segunda-feira, 6 de abril de 2015

O mistério do Graal

Este pagão que vos escreve contou outrora como é incongruente o Brasil ser um Estado Laico, mas ainda ter um calendário marcado por festas e feriados católicos. Esta é uma das poucas épocas do ano que eu fico alegre e melancólico. Alegre por que eu posso celebrar o equinócio de outono, Ostara, Mabon. Melancólico por que indefectivelmente nesta data são publicados textos de ateus e cristãos falando da Páscoa.
O ateu alega que Cristo é “apenas” mais um mito do Deus Ressuscitado, como muitos outros. Eu devo anotar que o ateu recorre a essa releitura da religião comparada exatamente para “provar” que toda religião é um absurdo, não por que eles gostem ou tenham alguma simpatia pelo Paganismo. Diversos escritores pagãos modernos, inclusive com conhecimento acadêmico, refutaram essa análise superficial, tendenciosa e desonesta. Não que nós estejamos querendo fazer uma apologia ao Cristianismo, mesmo por que muitos escritores cristãos tentam fazê-lo, mas sem a mesma eficácia.
O ateu cita Osíris, Dioniso, Attis, Adônis, Mithra e Dummuzi como semelhantes a Cristo. Uma análise mais criteriosa dos mitos e dos Deuses desmonta essa crítica. No entanto, se vamos aprofundar o escrutínio dos mitos e dos Deuses, o mesmo critério deve ser aplicado ao Cristo.
Eu vou partir de alguns argumentos colocados em textos cristãos.
1 – Nenhum destes Deuses sabia que iria morrer.
Uma afirmação sem bases nem provas. Os Deuses sabem que podem e vão morrer. A questão do sacrifício de um Deus, seja provocado ou oferecido, é outra.
2 – Nenhum destes Deuses queria morrer.
O cristão supõe que Cristo se ofereceu voluntariamente ao sacrifício. No entanto uma leitura criteriosa dos Evangelhos mostra que Cristo hesitou na véspera de seu sacrifício. Ele pediu a Deus que tirasse o cálice, mas que fosse feita a vontade de Deus, não a vontade dele. Considerando que Cristo veio à terra com esse propósito, seu sacrifício era inevitável, não há escolha.
3 – Nenhum destes Deuses ressuscitaram pelo seu poder.
Lendo a Bíblia, que para os cristãos é um texto sagrado, inspirado por Deus, podemos ver que mesmo Cristo não ressuscitou pelo seu poder. A Bíblia diz que Deus é quem tem o poder. A Bíblia afirma em diversas partes que Deus é Uno.
4 – Nenhum destes Deuses morreu por alguém.
Novamente, temos que ler a Bíblia. Em diversas partes da Bíblia se fala que o pecado somente pode ser expiado pelo pecador, que o pecado do pai não passa ao filho e do filho não passa ao pai. Temos que nos ater à função do sacrifício, que é a expiação do pecado, não visa o indivíduo, mas a purificação de um ato. A purificação dos atos estava presente em todas as religiões antigas.
5 – Nenhum destes Deuses morreu pelo pecado.
A pergunta que não se faz é por que Cristo deveria morrer por nossos pecados. Como ou por que o sacrifício de um Eleito, um Escolhido, um Mensageiro de Deus, deve dar seu sangue. O cristão preguiçoso não deve ler o Levítico, nem deve conhecer profundamente as profecias referentes ao Ha-Massiah. Na doutrina cristã, todos são pecadores por causa da herança maldita, mas isso não se sustenta. Na doutrina cristã, Cristo foi o sacrifício perfeito para a expiação do pecado de todos, mas isso não se sustenta. A expiação coletiva por um cordeiro está no Levítico. Mas esta expiação era prescrita ao povo de Israel e devia ser executada por um rabino, em um templo. A vinda do Messias, do Cristo, está nas Profecias, mas uma leitura criteriosa das mesmas mostra que Yeshua Ben Yoseph não preenchia os pré-requisitos para ser o Cristo. Uma leitura criteriosa dos Evangelhos reforça a noção de que Cristo havia vindo para salvar o povo Judeu e nenhum outro. O que os cristãos evitam falar é a noção da necessidade de um sacrifício humano para expiar os pecados. Um sacrifício de sangue somente é eficiente dentro de uma lógica ritualística, onde a vitima a ser imolada possui características específicas. Um sacrifício de sangue é algo que é polêmico até mesmo entre pagãos modernos.
