Um perfil do eleitor paulistano.
Que São Paulo é a capital do conservadorismo e das variadas formas de exclusão, pouca gente contestará.
Pelo menos desde a década de 1980, quando o país foi autorizado pelos States a restabelecer alguma democracia de mercado e a nova ordem neoliberal esposou a falácia representativa nos estados e municípios, o eleitor paulistano acumula pseudoargumentos que justificariam seu voto, fosse ele emedebista, fosse malufista, fosse tucano: “ele rouba, mas faz”; “ao menos, ele não é radical”…
Nada disso deveria nos espantar, afinal houve quem acreditasse que “o sol nasceu pra todos e também para você: vote Quércia, vote Quérica, PMDB”.
Patriotismo bairrista? Luta anticomunista? Apologia da moral e dos bons costumes? Defesa intransigente da propriedade privada? Enxugamento da máquina pública? Manutenção da ordem? Combate à corrupção? Redução dos custos para contratar um trabalhador com carteira assinada?
O cardápio é o de sempre, mas o eleitor não se furta a apontar os mesmos pratos, indiferente que está às mazelas sociais. E nisso, o votador, que não ultrapassa a condição de sádico, está perfeitamente à vontade: escolhe qualquer um desses clichês para chamar de seu e senta o pé no pedal da empáfia e da hipocrisia, enquanto destila autoritarismo ao se relacionar com qualquer um que considere “inferior” ou “gente diferenciada”.
Quem não se recorda dos protestos dos moradores dos Jardins, avessos ao corredor de ônibus? Dos protestos contra a estação de metrô Higienópolis? Ou do abaixo-assinado formalizado pelos moradores deste mesmo bairro, ao recomendar a “remoção” dos miseráveis que ocupavam o caminho dourado que vai da sua casa ao shopping center preferido?
Afinal, até quando nossos conterrâneos continuarão a ignorar os oitenta mil desabrigados em situação de rua, na megalópole mais rica do hemisfério sul? Até quando fingirão não ver as dezenas de escândalos de corrupção da atual gestão, que, inclusive, afetaram a qualidade de aprendizagem das crianças?
Até quando os “cidadãos de bem”, na “cidade do trabalho”, estarão cegos para as obras superfaturadas? Até quando pedestres puxados por cães, ou inflados em SUVs, contornarão o asfalto que não gruda? Até quando o eleitor paulistano desprezará as denúncias sobre contratos públicos que beneficiam parentes ou amigos da atual (indi)gestão?
Algum dia reconhecerão que, em parte, foi a sua sanha privatista que provocou apagões, enxugou os empregos, aumentou o exército de reserva e quintuplicou os “moradores” de rua?
Quando admitirão que foi seu voto excludente, cínico e egóico que impossibilitou conceber uma cidade mais inclusiva, que não seja toscamente recapeada (podada às pressas) a cada quatro anos?
Para São Paulo, vale a receita que afeta diretamente as pautas progressistas: o eleitor paulistano confunde assertividade com radicalismo; mistura a própria ignorância da lei com egoísmo de classe. Ele gosta, mesmo, é de gente que não exprima revolta sequer no tom de voz, mascarados de poker face.
O eleitor prefere manter o combo inépcia + corrupção + fala mansa a reconhecer o escândalo que é manter milhares de famílias inteiras sob viadutos.
A primeira providência do paulistano seria consultar a Constituição Federal de 1988 e ler o que diz a lei sobre a ocupação legal e legítima de territórios. Mas, como sabemos, informar-se (que digo eu?); levar o outro em conta é pedir demais.
Fonte: https://jornalggn.com.br/cidadania/um-perfil-do-eleitor-paulistano-por-jean-pierre-chauvin/
Nota: fala-se tanto da nossa cultura, colonial, mas eu pergunto. O que foi feito para criar e cultivar a consciência política e de classe?
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