O culto aos Orixás, é uma das poucas religiões em que o sagrado se materializa num corpo humano onde dança e brada.
Agora, se eles são forças, divinas, sagradas, por que eles adentram em um corpo carnal cheio de defeitos?
Ora, porque essa é a forma como Olódùmarè estabeleceu a relação entre o Àiyé ara (mundo físico) e o Ọ̀run (mundo espiritual). No culto aos Orixás, o sagrado não é uma ideia abstrata e distante, mas uma força viva, pulsante, que se manifesta entre nós para ensinar, corrigir, curar e reafirmar os laços entre os humanos e o divino.
O sagrado se incorpora num corpo humano porque essa é a maneira mais direta e poderosa de transmitir seus ensinamentos. Ao se manifestarem através do transe, os Orixás rompem a barreira entre os mundos, trazendo sua energia e sabedoria para guiar seus filhos. Eles dançam para narrar seus feitos, bradam para reforçar sua autoridade, e, ao se expressarem por meio da carne, tornam-se acessíveis, próximos, permitindo que a comunidade sinta, veja e ouça sua presença.
Mas se são entidades divinas e perfeitas, por que escolher um corpo humano, cheio de falhas, limitações e imperfeições? Porque é justamente no humano que o aprendizado acontece. Olódùmarè, em sua sabedoria infinita, nos deu o livre-arbítrio e a responsabilidade de lapidar nosso caráter. O transe de incorporação é um ato de equilíbrio: o divino toca o terreno, e o terreno se purifica pelo divino. A carne, imperfeita, se torna um canal para algo maior, e, por um instante, somos testemunhas do que há além do nosso entendimento.
Para compreender melhor essa dinâmica, é essencial diferenciar o sagrado do profano. O sagrado é tudo aquilo que pertence ao domínio do Ọ̀run, o reino dos Orixás, dos ancestrais e da espiritualidade. É o que nos conecta a algo maior do que nós mesmos, um elo com a criação de Olódùmarè. O profano, por sua vez, é o que se limita ao mundo físico, às questões materiais e cotidianas, muitas vezes desconectadas do propósito espiritual. No entanto, no culto aos Orixás, o sagrado e o profano não são inimigos, mas coexistem. É através do profano que se constrói o sagrado – o corpo que dança é o mesmo que sente fome, a boca que brada é a mesma que se alimenta.
O mistério da incorporação está justamente nessa fusão entre divino e humano. Olódùmarè, em sua grandeza, permite que seus enviados venham ao nosso mundo para nos lembrar de que somos parte de algo muito maior. Quando um Orixá dança em um corpo, não é apenas um espetáculo – é um ensinamento vivo, um chamado para que sigamos nossa jornada com retidão, coragem e sabedoria.
Tí Òrìṣà kì í bá fẹ̀ ayé kò ní wá sí ènìyàn. (Se Orixá não amasse o mundo, não viria aos humanos).
Axé para todos!
Fonte: https://extra.globo.com/google/amp/blogs/pai-paulo-de-oxala/post/2025/02/por-que-o-sagrado-se-manifesta-num-corpo-humano.ghtml
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