6 – Nenhum destes Deuses morreram uma vez.
Considerando que os cristãos constantemente celebram a morte e ressureição de Cristo desde que surgiram, Cristo tem morrido mais do que uma vez.
7 – Nenhum destes Deuses tem historicidade.
Os cristãos consideram como historicidade de Cristo as citações ao título “Crestos” em textos antigos. Por esse mesmo critério, os Deuses Antigos possuem muito mais historicidade, considerando que seus nomes estão em diversas obras, textos, leis, edifícios, obras e estátuas dos tempos antigos. Uma análise historiográfica, entretanto, derruba por inteiro essa pretensão absurda dos cristãos.
8 - Nenhum destes Deuses morreram como Cristo.
A primazia de morrer crucificado não é exclusiva de Cristo. Mesmo assim, não há diferença alguma na forma como um Deus, um Profeta, um Avatar ou Mensageiro será morto para que ele cumpra com sua missão. Todo sacrifício demanda uma enorme dose de entrega, altruísmo e aceitação.
9 – Nenhum destes Deuses foram vencedores.
A ressurreição de Cristo é tida como uma vitória sobre a morte. No entanto ainda morremos, a vitória de Cristo foi em vão. A ressureição de Cristo é tida como vitória sobre o pecado. No entanto, ainda somos pecadores, senão o Cristianismo sequer teria se tornado uma religião de massas, a vitória de Cristo foi em vão. O cristão não pode dizer que Cristo venceu a morte por que, se não tivesse morrido, Cristo não poderia entregar o caminho para a salvação.
O que é difícil e necessário falar é a razão para a estação. Como toda religião, o Cristianismo foi influenciado e assimilou muitas das ideias, símbolos, princípios e datas das religiões anteriores, como também desenvolveu algo inédito e original. Temos mais razões para perceber as similaridades do que as disparidades. Como toda ideia e ideal, o Cristianismo se tornou uma arma quando chegou ao poder, quando o ser humano se tornou fundamentalista. Esse absolutismo pode acontecer com qualquer ideia e ideal, até mesmo o Humanismo e o Ateísmo. Quando lemos textos de ateus militantes, temos uma boa amostra disso. Mesmo o descrente que possui alguma espiritualidade reconhece que o outono e a primavera são estações que provocam mudanças, no mundo e em nós. Esta é a razão da estação. Nós celebramos o renascimento, a ressurreição cíclica da vida. Neste sentido, Cristo é semelhante aos Deuses Pagãos. Cristo é semelhante aos Deuses por que teve que nascer, viver e morrer como homem. Cristo é semelhante aos Deuses por que sabia que sua encarnação tinha um propósito, uma missão e que fugir não era uma opção. Cristo é semelhante aos Deuses por que sua morte nos mostrou que da morte há renovação. Cristo é semelhante aos Deuses por que nos mostrou que mesmo diante da dor, do sofrimento, da fatalidade, nós temos que servir aos Deuses. Cristo é semelhante aos Deuses por que vivenciou aquilo que acreditava e aceitou morrer por seus ideais. Cristo é semelhante aos Deuses por que fez de si mesmo um exemplo, na esperança de que a humanidade entendesse e visse que o potencial divino está em todos nós.
Cada vez que um cristão ataca outra religião, cada vez que discrimina outro ser humano por suas escolhas, cada ato de violência, cada palavra cheia de ódio, cada discurso repleto de preconceitos, cada atitude intolerante, faz com que o sacrifício de Cristo tenha sido em vão.
Quando o ateu desumaniza outra pessoa simplesmente por ter uma crença, faz com que os sacrifícios de muitos humanistas tenham sido em vão.
O Graal está cheio. Apenas os homens de boa vontade poderão beber dele. Quer você comemore a Pascoa, a Pessach, o Equinócio de Outono, Ostara ou Mabon, domingo foi o dia de celebrar o renascimento, a renovação. Vinde e vede, pois  Ela é a Taça do Vinho da Vida e Ele é o Senhor da Vida, da Morte e da Ressurreição.

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