato de amor e prazer” são os rituais de nossos Deuses.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Analogias religiosas

Que o descrente é péssimo em analogias para criticar as religiões isso eu escrevi aqui neste blog.

O Azarão publicou uma analogia religiosa típica do descrente.
Ali diz que religião é como um pênis.
"É bom ter um. É bom ter orgulho dele. Mas, por favor, não o use como um chicote em público nem comece a acená-lo para os ao seu redor. E, por favor, não tente enfiá-lo goela abaixo de meus filhos".

No perfil do Azarão no Google plus eu provoquei:
- Por que não vagina?
Ele respondeu [sem entender a provocação]:
Porque vagina eu adoraria que tentassem me enfiar goela abaixo!

Eu usei o oráculo do Google para ver se tinha alguma analogia com religião e vagina.
Eu encontrei vários comentários interessantes.

Se religião é como pênis, religiões maiores são melhores?
Vamos parafrasear: religião é como vagina, quente e convidativa, mas uma vez dentro e contribuindo, as obrigações te tiram o tempo, o dinheiro e a liberdade [alguns colocaram razão].
Podemos brincar mais. Religião é como pênis/vagina. Todos nascemos com um/a. Então o descrente é aquele/a que quer extirpar seu órgão sexual. Então o descrente quer ser assexuado. Ou trocar de sexo. Ou ser transgênero. Ou quer ter a liberdade de se relacionar sexualmente com pessoas de seu próprio sexo. Ou tem vergonha de seu sexo. Ou é tímido/a em se relacionar intimamente com outras pessoas. Ou [como bom crente das religiões abraãmicas] acha que sexo é coisa de gente suja, vulgar e pecaminosa. Freud explica.
Se religião é como pênis/vagina, uma suruba é a missa? Pular a cerca é congregar em outra religião? Adultério é dizer ser de uma religião mas praticar escondido outra? Proselitismo é quando exageramos o tamanho/importância da religião? Cerimônias públicas são um atentado ao pudor?
Como ficaria a questão de desejar outro/a homem/mulher, sendo casado/a? Como ficaria a modificação do corpo [estética/plástica] para termos um corpo melhor?
Se a religião é como pênis, então apenas adultos sabem o que é, como funcionam e podem utilizar. Descrentes são como crianças que não amadureceram. Se a religião é como pênis, transar com uma vagina seria sincretismo. Usar a "porta dos fundos" seria superstição.
A coisa ficaria ainda mais interessante se incluíssemos outras partes do corpo [igualmente úteis no sexo] como boca, seios, ânus, mãos. Então teologia seria uma sexologia. Um bordel seria uma igreja. Uma prostituta seria uma sacerdotisa [e antigamente muitas eram]. Pílulas anticoncepcionais seriam a hóstia e a camisinha seria a "roupa de domingo".
Isso dá um sentido todo diferente ao termo "ir ao confessionário". Mas seria redundante ao termo "missionário" e "ajoelhar".

Considerando que o Paganismo Moderno, a Bruxaria e Wica Tradicionais são religiões que são sensuais e sexuais, faz muito sentido falar em pênis e vagina. Nós temos um Senhor e uma Senhora. Nós temos o Grande Ritual. Nós dizemos que "todos os atos de amor" são rituais de nossos Deuses. Então, dentro de uma cerimônia, celebrantes irão expor seus órgãos sexuais e usar, tudo em louvor e honra aos nossos Deuses.

Sem religião, sem pênis/vagina, não há amor e sexo. Sem religião, sem pênis/vagina, não existe humanidade. Então nós precisamos ter uma religião. Para esta religião, não falta até um livro sagrado: Tantra. Somente duas pessoas são necessárias e uma cama. E no êxtase, nos permitimos ser arrebatados para o Paraíso, com os Deuses.
Nisso eu concordo com Azarão. Religião é como sexo. Devia e deve ser sempre privado, íntimo, particular. E cada um cuidando de sua própria vida erótico-afetiva.

domingo, 26 de outubro de 2014

O Deus de Schrodinger

Caros diletos e eventuais leitores, este é um texto que não é um texto. Magritte em forma de palavras. Este é um texto que é tanto uma análise, quanto uma crítica, quanto uma reflexão, quanto uma paródia. Seja o caro dileto e eventual leitor crente ou descrente, coloque seu bom humor na frente.

Schrodinger foi um físico teórico que usou o paradoxo que leva seu nome para explicar como as partículas se comportam em nível subatômico, tornando-se um modelo mental para a Física Quântica. O paradoxo, conhecido como o Gato de Schrodinger, propõe um modelo mental onde um gato é colocado em uma caixa lacrada, junto com um frasco de veneno. Na caixa existe um mecanismo que pode ou não acionar o veneno, a questão de Schrodinger é que não é possível, depois de determinado tempo, afirmar se o gato está vivo ou morto. Se um observador abrir a caixa, o paradoxo permanece, pois a ação de pegar ou abrir a caixa pode disparar o mecanismo que aciona o veneno e matar o gato, em suma, a ação do observador altera a natureza do objeto observado. Schrodinger é ateu, como muitos cientistas. O que é curioso é que ele tenha que recorrer a uma analogia, um modelo mental, uma explicação filosófica, para explicar uma teoria científica. Muito mais curioso é ler um texto ou comentário ateu afirmando que a filosofia em nada contribuiu para a ciência.

Essa analogia pode ser usada para outras questões, como a existência dos Deuses. Crentes ou descrentes, segurem um pouco sua raiva e reação. Eu devo lembrar que a ciência não afirma que os Deuses não existem, apenas que não tem evidência de existirem. Eu devo lembrar também que o objeto de estudo da ciência é o mundo material, considerações sobre a existência pertencem ao objeto de estudo da filosofia e da religião.

Antes eu vou citar alguns resultados tirados do oráculo virtual [Google]:

“Da mesma forma, a existência de Deus pode ser visto como o conhecimento se o gato está vivo ou morto. Contudo, não podemos olhar na caixa o que torna o paradoxo como imutável. Você pode acreditar que o gato está vivo ou morto, não há nenhuma maneira de saber se você está certo e como não há maneira alguma de realmente olhar na caixa, esse estado paradoxal continua. Da mesma forma, se você olhar para a existência de Deus, você vai encontrá-lo e se você não fizer isso você não vai encontrá-lo”. [News24]

“A coisa sobre o gato de Schrodinger é que é uma tentativa de colocar um fenômeno que só existe no nível quântico e visualizá-lo em uma escala macroscópica, e, por várias razões, eu não acho que isso é possível. O gato estar vivo ou morto teria uma influência mensurável sobre o mundo real (ondas sonoras do batimento cardíaco, energia térmica, etc).

A coisa é, se existe um deus, deísta ou não, a sua existência deve ter algum tipo de efeito mensurável sobre o mundo real”. [skeptical avenger]

“Mas embora não se saiba se o gato esta vivo ou morto, assim como não se vê Deus, nem tão morto como Friedrich Nietzsche julgou estar, e nem tão vivo como queremos acreditar sim, porque como consequência ou como resultado, daquilo que somos é baseado naquilo que acreditamos, imagina qual a consequência em nós, o resultado em nós em acreditar em alguém que nunca vimos? Loucura? Insensatez? ou simplesmente o fato de que acreditamos, independentemente se vimos ou não, ou não o conhecemos tão bem quanto achamos que conhecemos a nós mesmos, ou a palma de nossas mãos.

