sábado, 29 de novembro de 2008

A raiz dos problemas sociais

'A crença religiosa pode causar danos à sociedade, contribuindo através de taxas mais altas de homicídio, abortos, promiscuidade sexual e suicídio. Crer em e adorar a Deus não é apenas dispensável para uma sociedade saudável mas pode realmente contribuir para os problemas sociais.' The Times (27 de Setembro de 2005)

O cientista social Gregory Paul descobriu que os problemas sociais como homicídio, mortalidade precoce, prevalescimento de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez adolescente e aborto são 300 vezes maiores nos países cuja moral e valores são ordenados por modelos religiosos do que em nações seculares onde os motivos são baseados no senso comum.
Isto demonstra que, a despeito do clamor de encontrar soluções para o crime e desvio social em nossa sociedade, os políticos nunca conseguirão resolver esses problemas enquanto eles estiverem pressionados pela moralidade religiosa que eles invariavelmente estão vinculados. De fato, a conclusão assombrosa da pesquisa é que os próprios políticos são quem estão causando os problemas sociais ao aderir aos desejos dos ativistas religiosos. O que esta pesquisa verdadeiramente significa é que o pico da disfunção e sofrimento que é amplamente noticiada na imprensa todos os dias nunca será resolvido até ter uma separação formal entre Igreja e Estado.
Então, quando os políticos estiverem mais livres para tomar decisões baseadas no senso comum, as pessoas poderão se beneficiar com uma vida melhorada e mais feliz baseada em ideais humanos.
Entretanto, não é a religião em si mesma que é responsável pelo dano às sociedades ocidentais. A única religião que tem tido controle sobre sua sociedade nos últimos 2 mil anos é o Cristianismo.
A pesquisa mostra que todas as religiões organizadas irão afetar seus seguidores por contágio, mas a única claramente responsável por fazê-lo através da Europa e o Mundo Novo [Américas] é o Cristianismo.
Não é uma crença espiritual que causa o mal, mas as exigências irracionais e quase impossíveis que as igrejas ortodoxas fazem em suas congregações. São os perversos e supersticiosos medos que a religião ortodoxa injetam nas mentes das pessoas em uma idade impressionável.
A culpa, a intolerância e o constrangimento em proibir outras formas de crenças espirituais coexistir em termos iguais ensinam as pessoas como odiar os outros que são diferentes.
Ter uma espiritualidade é parte da condição humana. Isto não é um ataque à opção de crença. Mas uma crítica à religião ortodoxa. A religião ortodoxa é um parasita nocivo ainda pendurado no estômago macio da democracia, sugando a vida porque os sacerdotes que a conduz são repreensíveis ou incapazes.
Fonte: SAFF [destaque por conta da casa]

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Onde se encontram os demônios

