sábado, 19 de fevereiro de 2011

Reue, o Dyaus Pater lusitano

Reue é uma das Deidades Cujo culto ocorre no mesmo território que o de Bandua. Assim, para começar, devemos considerá-Las como Deidades diferentes. Na nossa opinião, os mais fortes argumentos apontam para a eventualidade de Reve ser equivalente ao Deus romano Júpiter ou ao Deus gálico Taranis. Isto é em primeiro lugar baseado nas associações do Deus com certas áreas montanhosas, como se vê numa inscrição que liga o Deus indígena Reve a um item geográfico do norte de Portugal, a montanha do Larouco, que do alto dos seus 1538 metros, domina toda a região circundante. Esta inscrição, de Baltar, Orense, foi dedicada a Reue Laraucus, enquanto noutra inscrição, encontrada em Vilar de Perdizes, Montalegre, Vila-Real, Laraucus Deus Maximus é mencionado. Esta última inscrição foi encontrada juntamente com outra contendo uma referência alusiva a Júpiter. Ambas as inscrições partilham um número de características formais e foram encontradas muito perto da montanha. Portanto, estes achados implicam que o Deus Reue pode ter sido identificado com o Deus supremo dos Romanos, Júpiter.
O altar vem de Guiães, Vila-Real, muito perto do alcance da Serra do Marão e foi dedicada a Reue Marandicui, o que sugere uma relação entre o epíteto do Deus e o nome da montanha. Isto pode ser outra área montanhosa a representar uma possível base da Deidade lusitano-galaica Reue. Estes não são os únicos casos nos quais Reue aparece ligado a importantes montanhas. A natureza sagrada deste local é confirmada pelo achamento de catorze altares votivos sem inscrições na base da montanha, longe de quaisquer áreas povoadas.
Em várias dedicatórias a Júpiter, os apelativos referem-se a montanhas ou a áreas elevadas. Um exemplo é o de Iuppiter Candamius, citado numa inscrição encontrada em Candanedo, León. A inscrição foi encontrada numa área montanhosa e além disso o epíteto do Deus também deriva do nome da montanha. Esta informação revela o laço entre a Deidade e esta montanha, cujo nome, de acordo com Albertos, é derivado de *kand- «brilhar, arder ou faiscar». Pode assumir-se o mesmo para a dedicação a Iuppiter Candiedo, cuja exacta origem é desconhecida, e Iuppiter Deus Candamus, mencionado numa inscrição encontrada na parte exterior de um muro em Monte Cildá, Olleros de Pisuerga, Palência.
Argumentos similares podem ser usados para estabelecer que esta mesma característica religiosa está escondida dentro de outra denominação nativa, Salamati. Em primeiro lugar, Salamati está directamente relacionado com o nome moderno da área montanhosa de Jálama (1492 metros), que na Antiguidade era chamada Sálama. Sálama provavelmente cobria a área da Serra da Gata até à Serra da Malcata ou à Serra de Las Mesas, muito perto dos locais onde as inscrições foram encontradas. Em segundo lugar, se a interpretação de Melena estiver correcta, o nome Salamati aparece numa inscrição como D(eus) O(ptimus). Portanto, de acordo com a informação disponível, a teoria mais provável é que Reue, tal como o Deus Júpiter dos indígenas, está associado com sítios montanhosos onde o Seu poder e as Suas funções são claramente reveladas.
Esta relação é apoiada pela localização de vários altares nestas montanhas ou nas imediações (num caso, uma inscrição foi encontrada junto a outra dedicada a Iuppiter), e pelas referências ao Deus com epítetos derivados dos nomes das montanhas mencionadas acima.
As provas a respeito da Deidade Salama são similares às que existem para Reue. Por conseguinte, a teoria de que existia uma associação entre Salama e Reue pode ser sustentada tendo em conta o facto de que os territórios onde ambos os Deuses eram adorados não se sobrepunham, eram em vez disso complementares. Acresce que ambos os Deuses coexistiram com o mesmo grupo de Deidades em cada uma das Suas áreas. Portanto, Salama poderia simplesmente ser um apelativo de Reue.
