por Luiz Felipe Pondé para Folha
Você estuda religião? Aposto que, se sua resposta for "sim", a causa é uma das hipóteses abaixo. Somos previsíveis como ratos de laboratórios.
Estudar religião cientificamente seria estudá-la sem fins religiosos, ou seja, "de modo objetivo": via neurologia, sociologia, antropologia, psicologia, história, filosofia.
Trocando em miúdos, estudar religião cientificamente é estudá-la sem fins "lucrativos" para a própria fé do estudioso. Neste sentido, o melhor seria um ateu estudar Deus ou um cristão estudar budismo, porque assim não "lucrariam" com seus objetos de estudo.
Duvido profundamente deste pressuposto. Não porque seja impossível em si nem porque neutralidade em ciência seja algo absurdo. Trabalhar com ciência não é fruto de amor ao conhecimento, mas sim um modo de ganhar a vida muitas vezes menos competitivo do que o mercado de profissionais autônomos ou das grandes corporações.
Julgo esse problema da neutralidade do conhecimento científico tão improdutivo quanto se perguntar como faziam os últimos medievais, se Deus poderia criar uma pedra que Ele mesmo não poderia carregar -já que Ele seria onipotente e, portanto, poderia criar qualquer coisa. Mas, sendo Ele onipotente, como poderia existir uma pedra que Ele mesmo não poderia carregar?
Como você vê, trata-se de uma pergunta "podre" no sentido de ser simples perda de tempo. Um beco sem saída.
Acho que a chamada "neutralidade" em estudos da religião não passa de um preconceito contra a fé religiosa, porque em ciências humanas a neutralidade não é um pressuposto universalmente cobrado em todos os campos de pesquisa.
Por exemplo, quando mulheres estudam "opressão feminina", não estariam elas sob suspeita, uma vez que são mulheres e, portanto, suspeitas em "lucrar" com os ganhos do próprio estudo? Ou, quando gays estudam "opressão contra os gays", não estariam eles também sob suspeita, na medida em que eles, gays, também "lucrariam" com o estudo de seu próprio caso?
Ou mesmo ateus estudando Deus não estariam sob suspeita de quererem desconstruir a fé a fim de desvalorizá-la?
Por isso acho mais interessante ir logo a questões mais pragmáticas e perguntar: "Por que as pessoas querem estudar religião em vez de simplesmente viver suas religiões em seus templos e fé cotidiana?".
Proponho as seguintes hipóteses.
1. Pessoas buscam a universidade ou instituições afins para estudar religião porque têm inquietações "espirituais", mas se acham "cultas e bem (in)formadas" e estão um tanto de saco cheio das "igrejas" (no sentido de religiões institucionais) que existem no mercado. Ou mesmo porque sentem vergonha de serem religiosas "oficialmente" e, por isso, preferem estudar religião a praticar religião.
2. Porque odeiam religião por conta de traumas infantis familiares ou escolares ou por algum grande sofrimento que gerou algum tipo de "revolta contra Deus". Normalmente essas pessoas querem acabar com a religião.
3. Razões ideológicas: religião aliena (marxistas), oprime mulheres e gays, condena o sexo. Ou seja: querem um mundo sem religião ou com religiões simpáticas a suas ideologias.
4. Para abrir uma igreja, ganhar dinheiro ou poder político.
5. Para tornar sua vivência religiosa mais "culta e bem informada" e "modernizar" sua vida religiosa cotidiana, como em questões relacionadas à ciência ou à ética.
6. Por diletantismo sofisticado movido por inquietações existenciais e/ou filosóficas.
7. Porque pertenceram ao clero de alguma religião e só sabem ganhar a vida com temas relacionados à religião.
8. Para usar o conhecimento em recursos humanos nas empresas.
9. Geopolítica internacional: fundamentalismos, multiculturalismos, comércio exterior.
10. Porque é professor e o ensino religioso é um mercado em expansão, além de que, se for egresso de classes sociais inferiores (o que é muito comum), títulos acadêmicos costumam ser uma ferramenta razoável de status e aumento na renda.
Resumo da ópera: dinheiro, status, angústia existencial, fé, política, opção profissional à mão ou simplesmente falta de opção.
Fonte: Paulopes
Nota: Para este escritor pagão, ultimamente não apenas "estudar", mas também "dar aulas", tem sido mais importante do que vivenciar uma religião.