Acreditamos porque sabemos que Ele está lá. De alguma forma ele está lá, e diga-se de passagem aqueles que por menor que sejam a sua fé, se apesar dos pesares se manterem firmes a essa pequena chama como o fogo de uma vela com um pequeno pavio, sim! esses serão os maiores sábios e homens de Deus assim como menores homens entre os próprios homens que você poderá conhecer, as mais preciosas lições estarão com eles não os holofotes, e você será um bem-aventurado se conseguir captar ao menos uma palavra”. [vontade descabida]

Caso a platéia ainda não dormiu, o paradoxo do gato de Schrodinger não é apenas se o gato existe ou não, se o gato está vivo ou morto, mas também que a observação altera a natureza do que é observado. Por mais objetivo e imparcial que seja o observador [pesquisador, cientista], sua mera presença [e bagagem cultural] irá alterar a natureza do objeto observado, bem como a interpretação [evidência] de sua existência. Eu sinto que estou começando a irritar os descrentes. Eu vou empatar esse jogo.

Se o paradoxo do gato de Shrodinger pode ser usado como uma analogia para a existência dos Deuses, então não há, em absoluto, qualquer afirmação exata que se possa fazer a respeito da existência dos Deuses, quem são Eles e qual a relação Deles com a natureza. A observação, a natureza do que foi observado, a impressão do que se observou, será sempre individual. Nenhuma pessoa, grupo, organização ou instituição pode fazer qualquer afirmação tendo por base sua visão, observação ou experiência pessoal [subjetiva] a respeito dos Deuses. Eu sinto que consegui irritar os crentes. Eu vou empatar de novo.

Crentes e descrentes fazem afirmações sobre e a respeito da existência dos Deuses com base na filosofia, não em fatos mesuráveis, quantificáveis, reproduzíveis. Nem poderiam ser, pois os Deuses não são objetos inertes, tente estabelecer padrões constantes e fixos para o comportamento humano e verão como há sempre exceções que desafiam a regra.

Descrentes tem razões de sobra para criticarem crentes, mas lhes falta razão quando fazem tábua rasa e jogam todas as religiões e religiosos no mesmo saco.

Crentes tem razões de sobra para criticarem descrentes, mas lhes falta razão quando não aplicam o mesmo rigor para analisar sua crença.

O descrente tem seu próprio método [caminho] para se situar no mundo, na vida, na existência. O crente tem seu próprio método [caminho] para se situar no mundo, na vida, na existência. Ao invés de ficarmos nos atacando, deveríamos discutir e debater as ideias, os argumentos. A experiência científica é válida dentro de seu escopo, a experiência religiosa é válida dentro de seu escopo, no fim, apenas quem passa pela experiência pode avaliar, de forma subjetiva, particular e pessoal, se a experiência é legítima.

Quanto ao gato e Deuses, eu devo ser um dos poucos religiosos que também é cético. O gato está e não está no texto. Os Deuses estão e não estão na natureza. Este texto foi e não foi lido. Nada é simples, quando tentamos colocar em palavras o Universo.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

As dezoito Ménades

Na mitologia grega, as Ménades, ou Mênades, (de mainomai, ”enfurecido”), também conhecidas como bacantes, tíades ou bassáridas, eram mulheres seguidoras e adoradoras do culto de Dioniso (ou Baco, na mitologia romana). Eram conhecidas como selvagens e endoidecidas, de quem não se conseguia um raciocínio claro.

Durante o culto, dançavam de uma maneira muito livre e lasciva, em total concordância com as forças mais primitivas da natureza. Os mistérios que envolviam o deus, provocavam nelas um estado de êxtase absoluto, entregando-se a desmedida violência, derramamento de sangue, sexo, embriaguez e autoflagelação.

Normalmente são representadas nuas ou vestidas só com peles de veado, com grinaldas de Hera e empunhando um tirso (bastão envolto em ramos de videira). [Wikipédia]

O viajante seguia pelo caminho entre o Bosque Sagrado quando teve sua passagem impedida por uma mulher.

- Não prossigas adiante! Aqui é solo sagrado.

- Quem és tu e a quem este solo é consagrado?

- Eu sou Licaste, meu nome é a chave para passar pelo espinheiro.

- Deixa-me passar que na volta te trago algo para aliviar teu sofrimento.

- Descanse teu cajado de freixo e leve este ramo de teixo.

O viajante segue e encontra um nemeton onde homens, mulheres, fadas e faunos dançavam alegremente em torno de uma bétula.

- Viajante venha dançar conosco!

- Quem és tu e a quem esta dança é oferecida?

- Eu sou Calícore, meu nome é a chave para entrar e sair da roda.

- Deixa-me passar que na volta te trago um bardo para cantar nesta formosa dança.

- Troque teu sapato de amieiro por esta bota de salgueiro.

O viajante segue e passa por uma taverna onde duas mulheres pareciam embaraçadas.

- Viajante, nos ajude! Entre na taverna e resgate nossa irmã!

- Quem sois vós e quem é vossa irmã? Quem vos prende a esta taverna?

- Estesícore é nossa irmã. Eu sou Rode e esta é Ereuto. Perdoe-a, viajante, por sua timidez. Nosso dever é levar nossa irmã para Calícore, nossos nomes são a chave do regozijo e do recato.

- Deixem-me passar que na volta vos trago um cavaleiro para defender sua virtude e um cavalheiro para ofuscar vossa vergonha.

- Tire o cardo de sua lapela e coloque essa flor de sorveira.

O viajante segue e passa por duas mulheres em uma disputa de velocidade. Uma estava vestida com uma simples túnica e a outra estava carregada de livros.

- Viajante, seja juiz nesta competição e diga qual de nós duas é mais rápida.

- Quem sois vós e por que disputam?

- Eu sou Oquínoe e esta é Protoe. Ela conhece apenas a força muscular enquanto eu conheço aquilo que o corpo não chega. Nossos nomes são a chave para resolver as diferenças entre a mente e o corpo.

- Deixem-me passar que na volta vos trago um justo juiz para vos conciliar.

- Leva contigo esta coroa de azevinho e este casaco de carvalho.

O viajante segue e passa por um grande jardim cuidado por quatro mulheres.

- Viajante, as flores brotaram e os frutos estão maduros. Vinde, faça a colheita conosco e aproveite dos frutos.

- Quem sois e de quem é este jardim?

- Eu sou Bruisa, eu cuido para que as flores cresçam. Esta é Eupétale, ela cuida que as flores desabrochem. Aquela é Arpe que faz da flor o fruto e a outra é Trígie que colhe o fruto do mistério. Nossos nomes são a chave para a vida eterna.

- Deixem-me passar que na volta vos trago o graal com a Água da Vida.

O viajante segue e encontra uma mulher ricamente vestida e adornada.

- Viajante, vinde e descanse. Eis que te concedo beber de minha fartura.

- Quem sois e de quem recebeste tal benção?

- Eu sou Cálice, em mim a Água da Vida é derramada sem desperdício. Meu nome é a chave para receber o Senhor.

- Deixa-me passar que na volta te trago quem possa te encher até a borda.

O viajante segue e encontra uma nobre dama em um vestido carmesim.

- Viajante, chegue bem perto e vêde como eu sou aquilo que corre em suas veias e que repousa no graal.

- Quem sois e de quem é o graal?

- Eu sou Acrete e conhecer-me é conhecer minha irmã que te levará ao Senhor.

A mulher chama por sua irmã e com as duas juntas chega outra terceira. A mulher se aproxima do viajante como um vulto.

- Viajante, eu ouvi teu chamado. Por Cálice e Acrete, eu vim. Tens as chaves para que possa ver ao Senhor?

- Eu tenho a vara, a medida, a coroa, o manto. Eis aqui as vinte cinco letras das árvores sagradas. Quem há de me mostrar ao Senhor?

- Eu sou Mete, o meu nome é a chave para evocar a sacerdotisa do Senhor. Vede, que ela veio por teu chamado.

- Viajante, está deixando o Mundo dos Homens. Sabes o que te espera?