Em acrescento à ligação entre Reue e as áreas montanhosas, pode também estabelecer-se uma ligação com correntes de rios. De facto, a raiz *Sal-, além de se relacionar com montanhas, poderia também ser interpretada como «corrente de água». Esta raiz está bem representada nos hidrónimos europeus, pois que alguns deles aparecem com o sufixo -am, tais como o rio francês Salembre, que no século XII era chamado Salambra. Um número de exemplos disto é também conhecido na Península Ibérica, alguns deles relevantes para a nossa teoria. Estes incluem o Salamanquilla, em Toledo, ou o Salamantia, provavelmente o nome antigo do rio Tormes e possivelmente a origem do topónimo Salmantica (Salamanca).
A associação com rios é claramente confirmada pelo teónimo Reue. De acordo com Fita, Reue era provavelmente uma Deusa que representava a deificação do rivus, ou corrente, e provavelmente tinha o mesmo significado que a palavra feminina francesa rivière (rio) ou a catalã riera (ravina). Blázquez, embora com algumas reservas, aceitou que esta Deidade tivesse algum tipo de associação com a água.
De acordo com Villar, Reue deriva da raiz *reu-, que provavelmente significa «fluir, corrente, rio ou água corrente». Villar também mostrou, com alguns sólidos argumentos e numerosos exemplos, que a maioria dos apelativos de Reue expressam provavelmente não apenas o género masculino do Deus mas também a Sua ligação a certos rios.
Do estudo do teónimo e epítetos de Reue, Villar conclui que Reue foi usado como apelativo para «rio», mas «gradualmente o Deus deixou fr ser a mesma realidade física que o rio e mudou, convertendo-Se numa entidade pessoal ou carácter divino, que habitava o rio e era o seu protector ou senhor.»
Em suma, além da associação de Reue com sítios montanhescos, uma ligação entre Reue e os rios pode também ser vista a partir da análise etimológica do Seu teónimo e dos epítetos. Esta segunda associação com rios é similar em natureza à das montanhas, o que é o mesmo que dizer que os vales dos rios eram provavelmente lugares onde o poder da Deidade seria mais evidente, portanto onde o crente sentiria um mais forte contacto espiritual com a Divindade.
Vários autores notaram já que um significativo número de colunas dedicadas a Júpiter que foram encontradas em fontes ou rios nas províncias gaulesas e germânicas. A relação entre estes monumentos e os canais de água foi posteriormente explorada por Drioux no seu trabalho em território dos Lingones.
A chave, segundo estes investigadores, reside no significado mitológico e religioso da imagem esculpida na parte superior das colunas. Um cavaleiro semelhante a Júpiter é mostrado a conduzir a sua montaria contra um monstro reptilínio numa cena de óbvias afinidades com o mito védico da confrontação entre o Deus Indra e o demónio Vritra (Rig-Veda 3, 33; 4, 18). Todavia, Indra aparece neste mito como o «conquistador das águas», enquanto a Divindade que regula e manda as águas ao homem era o Deus supremo indo-iraniano Varuna.
Os mitos que incormporam a luta entre o Deus da Tempestade e o dragão, ou uma serpente anfíbia com características antropomórficas, são muito características não apenas das áreas célticas e indo-iranianas, mas são também encontradas em diferentes religiões indo-europeias. Baseados nos argumentos mencionados acima, podemos prontamente concluir que Júpiter, o Deus supremo dos Galo-Romanos, tinha uma garantida associação com os rios e que esta relação era mais forte em certos lugares, tais como confluências de rios-fontes. A natureza desta relação deriva provavelmente do facto de que nesses lugares, uma das principais funções da Deidade era realizada. Esta função por um lado a de benfeitor e garante das chuvas e da sobrevivência da comunidade e, por outro, a de criador das tempestades e das cheias catastróficas. É lógico que nesses lugares onde o crente poderia melhor aperceber-se do poder do Deus, o culto era expresso através da erecção de altares votivos, colunas monumentais ou através da construção de santuários.
De acordo com estas noções, pode-se afirmar etimologicamente que o teónimo Taranis, associado ao de Iuppiter na Gália, está ligado aos rios.
Traduzido [pelo Caturo]e adaptado de Celtic Gods of the Iberian Peninsula, de Juan Carlos Olivares Pedreño, Universidade de Alicante.
Fonte: Gladius
Nota: O tipo mitológico de um Deus Tempestade que luta contra um Deus [ou Deusa] Serpente ou Dragão está presente em toda a região conhecida como Crescente Fértil.

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