quinta-feira, 4 de junho de 2015

Os profetas intocáveis

Houve um tempo em que o povo de Israel não era muito diferente dos atuais cristãos, onde crenças populares, crenças antigas, sobreviviam de forma sincrética ou folclorizada. Houve um tempo em que o povo de Israel identificava o Deus daquele povo com o Deus Cananeu, Baal, afinal este era a palavra para Senhor. Houve um tempo que Yahveh era um de muitos Deuses e tinha uma Deusa consorte conhecida como Aserá. Até que rabinos fizeram uma reforma religiosa e proibiram o culto a Asherá. Como podemos notar no texto sagrado:
Agora, pois, manda reunir-se a mim todo o Israel no monte Carmelo; como também os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal, e os quatrocentos profetas de Aserá, que comem da mesa de Jezabel.
Então Acabe convocou todos os filhos de Israel; e reuniu os profetas no monte Carmelo.
Então Elias se chegou a todo o povo, e disse: Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o, e se Baal, segui-o. Porém o povo nada lhe respondeu.
Então disse Elias ao povo: Só eu fiquei por profeta do Senhor, e os profetas de Baal são quatrocentos e cinquenta homens. [1 Reis 18:19-22]
Então caiu fogo do Senhor, e consumiu o holocausto, e a lenha, e as pedras, e o pó, e ainda lambeu a água que estava no rego.
O que vendo todo o povo, caíram sobre os seus rostos, e disseram: Só o Senhor é Deus! Só o Senhor é Deus!
E Elias lhes disse: Lançai mão dos profetas de Baal, que nenhum deles escape. E lançaram mão deles; e Elias os fez descer ao ribeiro de Quisom, e ali os matou. [1 Reis 18:38-40]
Eu aposto uma torta de maçã que leitores cristãos devem estar felizes com essa citação, mas acalmem-se, o tio Bode continua sendo pagão. Eu escolhi esta citação para ressaltar que os profetas de Aserá não foram tocados. Eu não encontrei qualquer explicação em páginas cristãs. Então a pergunta é por que isso aconteceu?
Primeiro temos que saber que é Aserá, Asherá ou Asherah:
Aserá é uma Deusa Cananéia muito antiga, uma inscrição suméria datando de 1750 A.C. se refere a ela como a esposa de Anu, que pode ser identificado como El, o deus pai do panteão cananeu, cujo papel é muito similar ao deus sumério An.
Aserá era chamada "A Senhora do Mar", o que a relaciona com a Nammu suméria e com a Ísis egípcia, "nascida da umidade".
É possível que Aserá se convertesse na esposa de Yahveh aos olhos dos hebreus quando o deus assimilou a iconografia de deus pai que havia pertencido a El.
Em cada escavação arqueológica importante na Palestina são encontradas figuras femininas, datadas entre 2.000 A.C. até 600 A.C.
É possível que as mulheres usassem estas diminutas imagens para pedir a Aserá sua ajuda no parto ou para que lhes concedesse fertilidade.
Aserá foi a Deusa de Tiro e da Sidônia em épocas longínquas, ao menos desde 1200 A.C., e foi provavelmente uma esposa Sidônia de Salomão quem a introduziu na corte do rei hebreu.
Mais tarde, o rei Acab de Israel (873-852 A.C.) se casou com Jezabel, filha de um rei da Sidônia, e o culto a Aserá foi estabelecido de novo na corte, junto com seu filho Baal. [Deusa Interior]
O fato é que os povos de onde surgiu o monoteísmo abraãmico eram politeístas. Isso deve incomodar muito cristãos, judeus e muçulmanos. Mas mesmo nos textos sagrados destas religiões é possível ver a presença de ao menos uma Deusa que, embora oculta ou suprimida, foi cultuada. Basta saber ler nas entrelinhas dos textos originais.
Mesmo proibido, reprimido, o culto para a Deusa Asherah resistia, como o profeta Jeremias notou:
Quanto à palavra que nos anunciaste em nome do Senhor, não te obedeceremos a ti; antes, certamente, toda a palavra que saiu da nossa boca, isto é, queimaremos incenso à Rainha dos Céus e lhe ofereceremos libações, como nós, nossos pais, nossos reis e nossos príncipes têm feito, nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém; tínhamos fartura de pão, prosperávamos e não víamos mal algum. Mas, desde que cessamos de queimar incenso à Rainha dos Céus e de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo e fomos consumidos pela espada e pela fome. Quando queimávamos incenso à Rainha dos Céus e lhe oferecíamos libações, acaso, lhe fizemos bolos que a retratavam e lhe oferecemos libações, sem nossos maridos? [Jeremias, 44,16-19].
No mundo contemporâneo, em plena Israel, alguns Judeus tentam resgatar essa herança, relembrando suas raízes, origens e crenças. Este é um projeto que visa erradicar o domínio da Sinagoga e do Sinédrio sobre a crença popular. Eu acredito que o resgate das crenças politeístas deva diminuir as constantes guerras e conflitos no Oriente Médio.
No Ocidente esse movimento ainda é restrito, o Paganismo Moderno ainda é um fenômeno recente, sem esquecer que ainda existe uma enorme influência da Igreja e do Cristianismo em nossa cultura. Eu acredito que reencontraremos os Caminhos Antigos. Eu acredito que o Ocidente vai também resgatar suas raízes, suas origens e crenças. Eu acredito que o poder das organizações religiosas irá se extinguir. Eu acredito que quando redescobrirmos nossos ancestrais e os laços de sangue e de família que temos com os Deuses Antigos, o Ocidente deixará de promover a guerra, a exploração, a segregação, a misoginia, o machismo, o sexismo, o preconceito, a intolerância. Eu acredito que poderemos ter uma sociedade inclusiva e com justiça social, onde haverá espaço para a diversidade e a igualdade.

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