Alguns dos textos deste blog abordaram sobre onde estão ou se encontram os Deuses, mas para o tema geral torna-se mais interessante desenvolver sobre onde estão ou se encontram os demônios.
Para os antigos gregos, os demônios (daemons) são entidades mais ligadas a este mundo a ponto de serem quase humanas. Por alguns mitos e lendas antigas, é bem provável que eles foram Deuses dos povos que habitaram a Grécia antes da dominação helênica.
Este tipo de supressão foi comum em diversos povos antigos, não foi novidade alguma isto ter acontecido com as crenças originais européias com a chegada do Cristianismo.
Pode parecer curioso e contraditório, mas a teologia cristã não existiria sem a concepção de pecado, Inferno, Apocalipse, Juizo Final, Diabo e demônios que cumprem com suas devidas funções tal como é preconizado na escatologia.
Na concepção doutrinária cristã, a realidade é dividida, separada, em dois grupos opostos e adversários, dentro de uma dicotomia extremamente maniqueísta. Mas o mais interessante desta concepção é a forma como ela é utilizada ora para sustentar as posições doutrinárias de um grupo, ora para criticar as posições doutrinárias de outros grupos.
Desde seu surgimento, grupos de cristãos viviam em contendas com outros grupos que se arrogavam as mesmas pretensões e somente com a instituição de um grupo dominante é que foi determinada o que se entendia por ortodoxia, relegando o restante como heresia ou apostasia.
Mas isso não evitou o primeiro cisma no Cristianismo, o que facilitou e possibilitou a ocorrência do segundo cisma e o aparecimento do Protestantismo. Quando o Protestantismo conquistou o mesmo prestígio das demais vertentes do Cristianismo, tornou-se um hábito de um acusar o outro de ser controlada pelo Diabo e de praticar cultos satanistas.
Por outro lado, em sua apologia, cada um usava de ocorrências pontuais - como os de possessão - para mostrar que o lado deles era o mais certo argumentando que o Diabo e os demônios procuram combater a verdadeira, santa e pura Igreja de Cristo.
Interessantemente o único consenso entre as diversas denominações cristãs - bem como nas religiões institucionalizadas - é que as práticas de magia, de adivinhação, de vidência, de mediunidade e de bruxaria são, efetivamente, características do culto satânico.
Não obstantemente, dentro do Cristianismo existem práticas que são uma forma de magia como o uso de bençãos, velas, medalhas, óleos, trechos da bíblia; existem êxtases, revelações e profecias que são formas de adivinhação, vidência e mediunidade.
A Bruxaria torna-se um caso mais sensível, pois ela é vista tanto como uma heresia quanto uma apostasia. Ao acusar as bruxas de terem certas crenças e práticas que são discriminadas preconceituosamente como um culto satânico, o discurso não tem como objetivo as efetivas características das bruxas nem as crenças e práticas da Bruxaria, mas apenas usá-las como um recurso simbólico para embasar e justificar os argumentos usados na exposição da doutrina peculiar do grupo ao qual o crítico pertence, tendo por objetivo a purgação e a purificação deste grupo destas práticas vistas como impróprias ao "verdadeiro" Cristianismo.
A demonização não é apenas um recurso argumentício providencial usado apenas no discurso religioso, mas também está presente no discurso ideológico, político, econômico, social e científico, muito embora usem de outras pressuposições e palavras.
Apenas no discurso artístico a demonização assume um caráter ambíguo que varia entre o sarcasmo/ironia e a contestação/militância, mas ainda cumpre com a função de servir como um meio de transmitir uma mensagem.
Para o Neopaganismo, a Bruxaria e a Wica, a mensagem é a de que tanto os Deuses quanto os demônios estão dentro de nós, faz parte de nossa essência. As religiões majoritárias nos tem feito projetar ou rejeitar essa essência e isso apenas nos tem deixado enfermos. Portanto, é tempo de tentar a alternativa de reconhecer, aceitar e assimilar essa essência, para nos tornarmos humanos mais sadios.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Bruxaria e linguagem

Considerar a Bruxaria como uma linguagem nos leva a algumas considerações bastante provocantes. Ao entender Bruxaria como linguagem, nós podemos considerá-la como a identidade de um povo. Enquanto linguagem, a Bruxaria possui então um conjunto coerente de signos e símbolos, que são combinados para formar um sistema de significados e significantes, que são ordenados segundo uma estrutura de ortografia e gramática, que devem ser aprendidos e preservados para manterem suas características intrínsecas. Enquanto linguagem, a Bruxaria se define, define o mundo e define a relação entre ela e esse mundo. As fontes que existem para se ter uma vaga noção de como é esta linguagem vem do folclore (o que inclui o que é pejorativamente chamado de crendice e superstição), de textos ocultistas (o que inclui os grimoires), de textos eclesiásticos (o que inclui as versões protestantes), de textos legais (o que inclui os processos) e de textos acadêmicos.

Signos e símbolos
Existem diversos ideogramas pictóricos – sejam enquanto códigos de alfabetos, como o thebano, seja enquanto desenhos, como o pantáculo – cujo uso constitui, configura e empresta um caráter sobrenatural aos mesmos. Existem também certos sinais comportamentais – seja enquanto uma marca, como o estigma, seja enquanto vestuário, como o chapéu – cuja presença evidencia, caracteriza e destaca um indivíduo como pertencente a este povo.

Significado e significante
Idéias aparentemente simples ganham outros contornos e desafiam os limites e fronteiras daquilo que supostamente deveriam significar. A natureza deixa de constituir somente a fauna e a flora para incluir o reino mineral. Suas fronteiras são estendidas abarcando com isto os planetas, revogando os limites entre o que é considerado “preternatural”, “natural” e “sobrenatural” para incluir um reino astral e os diversos espíritos e entidades que fazem parte deste mundo, desta natureza, desta realidade. Um signo ou símbolo deixa de ser um mero pictograma funcional representativo para se tornar efetivamente aquele objeto tornando evidente que, através do uso correto de uma seqüência de signos e símbolos, seja em um texto, seja em um cântico, seja em um desenho, se pode apossar, conter, direcionar, impelir esses objetos e energias presentes e em ação na natureza para justificar, construir, executar e provocar os próprios fenômenos da Bruxaria.