- Dizei teu nome e mostra-me, formosa sacerdotisa.

- Eu sou Silene e silente eu te abro as portas do Universo. Vem e vede.

Abre-se o Firmamento e o viajante fica diante de uma mulher como jamais vira igual.

- Eu sou Egle. Vede em mim o esplendor do Senhor refletido em mim. Há algo que eu possa te oferecer por ter chego até aqui?

- Eu te peço, Véu do Santo dos Santos, que me conceda o canto e o instrumento.

Das dobras do vestido da mulher, semelhante ao vestido de uma galáxia, a mulher faz vir adiante uma jovem mulher, vestida em outro e prata.

- Viajante, eu entrego meus dons, sabedorias, estratagemas, técnicas para teu uso. Toque meu corpo de forma errada e tudo será reduzido às cinzas.

- Poderosa instrumentadora do Senhor, dizei teu nome e a quem serve?

- Eu sou Ione e teu dever agora é cuidar de mim. Leva-me para Calícore para que o encerramento seja o princípio.

O viajante começava a retornar de sua caminhada quando uma mulher de cútis toda branca e vestindo uma mortalha impediu sua passagem.

- Viajante, daqui não podes retornar.

- Quem és tu e por que não posso completar minha missão?

- Eu sou Enante. Por mim ninguém e todo mundo passa. Meu nome é a chave dos ossos. O que tens não pode me comprar, o que sabes não me impressiona e o que cantas não me seduz. A quem irá recorrer?

- Eu canto a vós, Senhor. O primeiro existente que nasceu neste mundo. Aceitou nascer, viver e morrer como todos que vem a este mundo, por que vós sois o mestre dos mistérios e conhecedor de todos os caminhos. Vieste a este mundo como o carvalho e o azevinho. Vós fostes posto no solo como semente, brotou, cresceu, floriu, frutificou e foi ceifado. Vós viestes a este mundo como o lobo e o cervo. Vós fostes posto dentro de um ventre, passou pela infância, adolescência, maturidade e senilidade. Conheceu o leite, comeu da terra, gerou muitos para depois aceitar a morte. Vós viestes a este mundo como a caça e o caçador. Vosso é o domínio dos grãos, do gado, das feras, da floresta. Por vós, tudo é santificado e sacramentado. Em vossos rituais nos reencontramos ao celebrar o êxtase da vida. Vós sois o arado que abre a terra, a chuva e a força que faz a semente brotar. Vós viestes a este mundo como bebê, criança, jovem e adulto. Vós fostes o camponês, o sacerdote, o guerreiro e o rei. Vós viestes a este mundo como filho, pai e consorte. Vosso é o domínio do amor, do desejo, do prazer, do sexo. Por vós, tudo é belo e divino. Em vossos bosques sagrados, nos santuários das cavernas, entre rios, vales, morros e encruzilhadas, nós festejamos. Vós sois aquele que nos tira do ventre e nos conduz para a tumba. Vós viestes a este mundo como vencedor e vencido, como herói e monstro. Vossa são as dádivas da vida e da morte. Ave Dioniso, ave Cernunnos, ave Herne, ave Pan!

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

As leis espirituais do Paganismo

Em minhas pesquisas pela internet e leituras de sites como Patheos, eu encontro textos que dão uma ideia ou tema para meus textos.

Eu leio um pouco de tudo na internet, textos científicos, textos históricos, textos esotéricos, textos ateístas e textos cristãos.

Em uma destas oportunidades, lendo o Evangelical Channel do Patheos, eu encontrei um texto que evangélicos devem conhecer e usar com frequência em seu proselitismo: As Quatro Leis Espirituais. O texto, como todo texto cristão da vertente evangélica, é uma sucessão de trechos escolhidos e pinçados da Bíblia. O texto em si contém muitas contradições e controvérsias em comparação com outros trechos da fonte usada, sem falar das questões da originalidade, autenticidade ou autoridade deste texto sagrado.

Nós podemos dizer que toda forma de espiritualidade, crença ou religião tem suas leis espirituais e o Paganismo Moderno não é exceção. Para o pagão moderno não faltam textos sagrados e mesmo filosóficos, de diversos autores da Antiguidade Clássica, para servir de orientação e inspiração.

Então se meus caros diletos e eventuais leitores forem condescendentes, eu vou apresentar aquilo que se pode considerar como as leis espirituais do Paganismo Moderno.

1. Faça aos outros o que queres que te façam.

Mais conhecida como Regra de Ouro, está presente em diversas espiritualidades, crenças e religiões. Para quem não entendeu, eu vou ser mais claro: o Cristianismo e demais religiões monoteístas copiaram esta lei das demais religiões, uma regra que está presente inclusive no Paganismo Antigo.

2. O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo.

Uma regra da alquimia que é muito utilizada na prática das Artes da Magia e da Bruxaria. Em um sentido mais amplo, para o Pagão [antigo e moderno], não há separação entre o Mundo Material e o Mundo Divino. O Mundo Material é uma manifestação, uma imagem, um reflexo do Mundo Divino.

3. Se aquilo que buscas não encontras dentro de ti então não irás achar fora de ti.

Esta lei pertence aos rituais wiccanos, mas devemos dar um desconto, pois o ensinamento é maior do que essa vertente do Paganismo Moderno. Uma poesia inspiradora que mostra que muitas vezes procuramos em lugar errado. Uma vez eu brinquei com um ateu que a ciência não vê evidência da existência dos Deuses porque procura no lugar errado, com o método errado. O ateu não entendeu a brincadeira, restringindo-se a repetir a mesma retórica do catecismo do ateísmo. Este é um ensinamento incômodo para os vigaristas, farsantes e estelionatários que fazem carreira dentro de uma religião. Eu ficava muito incomodado quando via um falso sacerdote criar um verdadeiro culto à personalidade em torno dele, usando sua popularidade e influência para divulgar suas opiniões pessoais como se fossem textos sagrados. Eu ficava incomodado com o excessivo enfoque na Deusa e na promoção da auto iniciação. Eu passei pela decepção e desencanto que acontece depois da entrega a um/a mestre/a. Caro dileto e eventual leitor, um sacerdote, uma sacerdotisa, um coven, um grupo, uma tradição não são o Pote de Ouro, eles vão te dar os métodos, as direções e as orientações, mas o Caminho do Arco Iris está dentro de ti.

4. Colherás aquilo que plantares.

Uma lei que é uma verdade conhecida por qualquer agricultor, mas precisamos dar outro desconto, pois este é um ensinamento que é uma verdade em relação a outros assuntos da vida. Esta lei ensina que nós somos responsáveis, pelos nossos atos e palavras. Esta lei ensina que o sucesso não tem lugar para o fraco, o covarde, o tímido, o preguiçoso, o postergador, o chorão, o reclamão. Nós sofremos não porque somos pecadores, mas porque a dor é parte da vida e do aprendizado. O pecado é uma moeda bem usada pelos vigaristas, farsantes e estelionatários da crença. Nenhum Deus nos daria uma vida e uma natureza para depois, sadicamente, nos oprimir com mandamentos impossíveis de serem observados. Esta lei não deve ser confundida com Fortuna ou Destino, nem com a Lei do Karma, está mais para a Lei da Física onde para cada ação existe uma força igual em sentido contrário.

5. Honrarás e reverenciarás teus ancestrais.

Esta lei está nas mais diversas religiões, antigas e contemporâneas. Ela está presente na religião familiar e na religião das urbes. Mesmo o Cristianismo e outras formas de monoteísmo, a despeito de sua mensagem exclusivista, escatológica e desumana, reconhece esta lei. Honrar, respeitar e reverenciar os ancestrais significa reconhecer o esforço daqueles que nos antecederam, é reconhecer o quanto nós devemos a estas pessoas, é reconhecer nossa posição como herdeiros e sucessores, o que requer humildade e responsabilidade. Esta honra, respeito e reverência são extensivos aos nossos pais, professores, sacerdotes e governantes. Se eles não forem merecedores de tal tratamento, ainda assim devemos honrá-los, respeitá-los e reverenciá-los, isso irá constrangê-los e eles irão fazer de tudo para merecer esta posição honrada. Esta lei é um ganho mútuo.