Ortografia e gramática
As relações estruturais nas quais significado e significante são auto-explicativos e auto-referentes são as que definem a Bruxaria como uma linguagem inteligível, não apenas no âmbito de quem a pratica, mas igualmente aos seus destinatários co-participantes deste contexto, uma vez que todos fazem parte do conjunto compreendido por natureza, mundo, realidade. Nestas condições, a escolha do tipo de feitiço nunca é aleatório, os elementos contidos na receita atendem a estas regras bem específicas. O conjunto de signos e símbolos, dentro destas regras, seguem um padrão rigoroso para sustentar e capacitar o significante e o significado das capacidades que se estimam deles a fim de produzir o fenômeno esperado da Bruxaria.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Governo britânico é instado a pedir perdão

LONDRES - O ministro da Justiça britânico, Jack Straw, foi instado nesta sexta-feira a pedir perdão póstumo aos homens e mulheres que foram executados na Grã-Bretanha sob a acusação de praticar bruxaria.
Um grupo de ativistas pediu a Straw que reconheça os "erros históricos da Justiça britânica" e peça perdão publicamente.
Uma cópia do requerimento também foi enviada ao secretário da Justiça escocês, Kenny MacAskill. Mais de 400 pessoas foram executadas na Inglaterra, e cerca de duas mil na Escócia, antes da promulgação da Lei de Bruxaria de 1735, que acabou com os julgamentos do gênero.
O pedido por um perdão oficial ocorre meses após o governo da Suíça se desculpar oficialmente pela morte de Anna Goeldi, decapitada em 1782 e considerada a última pessoa a ser executada por bruxaria na Europa.
O requerimento surgiu de uma família proprietária de uma loja de fantasias, que pediu ao historiador John Callow para investigar as histórias das vítimas britânicas.
Callow, editor do livro Witchcraft and Magic in Sixteenth and Seventeenth Century Europe ('Bruxaria e Magia na Europa dos séculos XVI e XVII', em tradução livre), afirmou que está na hora de reconhecer que os julgamentos por bruxaria foram as 'mais perigosas e trágicas' fabricações da história.
Fonte : JB Online [link morto]

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Um mundo assombrado

"Embora o oceano guarde muitos segredos, eu sabia que não há a mais mínima base oceanográfica ou geofísica para deduzir a existência da Atlântida e Lemúria. Por isso sabe a ciência até este momento, não existiram jamais. A estas alturas, o disse a contra gosto."[Sagan, Carl. O Mundo Assombrado por Demônios. internet: pg. 11-12]

O que se pode aprender ao percebermos a ciência como parte do contexto histórico é que mesmo ela é produto de uma concepção, de um padrão, de uma norma, de uma visão de mundo. Até pouco tempo atrás se achava que Tróia era uma lenda, uma cidade que nunca existiu de fato, até que arqueólogos acharam seus vestígios. Diante de vários eventos que mostram que a concepção em voga pode estar equivocada, os pesquisadores por acaso questionam os seus médotos ou revisam seus preconceitos a respeito de um tema?

Após ler o livro "História da Bruxaria" de Jeffrey Russel eu tendo a sentir uma ponta de complacência com o saber acadêmico. Antes eu devo, como acadêmico, listar as formas de pesquisa: a) por documentos b) por experiência em laboratório e c) por trabalho de campo. Quando o tema é Bruxaria, o trabalho se restringe ao levantamento de documentos e algumas experiências em laboratório, mas raríssimos trabalhos de campo.

"Somos conscientes de que cientistas venerados se equivocaram."[idem. pg. 35] Entretanto deve-se entender que isso não significa que os cientistas estão sempre equivocados. A ciência tem feito um grande favor à humanidade ajudando-a a superar a opressão do Cristianismo. Curiosamente, tem aparecido um revisionismo histórico que faz estranhas concessões quanto à história do Cristianismo, mas não visando a melhoria da compreensão histórica e sim os poderosos interesses de instituições cuja existência depende da manutenção desse mito.

O padrão atual em voga se coroa com uma infalibilidade que beira o histriônico. Nesse padrão existe um preconceito muito comum de atribuir à religião (a saber, a Cristã, que usualmente é a referência para os conceitos de Deus, Diabo, sobrenatural, etc) a pecha de ter lançado a humanidade em um mundo assombrado por demônios. Os monges da razão convenientemente esquecem que cientistas na época em que a ciência estava em seu berço acreditavam na existência factual dos demônios, do Diabo e daqueles que supostamente, pelo padrão de pensamento da época, eram seus agentes: os hereges e...as bruxas.