6. Cumpra o devido serviço e obrigação, com sua família, com sua comunidade, com seus Deuses.

Uma lei que é um escândalo no Mundo Contemporâneo e seu sistema baseado no individualismo. Em um mundo calcado no egoísmo, falar em cumprir o dever é uma ofensa, mas quem vive alguma forma de espiritualidade sabe que “servir” é uma lei espiritual. Esta lei mostra que nós fazemos um culto, um ritual, uma cerimônia, não porque queremos, mas porque devemos. Isso inclui a piedade, a caridade, a compaixão e a misericórdia. O dever consiste em agradecer por aquilo que recebemos em benção, gratuitamente, imerecidamente. Recebemos de nossa família um lar, educação e comida. Recebemos da comunidade nossa identidade, nossa origem e os laços de fraternidade. Eu seria indelicado e ineficiente em listar aquilo que recebemos dos Deuses. Por muitos anos eu comprei briga com os falsos sacerdotes que divulgavam suas opiniões pessoais como se fossem a Letra da Lei e ofendi muitos pagãos simplesmente porque uso o mote que eu sirvo aos Deuses.

7. Saibas tu que tudo o que vês, tocas, sentes, ouves, experimentas, é sagrado, é divino.

Esta lei eu tive que refletir um pouco, pois tem a ver com a forma como percebemos a vida, o mundo, a existência e de como nos relacionamos com isso. O ateu acha [acredita?] que apenas aquilo que tem evidência é existente, em um sentido bem materialista. O cristão acredita que o mundo, a natureza, o corpo, o desejo, o prazer, o amor e o sexo são coisas malignas, prejudiciais, maculadas, impróprias. A crença do ateu é limitada, a questão da existência está bem além da mera evidência. A crença do cristão é deficiente, nosso mundo, nosso corpo, nossa natureza e nossas necessidades são sagrados e divinos. A lei demonstra que a existência, o mundo, a vida e nós somos manifestações do divino.

8. Tua jornada e experiência espirituais são teus cuidados.

Esta lei eu formulei com base que a jornada de uma pessoa em sua busca, material, mental ou espiritual, sempre é individual. Torna-se desagradável e até vergonhoso quando alguém, em sua euforia por ter encontrado um “caminho” para a Verdade, toma o caminho pela Verdade em si mesma e começa a fazer proselitismo. Guerras, massacres, genocídios, aculturamento e outros crimes contra a humanidade foram cometidos em nome de uma ideia e um ideal. Nenhuma organização ou instituição religiosa tem o direito ou a autoridade de impor suas doutrinas. Ninguém tem o direito de invadir nosso sossego, nosso trabalho, nossa viagem, com suas prédicas religiosas.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O Aquelarre

Aquelarre é um termo procedente do basco Akelarre ("aker" = bode; "larre" = campo). [Wikipedia]
No Paganismo Moderno, o termo mais usado é sabat, curiosamente um termo utilizado pelo Santo Ofício para se referir às reuniões das bruxas, um inequívoco reflexo do anti-semitismo da época. Havemos de recordar, entretanto, que mesmo o termo sabat, usado no Judaísmo, teve origem nas celebrações para Ishtar ou mesmo pode ter origem dos ritos a Sabazius.
Dizemos em nossos rituais: “Onde quer que tenha necessidade de algo, uma vez ao mês e melhor que seja na lua cheia, reunam-se em um lugar secreto e adore o meu espírito, a Rainha de todas as Bruxas e magias”.
Nos processos do Santo Oficio conduzidos pela Igreja ou pelos Estados católicos, há uma constante citação da existência de assembléias, reuniões onde as bruxas se encontravam, celebravam antigos rituais, todos sendo conduzidos pela figura do Bode Negro.
Dos processos do Santo Oficio temos os testemunhos dos motivos de tal reunião. Tais reuniões aconteciam por convocação, geralmente pelo Mestre do Sabat, nem sempre acontecendo em uma data específica, ao contrário do que se divulga no Paganismo Moderno. Assuntos que mereciam a atenção do Mestre do Sabat estavam, sem dúvida, ligadas a situações extremas, como colheitas, doenças, ameaças. Nessas reuniões havia tempo e ocasião para cuidar de pedidos da comunidade, como pedidos de fertilidade, pedidos de emprego, pedidos de solução de dívidas. Pedidos pouco convencionais e prejudiciais aconteciam também, sabe-se que padres e nobres souberam procurar as bruxas para subir na vida, por meios que uma pessoa comum pode achar imoral, mas um médico saberá dar o tratamento adequado para uma doença, ainda que isto doa.
Atualmente, o Paganismo Moderno, em suas várias vertentes, tem datas específicas, “dias sagrados”, cuja origem remonta a uma reconstrução cultural, usando nomes que tem uma suposta origem céltica, mas curiosamente os Celtas celebravam apenas três datas, como os demais povos indo-europeus, não oito.
O que os pagãos e bruxos modernos celebram nos oito sabats tem origem na popularização da Wicca.
Dizemos em nossos rituais: “Haverá assembléias, aos que anseiam aprender toda bruxaria, mas ainda não desvendaram seus profundos segredos. A estes eu ensinarei coisas ainda desconhecidas”.
Devemos então saber qual a forma tradicional de celebrarmos tais datas religiosas.
Isto indica que o Mistério, o Ofício, a Wica não é um sistema fechado, dogmático ou definitivo, haveremos de ter sempre algo mais a aprender, a aperfeiçoar, mas sem alterar o cerne, a base e o princípio da tradição. O que não significa que pode-se fazer tudo.
Dizemos em nossos rituais: “Que os rituais sejam corretamente celebrados com alegria e beleza”. Portanto, não cabe misturar panteões estranhos, não cabe introduzir Deuses que pertencem a outra cultura, tradição ou culto próprios.
Cultos com ênfase apenas na Deusa, que omitem, negam ou excluem o Deus, ou o distorcem e deturpam sua identidade e personalidade são armadilhas que visam apenas disfarçar um culto à personalidade.
Infelizmente o Paganismo Moderno está cheio de personagens e celebridades, que mais visam propagandear suas próprias agendas, seus próprios objetivos pessoais do que servir aos Deuses e divulgar os valores e princípios da Wica. Infelizmente estes personagens censuram, deturpam e omitem que a Wica, como toda religião, tem uma definição, valores e princípios bem específicos. O que não impede nem desvaloriza outros caminhos e vertentes, desde que haja sinceridade e honestidade, não usando a Wica como rótulo universal para práticas e caminhos pessoais.

domingo, 12 de outubro de 2014

O chifre de Amaltéia

Todos os Deuses Antigos tem suas origens e mitos próprios, o que é um indício de que possuem identidade e personalidades próprias. Eu sou politeísta estrito e pratico a Wica Tradicional. O pagão moderno brasileiro deve querer saber como eu concilio o politeísmo com o duoteísmo. Uma coisa é meu serviço aos Deuses Antigos, outra coisa é a estrutura tradicional de uma cerimônia na Wica Tradicional. Embora a moda seja uma verdadeira bagunça, com um predomínio das “religiões da Deusa”, do Dianismo, o politeísmo estrito não exclui nem impede o culto ao Senhor e à Senhora, para todos os fins, nosso deus e Deusa são os mais antigos e os mais novos. Uma análise dos mitos e Deuses Antigos mostra uma predominância de um Casal Divino e que ambos tinham como característica comum o símbolo da serpente e o símbolo do touro.
Zeus e Dyaus Pater [Júpiter/Jove] são Deuses do povo Grego e Romano, foram considerados semelhantes por seus atributos e poderes. Ambos se tornaram o Deus Pai, o Deus do Céu, o Rei Deus.
Jove tem sua origem ligada à uma Deusa-Loba. Zeus tem sua origem ligada à uma Deusa Cabra.
A Deusa Amaltéia é a Cornucópia que celebramos em nossos rituais. Neste mito reside o cerne do Coven do Chifre Amalteano.

Cornucópia é um símbolo representativo de fertilidade, riqueza e abundância. Na mitologia greco-romana era representada por um vaso em forma de chifre, com uma abundância de frutas e flores se espalhando dele. Hoje, simboliza a agricultura e o comércio, além de compor o símbolo das ciências econômicas.
O seu significado provém da cabra Amalteia que na mitologia greco-romana amamentou Zeus/Júpiter enquanto criança. [Wikipédia]

Segundo Museu, citado por Higino, quando Zeus foi poupado por Reia à voracidade de Cronos, ele foi cuidado por Têmis e a ninfa Amalteia, filha de Melisso de Creta que, não tendo leite, alimentou Zeus com o leite da sua cabra. Como prêmio por isso, os dois filhos gêmeos de Amalteia foram colocados no céu,  na constelação Capra, que hoje são as estrelas em volta de Capella 
Em outra versão da lenda, Reia entregou Zeus aos curetes e às ninfas Adrasteia e Ida, filhas de Melisso. Amalteia é a cabra cujo leite nutriu Zeus em sua infância.Zeus nunca se esqueceu da cabra Amaltéia, que o amamentou com seu leite delicioso e nutritivo quando ele era bebê. [Mitologia Grega]

Amaltéia também é chamada de Adrastéia e Adamantéia. Em alguns mitos ela é um epíteto de Réia e Cibele.
Os coribantes ou curetes eram guerreiros e dançarinos que estavam designados para proteger a Zeus. Como estavam a serviço de Amaltéia ou da Deusa Cibele, acabaram sendo confundidos como sendo sacerdotes da Deusa ao invés de serem protetores de Zeus, ou do mistério que estava escondido dentro da caverna.
Esta é a intenção do mistério na Wica Tradicional. Este é o cerne do Coven do Chifre Amalteano. Celebrar o Casal Divino, conforme a tradição.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O sacrifício do cavalo

Introdução

Na Índia védica, o maior dos sacrifícios era o Ashvamedha (ou Sacrifício do Cavalo). Reis gastavam fortunas nos rituais elaborados, o que por vezes necessitava centenas de sacerdotes e duraram várias semanas de cada vez. O sacrifício do cavalo era frequentemente associado com o sacrifício do bode. Ambos os sacrifícios eram frequentemente associados com práticas tântricas e até hoje esse ritual é muitas vezes acompanhada pelo sacrifício do bode. Na verdade, o sacrifício de cavalos era um ritual de fertilidade, uma vez que implicava no acasalamento da rainha com o cavalo sacrificado e teve, além disso, as conexões com a renovação do cosmos que este tipo de ritual normalmente representa.

O objetivo do presente trabalho é discutir o significado esotérico desses estranhos rituais, que datam de tempos védicos da Índia, onde eles passaram para o resto do mundo. Mitos hindus são particularmente profundos e, portanto, extremamente difícil de penetrar em seus conteúdos esotéricos. Isto é devido ao fato de que as línguas sagradas em que foram originalmente compostas - principalmente em sânscrito e dravida - são linguagens polissêmicas, em que as palavras podem ter vários significados completamente diferentes, dependendo do contexto. Então, muitas vezes eles significam coisas diferentes para diferentes leitores.

Mitos, símbolos e rituais trabalhar em vários níveis diferentes, muitas vezes simultaneamente. Como dizem os hindus, eles funcionam de acordo com as 48 Ciências Fundamentais: Filosofia, Metafísica, Ética, Teologia, Religião, História, Geografia, Astronomia, Astrologia, etc. Em outras palavras, os mitos não funcionam de acordo com chamada lógica aristotélica, mas deve ser interpretada de acordo com a "lógica nebulosa", onde os conceitos e as ideias são um tanto difusa e vaga, como na Mecânica Quântica e outras ciências estatísticas.

Nós, ocidentais, não estamos acostumados a esse tipo de lógica, em contraste com os antigos, os orientais e os hindus, em particular. Nossa dificuldade em compreender os mitos e suas verdades escondidas deriva, sobretudo, a partir da essência de nossas línguas monossêmica, que acostumar nossas mentes a raciocinar de forma linear e de interpretar as coisas literalmente, ao invés de forma "difusa".

Os hindus - que compuseram os mitos antigos que posteriormente difundidos para as outras nações do mundo - nunca falaram dessas coisas, a não ser para os Iniciados, presos por um juramento mais sagrado que nunca foi violado. Portanto, todos nós devemos aprender a compreender seus mitos sagrados através de nosso próprio esforço, se realmente quiser entender os segredos do passado da humanidade e, talvez, o futuro também. A mitologia hindu é de longe a mais rica de todos. Assim é a budista, que diretamente derivada dela.

Os hindus e os budistas têm literalmente centenas - e talvez até milhares - de livros sagrados, abrangendo romances iniciáticos como o Ramayana e o Mahabharata, hinários sagrados como os Vedas, coleções de mitos e tradições, como os Puranas, tratados pesados em todas as 48 ciências, e até mesmo contos aparentemente profanos e fábulas como o Jatakas e o Pancha Tantra.

A maioria destes livros data de épocas remotas e muitas vezes incorporam um modo de expressão altamente avançado, embora frequentemente muito difícil, uma vez que se dirigiam para o iniciado, em vez dos profanos ou do público em geral.

Estas antigas Mitologia e Religião criadas, onde elas codificaram as mensagens importantes que eles queriam transmitir para nós sobre a enorme distância dos milênios que interveio desde então. Tal é a razão pela qual é tão importante decodificar essa mensagem sob o véu onde ela está escondida.

Esta é certamente a razão pela qual eu insisto tanto na interpretação de mitos e na remoção dos antolhos que foram colocadas sobre os olhos pelos poderes constituídos. Em outras palavras, é hora de todos nós para parar de praticar religião cegamente, como macacos, infinitamente repetindo ritos e gestos que veio de nossos anciãos e que de fato nada significam em si mesmos. Os nossos livros sagrados são todos puros pseudo-história com a intenção de criar uma aura de realidade para as histórias que passam de um herói para o outro, ao longo das eras.

A hierogamia cosmogônica

A passagem do Markandeya Purana divulga a relação secreta do cavalo com o cosmos. O sacrifício do animal representa o do Universo.

A associação com práticas tântricas é simbólica da hierogamia cosmogônica, outra imagem do Sacrifício Primordial do mundo. O Tantra - com sua ênfase no sexo - é muito mais do que a orgia ritualizado que os ocidentais associam com esta forma peculiar de culto. Em alguma literatura anteriormente, por exemplo, nos Vedas, o cavalo é muitas vezes comparado a Purusha, o Homem Cósmico, que era o apelido e arquétipo do homem primordial.

Práticas tântricas são uma encenação ritual da hierogamia cosmogônica. Muito mais do que um ritual de fertilidade, tais hierogamos são uma representação simbólica da dissolução do mundo no casamento do fogo e da água, os dois princípios incongruentes. A maithuna - a união mística dos adoradores - não é uma invenção do tantrismo moderno. O ritual remonta aos tempos védicos e, provavelmente, a épocas dravídicas. De fato, o tantrismo é desprezado pelas castas arianas na Índia e é apenas popular no sul da Índia, onde predominam as raças dravídicas.