Tem sido muito proveitosa a leitura do livro de Stuart Clark: "Pensando com Demônios", uma análise semântica dos textos produzidos entre os séc. XV e XVIII, no que incluem textos de cientistas - como Francis Bacon - que usam de conceitos e palavras incompatíveis com o que atualmente se concebe como sendo o padrão científico.
A concepção em voga sobre a crença e prática de Bruxaria continua sendo a mesma da Renascença e do Iluminismo, a mesma época quando a Caça às Bruxas e a histeria esteve em seu auge. Nesta época, a concepção de mundo provinha da categorização de forma arbitrária dos fenômenos em natural/sobrenatural, possível/impossível, real/ilusório.
Os pesquisadores e cientistas, ao escrever sobre a Bruxaria, tomavam as acusações imputadas às bruxas para então descrever tais acusações dentro deste padrão e, por extensão, discriminar a causa alegada dentro deste mesmo padrão.
Certamente se os pesquisadores e cientistas da época tivessem feito um trabalho de campo teriam se deparado, não somente com a existência das bruxas, mas com as crenças e práticas da Bruxaria, ligadas ao folclore e às crenças religiosas originais da Europa.
Teóricos do séc. XXI, ao escreverem sobre o tema Bruxaria, Neopaganismo e Wica deveriam observar não apenas os dados de autores como lhes convém, mas observar o que o próprio Carl Sagan lembra: "Na ciência não há perguntas proibidas, não há temas muito sensíveis ou delicados para ser explorados, não há verdades sagradas."[idem. pg. 34]

Bruxaria e história

“Bruxaria” não era uma simples questão de nomeação, mas o produto de diferenciações muitas vezes complexas. Os que escreveram a seu respeito foram especialmente confundidos por seu caráter inversivo e este ato de reconhecimento os comprometia com as convenções de pensamento e expressão. Mas cedo ou mais tarde os teóricos da Bruxaria se defrontaram com um conjunto de problemas – os motivos para que o Diabo e seus agentes serem muito mais ativos em sua própria época do que em qualquer outra. Isto não significava que a especulação sempre tenha sido muito profunda.
Na verdade, os autores sobre Bruxaria eram levados a considerar a significação mais profunda da magia e da bruxaria como aspectos definidores de sua época e decisivos para seu significado. Os próprios historiadores modernos praticamente ignoraram a questão do porque as perseguições à Bruxaria surgiram entre os séc. XV e XVIII e não em alguma outra época.
A maneira como os contemporâneos explicavam o que também viam como um quebra-cabeças histórico pode ter algum interesse intrínseco.
Em particular, estavam preocupados com um de seus temas centrais – a leitura escatológica dos assuntos correntes. A simples evidência de sucessos de Bruxaria reforçava a divisão binária da história do mundo agostiniano como uma luta dramática entre forças morais antitéticas, da qual o resultado é garantido pela vitória de um grupo sobre o outro. A evidência de sua aceleração deu precisão à idéia de que o desenlace estava próximo, transformou em assunto mais exato a situação da época corrente no fim da história e ajudou grandemente na identificação do Anticristo.
Os escritores sobre bruxaria dependiam de uma teologia da história e ao mesmo tempo contribuíam para sua elaboração. O resultado foi uma interpretação da bruxaria radicalmente diferente de tudo que poderia ter surgido. O debate sobre a relatividade no saber histórico não adquiriu a estatura do debate na ciência, principalmente porque a maioria dos historiadores em geral admitiram a questão. O positivismo ingênuo daqueles para quem o passado poderia ser fielmente retratado em narrativa já havia sido abandonado como mistificador. E a tentativa de garantir o direito de dizer a verdade histórica dando uma explicação direta dos “fatos” havia se mostrado não passar de uma afirmação de autoridade.
Quanto ao mais sofisticado “positivismo lógico” dos que tentavam reduzir toda investigação empírica aos mesmos cânones metodológicos também foi desacreditado. Os argumentos alternativos são desdobramentos das visões da autonomia que fizeram da interpretação o pré-requisito da compreensão.
Os historiadores foram impelidos nessa direção pelo desenvolvimento da linguagem comum, pela atenção à significação e pelas realizações de antropólogos sociais e culturais. O efeito dessas influências tem sido o de desenganchar a história de suas amarras tradicionalmente realistas, removendo gradualmente o sentido de que o pensamento histórico é responsável por qualquer outra coisa que não ele próprio.
Isto tem conseqüências libertadoras para o modo como vemos o próprio passado da disciplina. Agora os historiadores deveriam ser capazes de admitir que a história é simplesmente uma forma de introspecção para os que constroem o passado de certas maneiras. O modo como uma sociedade entende seu passado raramente é uma questão indiferente e frequentemente é um elemento importante de sua auto-imagem; é sempre um dos modos em que a sociedade se revela e revela as suposições e crenças sobre seu próprio caráter e destino. O que é real ou mítico numa visão do passado é função apenas das regras adotadas pelos historiadores responsáveis por ela.
Clark, Stuart. Pensando com Demônios. Edusp: 2006, pg. 407-413.