O acasalamento ritual do Rei e da Prostituta - I

Os cultos védicos muitas vezes tolerava uma união erótica, embora disfarçadamente. Em certos rituais védicos um jovem sacerdote brâmane acasalava com uma pumchali (hierodulo) escondida dentro do altar do templo.

O ritual lembra de perto o celebrado na Suméria e na Babilônia, por ocasião do Festival de Ano Novo (Akitu). Neste ritual, o rei ritualmente acasalar com uma prostituta sagrada (hierodulo) dentro de um santuário no topo do zigurate. Este edifício, uma espécie de pirâmide de degraus, representava a Montanha Cósmica, ela própria uma réplica do Cosmos. Assim, o casal unido, dentro do templo ou do altar, representava o Casal Primordial enterrado dentro da Montanha Cósmica, no Paraíso.

Este ritual, por sua vez simboliza o acasalamento divino chamado maithuna (ou yabh-yun) pelos hindus, o acasalamento de Shiva e Shakti que dura eternamente. Na verdade, essa estranha união do Casal Primordial representa a hierogamia cosmogônica, a união mística de fogo e água, que unem forças, a fim de destruir o mundo no Dilúvio. Esta união mística é infinitamente representada em mandalas hindus e seu significado místico, embora nunca revelado, é o que acabei de mencionar. É também a união infinita representado no simbolismo alquímico como a do Sol e da Lua, a do andrógino primordial, o de Mercúrio e do Ouro, e assim por diante.

Segundo a doutrina tântrica, a verdade suprema consiste na interpenetração completa de Shiva e Shakti. Os dois representam a própria personificação dos Princípios Masculino e Feminino. Estes dois princípios são também chamados de Purusha e Prakriti, ou seja, o Espírito e a Matéria. Não é de admirar, então, que o cavalo do ritual Ashvamedha foi muitas vezes substituído por uma vítima humana, comparada ao próprio Purusha. No simbolismo hindu, a interpenetração de Shiva e Shakti é muitas vezes simbolicamente representada pela Mandala Vajravarahi.

Vajravarahi é realmente o mesmo que Shakti, a consorte de Shiva. Mas ela também representa a Terra Primordial (Paraíso) destruído pelo vajra. Na mandala, o triângulo apontando para cima representa o linga (ou falo), enquanto que o triângulo apontando para baixo representa a yoni (ou vagina).

Na verdade, o simbolismo da estrela de seis pontas pode representar muitas coisas diferentes. Em um nível, representa as duas divindades mencionadas. Os dois são de fato as duas "facetas" ou avatares do próprio Shiva, ou de Shakti, sua contraparte feminina, tanto como o Criador e o Ceifador. Os dois princípios também representam Fogo (masculino) e água (feminino), os dois elementos que se uniram para destruir o Paraíso, talvez como resultado da grande guerra entre as duas raças.

No entanto, em outro nível, os dois triângulos representam as montanhas gêmeas de Paraíso. Estes dois montes são antípodas um do outro, tal sendo a razão pela qual eles são representados como o inverso (ou imagens no espelho) do outro. Os hindus equiparam essa união mística do fogo e da água para o Vadava-mukha.

No Ashvamedha, a esposa do sacerdote oficiante, ou a do próprio rei - o Mahishi - simulou um ritual de acasalamento com o cavalo sacrificial. O Mahishi (literalmente "a Grande Vaca") representava a Terra, tanto quanto o cavalo simboliza o sol. Na verdade, ela também estava para a rainha como a Primordial Prostituta, assim como seu marido (o Mahisha) era um apelido para o cavalo, o Sol, o Primordial Homem (ou búfalo). O casal também representava o Céu e a Terra e, mais precisamente, para Yama e Yami, o casal Primordial dos tempos paradisíacos. E Yama e Yami, rei e rainha do submundo, de fato representam Kala e Shakti, que é ela mesma Vajravarahi, a "Porca" (ou "prostituta"). Varahi também representa literalmente a terra, bem como "fertilidade". Como tal, ela representa um apelido de "terra fértil", que por si só Paraíso.

Após o sacrifício de cavalos ser realizado, o Mahisha acasalava com o Mahishi. E assim fizeram os outros quatro casais de sacerdotes entre si. Com isto representavam os Quatro Guardiões do Mundo (Lokapalas) e colocado ao redor do casal real. O ritual encenava a destruição do mundo (a morte do cavalo e do bode), devido à união mística do Céu e da Terra (a união do cavalo e do Mahishi). Mas também simbolizava o renascimento da Natureza, renovada pelo evento drástico (a união dos casais, logo após o sacrifício). Em outras variantes que já comentamos a própria rainha acasalada com o cavalo morto que, tendo sido morto por estrangulamento, normalmente tinha um falo duro, como é frequentemente o caso neste tipo de morte.

Curiosamente, um ritual semelhante foi realizado na antiga Irlanda celta. Este ritual está intimamente relacionado com o Ashvamedha védica, como já discutido. Na ocasião da sua entronização (a "renovação" do mundo), o rei ritualmente acasalava com uma égua, que era posteriormente sacrificada.

Pai Celestial e Mãe Terra

Muito mais do que um culto da fertilidade baseado em magia simpática, tais rituais reencenavam a destruição do mundo no Sacrifício Primordial. O acasalamento místico do Rei e da Prostituta ou do Cavalo Celestial com a Vaca-Mãe representa a união do Pai Celestial e da Mãe Terra.

Este ritual de acasalamento é a mesma que a descrita por Hesíodo na sua Teogonia. O bardo grego conta como, no início, Urano (o céu) detestava os filhos. Ele os oprimia, deixando-os sem espaço para respirar quando ele se agarrou de perto a sua esposa, Gaia (a Terra). Seus filhos foram mantidos no escuro, nos recessos sombrios da Terra até Kronos, ajudado por sua mãe, ter castrado e ter deposto seu pai, Urano, libertando-os todos.

O falo castrado de Urano, jogado para dentro do oceano por Kronos, se tornou a Terra Primordial. Desde a espuma e sangue que derramou nas águas, nasceu Afrodite.

O Ashvamedha do rei Yudishthira

Voltando ao sacrifício de cavalo e seu significado ritual. Como dissemos acima, o sacrifício de cavalos (ou Ashvamedha) foi a principal cerimônia dos antigos reis arianos. Foi o privilégio de grandes monarcas, como era fabulosamente caro e exigente. Sua importância pode ser medido pelo fato de que um capítulo inteiro do Mahabharata é dedicado à cerimônia, da qual leva o nome. Este sacrifício foi realizado para comemorar a vitória do rei Yudishthira e do Pandus na grande guerra do Mahabharata.

A razão pela qual o ritual era tão caro é que, através dele, o rei afirmou realeza universal e declarou que iria entrar em guerra com todos os adversários possíveis. O cavalo sacrificial foi lançado e percorria livremente através de todas as terras por um ano inteiro. Ele foi seguido pelo exército real, de modo que o Ashvamedha foi um ato de provocação aberta a todos. Qualquer rei que resistiu e recusou-se a obedecer, foi forçado a lutar com o exército invasor. Se ele perdeu ou obedeceu, foi convidado para o sacrifício, e participou em pompa e com o seu Tribunal Pleno, às custas de seu anfitrião.

Todo o ritual durou um ano inteiro, e muitos milhares de pessoas participaram dela. E todos foram apoiados pelo rei, que estava oferecendo o sacrifício. O sacrifício de Yudishthira era tão caro que ele teve que enviar Arjuna para buscar os enormes tesouros de Kubera no Himalaia, a fim de financiar os enormes gastos. Krishna, outra grande rei, também ofereceu um sacrifício de cavalo de não menos importância do que a do rei Yudhisthira. E, como argumentamos seguinte, esse sacrifício teve um significado cósmico associado à morte e renascimento periódico de todo o Cosmos.