sábado, 15 de novembro de 2008

Gens e Ethnos

Eu fico com as entranhas embrulhadas quando eu vejo um neopagão (no que inclui os reconstrutivistas culturais) fazendo reinvindiçações de privilégios e direitos ao seu grupo, usando um nacionalismo e um patriotismo rasteiro que mal disfarça o estrabismo xenófobo e a estupidez racista.
Não é de agora que se fala que religião e política não devem ser misturados. Um neopagão que clama pelo "retorno pela pureza" de seu "povo", de sua "cultura" e de sua "religião" não deve ter conhecimento algum de antropologia, história ou cultura.
Alguns grupos falam, com orgulho iludido, sobre a "verdadeira identidade" dos europeus como vindo dos indo-europeus. Para começar, só em falar em grupos ou povos indo-europeus mostra que está se falando de uma mescla, de uma mistura, de uma miscigenação.
A classificação como indo-europeu refere-se apenas a matérias linguísticas, e não necessariamente a etnias ou culturas. Os chamados indo-europeus se localizavam, desde o quarto milênio, ao norte do Mar Negro, entre os Cárpatos e o Cáucaso, sem jamais, todavia, terem formado uma unidade sólida, uma raça, um império organizado e nem mesmo uma civilização material comum.
Portanto, o que existe é uma enorme confusão ideológica sobre identidade, origem, gens e ethnos. Então a pergunta é por que se tem tanta necessidade nos dias de hoje de se descubrir estes fatores e, sobretudo, qual a relação entre estes, o neopaganismo, a política e o neonazismo?
A Europa, bem como os países colonizados por seus descendentes - especialmente as Américas - sofreu um grande trauma em sua identidade étnica, tanto com o domínio do Império Romano quanto com o domínio do Império Cristão.
Mas isso faz parte de toda a história humana, mesmo os habitantes primitivos do continente europeu foram dominados por outros povos, que por sua vez foram formados de mesclas de diferentes povos. Não há, na atualidade, forma alguma de "restaurar" a pureza étnica de povo algum.
Podemos querer saber as nossas origens, resgatar a nossa herança cultural e trazê-la para os nossos dias, não querer levar a atualidade de volta a esse passado dourado idealizado. Nossa identidade, nos dias de hoje, é fruto da contribuição de diversos povos, diversas culturas, incluindo imigrantes, negros, árabes, asiáticos.
Querer retomar uma "pureza" étnica é matar parte dessa cultura que também faz parte de nossa identidade, de nossa riqueza, de nosso País. Podemos ter orgulho de nossa gens - um termo que entrou na cultura européia pelos Romanos - mas não podemos nos esquecer o outro lado do conceito de gens "romana" - a família, que não era feita apenas de indivíduos ligados por laços sanguíneos, mas também de todos aqueles que o pater familians adotava.
Um familiar romano, mesmo se escravo ou servo, usufruía quase dos mesmos direitos que os patrícios romanos, muitos recebia mais que a liberdade, recebiam a cidadania sob o nome da família do pater familians que os adotara.
Esse costume ainda faz parte do folclore europeu, bem como do neopaganismo, mas não da política que foi o pesadelo europeu, o Nazismo, uma ideologia que infelizmente vem sendo reutilizada para objetivos espúrios.
Para os neopagãos e reconstrutivistas culturais que estão reembarcando sem perceber na ideologia do III Reich, fica uma pequena reflexão. A região de onde os Arianos vieram - um dos grupos étnicos responsáveis pela expansão da cultura indo-européia - é hoje mais conhecida como Tajiquistão, a mesma região de onde se originaram os Persas, a mesma região da Turquia, do Irã, do Paquistão, uma região de povos bem morenos, em nada parecidos com o ideal nórdico, caucasiano ou germânico.