Em uma variante do ritual, um sacrifício humano foi oferecido às vezes, em vez de a do cavalo. Como o cavalo, o ser humano foi dado um ano de plena liberdade. Durante este ano de graça, ele foi tratado como um rei, com todos os confortos, incluindo amantes.

No entanto, dificilmente pode haver qualquer dúvida de que todos estes sacrifícios, encontrado em todo o mundo, na verdade se originou a partir de uma fonte comum, no início dos tempos. Além disso, parece óbvio que todos eles referem-se à dissolução do Cosmos, ou seja, uma era de transição como o que teve lugar no final da última Idade do Gelo, o evento que levou ao Holoceno, a presente era geológica.

Na verdade, um estudo minucioso dos hinos védicos apenas mencionados irá divulgar o fato de que Purusha, o Homem Supremo, imolado no centro do mundo, do qual ele mesmo faz as Quatro Direções Cardeais. Estas se estendem como a Cruz, assim como no Paraíso (Quatro Rios), em Angkor (Quatro Estradas) e em outras réplicas do mundo.

O simbolismo do bode e do cavalo

O bode e o cavalo representam os dois aspectos da Criação. Eles representam o Universo. Mais exatamente, eles representam os Gêmeos. O cavalo é Celestial e supremo, enquanto que o bode é Infernal e humilde. O bode representa Capricórnio, o bode-marinho. Em outras palavras, ele é o Sol Caído, caiu a partir da posição suprema para baixo nos mares, nas profundezas infernais do grande abismo.

Mitos gregos contam como Pan, durante a guerra dos Deuses com Typhon e suas hostes, assumiu a forma de um bode (Capricórnio) e pulou no rio Nilo, a fim de escapar do gigante amedrontador. Em outras versões, o Deus é substituído por Eros e Afrodite, que se tornam os Peixes do zodíaco.

A história plagiou na íntegra o mito de Matsya e Matsya (o peixe macho e sua fêmea), que é um motivo célebre na Índia desde a aurora dos tempos. Matsya também é um apelido de Kama, ele mesmo o Deus do amor hindu e arquétipo do próprio Eros. Na verdade, os mergulhos dessas divindades gêmeas personificavam os primevos dos Gêmeos, Mãe e Filho, afundando nos mares na madrugada dos tempos.

Claro, a queda do Pan é uma alegoria da queda do Deus Celestial que, a partir de um cabrito montês - um morador das cimeiras - caiu nos mares, e tornou-se uma espécie de peixe ou divindade marinha. Capricórnio é o makara, o monstro marinho hindu que causa o Dilúvio. O makara (ou sishumara) é uma espécie de golfinho ou monstro marinho. É o mesmo que Matsya, o avatar peixe de Vishnu. Matsya personifica Paraíso.

O Aegis e o aja ekapad

A associação do bode com o demônio é muito bem conhecido para requerer elaboração aqui. O Aegis - o escudo de Zeus e Minerva - foi formado por Hefesto a partir da pele impenetrável da cabra Amalthea. A palavra "aegis" deriva do grego aigis ("pele de cabra"), relacionado ao sânscrito aja e ao nome do Mar Egeu. Supostamente o nome Aegean deriva do Aegeus, pai de Teseu, que morreu afogado ali. Aegeus, pai de Teseu, foi considerado um filho de Poseidon.

Aegeu é de fato o mesmo que Poseidon, que era, na verdade, assim chamado em Eubéia. Muito mais provável, o nome de Aigaia deriva do de um Aja Ekapad, que simboliza o poste sacrificial ou, em alternativa, o próprio sol. Na verdade, Aja Ekapad (ou Ajaikapadi) "o pé de cabra" é uma designação jocosa do pênis do macho. O Deus é figurado como o emblema do próprio itifálico Shiva. Mas a figura do “pé de cabra” foi generalizada.

A verdadeira origem da cruz

Ambas as vítimas do sacrifício Ashvamedha - o cavalo e o bode - eram mortos, empalados e assados. Em seguida, os adoradores comumente comiam sua carne assada e o caldo preparado a partir de seus restos mortais. Antes de seu sacrifício, as vítimas foram amarradas ao poste sacrificial, chamado skambha ou stambha ou, ainda, stavara ou ekapad. Como é evidente, a palavra ekapad aqui assume o seu significado de "falo, lança, espeto, poste de impalação”.

A skambha (literalmente "pilar") foi considerado uma réplica do Pilar do Céu, o eixo ou suporte dos céus. Ele foi identificado com Brahma e Shiva, com os dois suportes mundiais, bem como com Purusha, o Sacrifício Primordial. A skambha tinha a forma de uma cruz ou, ainda, de um Y, precisamente o da Cruz ou do Forcado. Na trave eram amarradas as patas dianteiras da vítima, de modo a evitar que ela escorregue em torno do espeto, enquanto era enrolada sobre o fogo.

Como a Cruz, a Skambha também foi igualada, tanto para o Pilar do Céu, quanto a Árvore da Vida. Muitas autoridades, como F. Max Mueller, têm apontado o fato de que o nome da Cruz, no original grego é stauros e esta palavra deriva do sânscrito stavara (pronuncia-se "stawara"), seu arquétipo hindu no sacrifício Ashvamedha.

Os gêmeos amantes

Aqueles que conhecem o rico imaginário dos hinos védicos não terá dificuldade em perceber que os gêmeos Ashvin são a verdadeira fonte das alegorias requintadas que permeiam os mitos antigos. Os gêmeos onipresentes assumir todos os tipos de formas e avatares das mitologias em toda parte. Eles também são os transmorfos, na antiga acepção de mutação de forma, pois eles podem se transformar não só em lobisomens e vampiros, mas também em pássaros e outros animais.

Em mais de um sentido, os Gêmeos também correspondem aos dois amantes do Cântico dos Cânticos, que também assumem todas as formas, tanto em animais e humanos. Como Harold Bayley demonstrou, esta composição bíblica bonita plagiou, quase na íntegra, um poema egípcio. Esta peça, por sua vez, foi copiada de um hino hindu. A bezerra é a Vaca-Mãe, em seu avatar renovado, ela de uma miríade de nomes (Myrionyma). E esse mito por sua vez, evoca o de Brahma e sua filha, transformando-se em formas de animais diversos, acasalando com cada um, gerando, assim, todas as criaturas.

O fundamento das religiões de mistério.

O mito dos amantes gêmeos constitui o fundamento das religiões de mistério de todos os tempos, bem como do cristianismo, hinduísmo e budismo, para não mencionar outras religiões. O fato de que eles figuram nas mitologias dos judeus e dos arianos, bem como dos egípcios, os hindus, os sumérios, os gregos e até mesmo os ameríndios, atesta que o mito foi composto antes da diáspora da humanidade desde o seu primordial local de nascimento.

A conclusão é que o mito de fato relaciona os eventos escatológicos ligados à inundação, alegorizados pelos sacrifícios do cavalo e o bode no Ashvamedha ou pelo cosmogônica hierogamia do Rei e da Prostituta. Este casamento também é destaque na maioria das cosmogonias antigas. Na Índia é o único comemorado até hoje no tântrico rituais semelhante ao Ashvamedha. O fato de que o rito ainda sobrevive na Índia atesta sua origem hindu. De fato, os hindus não são apenas mais conservadores em questões religiosas, mas também são conhecidos exportadores de religiões como o budismo e cultos de mistério a partir do qual maioria das outras derivam.

O acasalamento ritual do Rei e da Prostituta - II

Em tempos védicos as doutrinas gnósticas foram envoltas no mistério e no simbolismo oculto. O sacerdote e a prostituta secretamente acasalam dentro do altar védico ou no interior das câmaras secretas sinaliza essa necessidade de sigilo. O simbolismo sofisticado do Ashvamedha e dos hinos do Rig Veda também são alegorias dos mesmos mistérios ritualísticos que datam desde os tempos védicos, se não os anteriores.

Na verdade, este ritual védica já era arcaico na Índia antiga. O Sankhyayana Shrauta Sutra, um tratado filosófico antigo em doutrinas védicos (Sankhya), afirma sobre o maithuna ritual que "é um ritual antigo, já caiu em desuso". O Shatapatha Brahmana identifica o maithuna - ou caso de amor ritual - ao agnihotra, o sacrifício em honra de Agni, o Deus do fogo hindu.

O Shatapatha Brahmana iguala o maithuna (ou amor ritual) dos tântricos para o ritual agnihotra dos Dravidiano da Índia dos tempos védicos. Outros livros sagrados hindus trazem os equivalentes cosmológicos desta hierogamia do Fogo e da Água e do Céu e da Terra. O Brihadanyaka Upanishad compara o ritual maithuna para o sacrifício védico do cavalo e do bode celebrada na Ashvamedha e na agnihotra.

Tais rituais devem ser realizados com exatidão, e até mesmo orgasmos são estritamente proibidas, embora relações sexuais possam durar várias horas. A mulher é equiparada à Terra, enquanto que o macho é equiparado ao Sol e o Falo Celestes caído dos céus como o vajra. Uma fórmula ritual do livro acima mencionado afirma do casal que eles devem dizer um ao outro: "Eu sou o céu e você é a Terra", e vice-versa.

O Incesto Primordial

Em outro mito, é Brahma, que é atingido pela seta do Kama, apaixona-se por sua própria filha, Ushas. Incapaz de controlar a si mesmo, ele assalta a menina e comete o pecado original (mistura de castas), que resultou na destruição do mundo. Em algumas versões, como a do Kalika Purana, Brahma, o andrógino, dividido entre o desejo e a vontade de resistir ao pecado, acaba clivado em dois, tornando-se homem e mulher.

O Incesto Primordial depois assume um caráter diferente, com Brahma sendo identificado com o Sol (Vishvasvat, Savitri, etc.) e a filha com Surya. Os filhos gerados não são os Angirasas, mas seus equivalentes: Manu, Yama, Yami, o Ashvins, etc.

O pecado original dos gêmeos

Uma série de textos brâmanes desenvolvem as consequências do ato incestuoso que, como dissemos, é o Incesto Original.

O Pilar do Mundo é o mesmo que o omphalos ("umbigo") dos gregos. A palavra sânscrita (nabha) incorpora uma ideia do "eixo", "nave", "umbigo", como o Centro (ou eixo) do mundo, em torno do qual gira o mundo.

O hino védico também menciona o dual do umbigo, a Yoni. A Yoni Cósmica é o abismo gigante que separa o céu da terra em sua fronteira comum na periferia do mundo.

Estes devem ser entendidos não realmente como o Céu e a Terra, mas como os dois hemisférios distintos da terra, Oriente e do Ocidente, ou, mais exatamente, o Velho Mundo e o Novo.

Esse é de fato o significado original dos nomes de Dyaus e Prithivi, que Hesíodo traduziu como Urano e Gaia e mais tarde as autoridades entenderam como o Céu e a Terra. Os antigos hindus gostavam de alegorias, que eles utilizavam para ocultar o conteúdo esotérico de seus mitos. Em outras variantes deste mito cosmogônico, Prajapati, a filha (Ushas) e o Archer (Shiva) são identificados com constelações, respectivamente, Mrigashiras (Cabeça de Veado), Rohini (a Gazela) e Krishanu (Sagitário).

Fonte: http://www.atlan.org/articles/sacrifice/

Nota: Eu cortei vários trechos do texto onde o autor viaja na maionese. O artigo desfaz muitos conceitos equivocados, que são divulgados no Paganismo Moderno e na Wicca Diânica, como a questão do sacrifício animal e a questão do Hierogamos.

domingo, 5 de outubro de 2014

O místico emblema

A foice e o martelo no brasão da URSS são os símbolos mais conhecidos do poder soviético. A história de sua origem é cheia de segredos e mistérios. Esses símbolos, cruzados no brasão soviético, têm ligação com a maçonaria, o hinduísmo e a antiga mitologia ariana e eslava.
A origem do emblema soviético é nebulosa. No início de sua criação, havia várias opções: foice e martelo, martelo e ancinho, martelo e forquilha, martelo e arado. O martelo era tradicionalmente considerado um símbolo dos trabalhadores nos países europeus. Além de instrumento de trabalho rural, ele simbolizava a famosa frase de Lênin sobre a unidade do proletariado e da população trabalhadora rural. Em abril de 1918, foi aprovada a versão final do emblema. Seu autor era Evgueni Kamzolkin, o artista de Moscou. Oficialmente, a aprovação final do emblema ocorreu no 5º Congresso dos Sovietes, no verão de 1918.
Um fato curioso é que Kamzolkin não só não era comunista, como também era um homem profundamente religioso, de uma família bastante rica. Ele era membro há mais de dez anos da comunidade mística de arte de Leonardo da Vinci e podia entender bem o significado dos símbolos. Em primeiro lugar, a foice e o martelo associavam-se ao símbolo maçônico "cinzel e martelo". Esses objetos simbolizaram o objetivo claro (cinzel) e sua realização (martelo). Em emblemas religiosos europeus, o martelo representa o poder agressivo masculino, tanto físico (martelo de ferreiro de Hefaísto na Grécia), quanto letal. O deus dos trovões eslavo Svarog e o escandinavo Thor seguram-no em suas mãos. Na China e na Índia é um símbolo do triunfo das forças do mal destruidor.
É difícil dizer qual significado Kamzolkin atribuiu ao desenho. Se ele agiu apenas para cumprir a tarefa de criar a imagem da união da classe camponesa ou se ele escolheu os símbolos da morte, guerra e triunfo do mal para expressar sua atitude a respeito do poder revolucionário.

O filósofo russo Aleksêi Losev deu ao brasão a seguinte interpretação: "Esse é um símbolo que move as massas e não é apenas um sinal, é o princípio construtivo técnico para as ações humanas e expressão da vontade. (...) Aqui temos o símbolo da unidade dos trabalhadores e camponeses, o símbolo do Estado soviético."
O famoso historiador acadêmico Iúri Gauthier escreveu em seu diário em 1921:
"Há alguns dias prevalece em Moscou uma inquietação: como isso vai terminar? A resposta está nas palavras ‘martelo e foice’, lidas em ordem inversa.”
O fato é que essas duas palavras na ordem inversa soam como "Altar de pedra": assim os moscovitas aludiam aos métodos ditatoriais dos bolcheviques.
Em várias religiões, foice é o símbolo da morte. O feno e a colheita no cristianismo se associam com as almas humanas que Deus reúne após o fim do mundo. É curioso que na Idade Média a morte não foi representada pela foice de cabo comprido, ou gadanha, mas pela foice de cabo curto.

No paganismo indo-europeu e eslavo, a deusa Mara ou Morana –que equivale à deusa da morte, Kali, irmã de Shiva, no hinduísmo– representa a morte, segurando tradicionalmente uma foice na mão esquerda. Um fato interessante é que no brasão da Áustria revolucionária a águia segura uma foice na perna esquerda, assim como no brasão soviético, onde a foice se encontra nesse mesmo lado.
Fonte: Gazeta Russa
Nota da casa: Isso vai pirar muito cristão e pagão.