Eu tenho boas lembranças dos 29 anos que trabalhei em uma secretaria pública e outras nem tanto. Eu chego a sentir pena de uma colega com quem eu trabalhava, ela sofria da doença do fundamentalismo cristão.
Ela lia avidamente lixo do tipo que Jack Chick produzia e ficava com os olhos esbugalhados sempre que falava dos desenhos da Disney. Oquei, os desenhos desse império tem o que é chamado "easter eggs" no mínimo estranhos e inconvenientes, alusões ao sexo na cultura ocidental, que ainda vive debaixo da repressão/opressão da doutrina cristã, é levantar várias bandeiras.
Muito se perdeu quando o Luccas Filmes e a Marvel foram compradas pela Disney, mas são apenas negócios, diriam os porcos capitalistas.
Eu assisti desenhos de diversos estúdios. Warner Brothers, Hanna Barbera, Walter Lantz, Universal e Disney também (só para citar os ocidentais).
Antes de ter se tornado uma potência no mundo da animação, a Disney teve diversos clássicos. Dentre estes, o que eu guardo boas lembranças e que certamente vai apavorar os cristãos doentes é "Fantasia".
Desenhos tendo como trilha sonora a música clássica. Isso por si só valeria muito, mas tem três episódios que merecem destaque.
Episódio: "O Aprendiz de Feiticeiro". [The Apprentice Sorcerer]
Episódio: "Sinfonia Pastoral". [The Pastoral Symphony]
Episódio: "Uma Noite no Monte Calvo". [Night on Bald Mountain]
O primeiro tem um sério problema de tradução no título, "sorcerer" é traduzido como "feiticeiro". Em inglês, o conceito é bem diferente deste que se faz em línguas latinas. A confusão fica bem evidente quando se percebe que o personagem está mais para um mago do que para um feiticeiro. Se você não vê ou não sabe a diferença, vá se informar.
Enfim, o personagem principal não é o mago, mas seu aprendiz e isso soa doce para quem, como eu, estudou as religiões de mistério e a Wicca. O pessoal da minha comunidade vai ficar chateado comigo, mas essa ideia de aprendiz, de "graus iniciáticos" foi copiado e trazido para a Wicca por seu fundador Gerald Gardner, ele mesmo, um franco-maçom. E isso tem muito a ver com as guildas da Idade Média, se você não vê e não sabe a semelhança/diferença, vá se informar.
O papel aprendiz é encenado por Mickey Mouse, ele mesmo, tinha uma filmografia considerável, mas eu ouso dizer que seu carisma e popularidade explodiram com esse episódio.
Ver o pobre camundongo (sim, Mickey não é um rato) sofrendo para controlar a magia que ele, inconscientemente, trouxe à tona é hilário, mas em um mundo dominado pelo fundamentalismo cristão isso foi ousado.
Tio Aleister (que eu, ousadamente, chamo de Uncle Al), o tio avô da Wicca, sabe bem isso. Conta-se em sua biografia (que eu conheço, bem como alguns de seus textos) que ele teve uma - digamos - experiência ruim com uma magia envolvendo espelhos. Algo que mais parecia ter saído dos livro de Howard Philip Lovecraft e - como eu costumo dizer - não existem coincidências.
Outro, cuja biografia certamente pode ser citada dos perigos de mexer com magia sem ter o conhecimento e o controle necessário é Austin Osman Spare. Se você não conhece Aleister Crowley e Austin Osman Spare, deve ser um visitante perdido, querendo conhecer sobre Magia, Wicca e Paganismo Moderno. Se quiser um texto específico, vai ter que me pedir e eventualmente me pagar para isso.
Mickey foi criado como um tipo de compensação depois que Walt Disney perdeu Osvaldo, o coelho, mas essa e outra história.
O segundo é um mergulho na mitologia clássica, tal como nós a conhecemos, graças ao Renascimento, que redescobriu os mitos antigos, da Grécia Antiga. Um desenho falando da chamada Antiguidade Clássica, regada com música clássica, com o tema da mitologia clássica. Alguém falou em redundância? O episódio é recheado de ninfas, sátiros, centauros e fadas. Isso é suficientemente pagão para mim.
O terceiro é mais sensível para a audiência cristã, sobretudo se for doente. Ao som da "Sagração da Primavera" de Stravinsky, o Diabo, no alto de uma montanha, parece estar conduzindo a multidão de fantasmas, esqueletos, espectros e bruxas que dançam no vale. Delicioso, pois eu vejo aqui a mesma celebração que humanos fazem na ocasião do Dia dos Mortos, uma data celebrada em diversas culturas. No Paganismo Moderno e na Wicca é chamada de Samhain, sendo mais conhecida como Halloween. Embora no círculo sagrado quem comanda é o Mestre do Sabá, o Homem Negro, o meu Doce Senhor.
Oh, bem, lá pelo século XII, quando os boatos de que as bruxas faziam assembléias nas florestas, o Mestre do Sabá, o Homem Negro, meu Doce Senhor, foi retratado conforme a mescla resultante do sincretismo das crenças antigas (que aqui é identificada como Paganismo) e o Cristianismo. Então os processos que seguiram (alguns feitos de forma voluntária), ainda que foram conduzidos pelos oficiantes da justiça, o imaginário dos padres, dos advogados, dos procuradores e juízes nos dizem muito desse sincretismo e, portanto, nos dizem muito do que era o "culto das bruxas" e de seu "mestre".
Então, sim, o Diabo retratado no alto da montanha nesse desenho pode muito bem ser o Mestre do Sabá, conduzindo deliciosamente seu séquito em uma celebração sagrada pela vinda da primavera, como nós ousadamente fazemos hoje em dia. Eu republiquei os textos de Pat Mosley exatamente com essa intenção. Se você não sabe e não vê a semelhança/diferença entre o Diabo e o Deus das Bruxas, vá se informar.
Evidente, a Wicca quando se tornou um fenômeno popular lá pelos anos 70, a mesma época que o Satanismo Laveyano também ganhou popularidade, então é compreensível que Diane Vera ache que nós tenhamos um histórico em comum. Mas o Satanismo que existia na Idade Média, regado à Missa Negra dentro de igrejas e em círculos aristocráticos era bem distinto do Satanismo Moderno (tanto o teísta quanto o ateísta). A "Missa Negra" executada por padres (e nobres libertinos) era um arremedo daquilo que tinha sido registrado nos processos, ou seja, era uma imitação muito grosseira daquilo que se imaginava como eram as assembléias de bruxas. A cerimônia wiccana tem mais a ver com Alta Magia (tanto que é baseada em uma adaptação livre das Chaves de Salomão) do que com as assembléias das bruxas. O Deus da Wicca é o mesmo Deus das Bruxas, mas por cautela compreensível, a Tradição Gardneriana (a única que pode usar Wicca em suas práticas) distanciou o Deus do Diabo.
A Bruxaria Tradicional tem mais conexão com espíritos da natureza (portanto com o Deus da Floresta), não com os Deuses, sejam estes Gregos, ou Romanos, ou Celtas (ou qualquer outro).
Em sua vertente italiana (Strega), a Deusa é conhecida por Diana, mas não é a mesma Diana dos mitos Romanos, tanto que seu Consorte Divino é conhecido por Lucifer (que aqui tem o sentido de "portador da luz"), um nome que tem outro significado no Cristianismo.
O nome da Deusa é um mistério, nos processos, o Mestre do Sabá escolhia quem seria sua sacerdotisa e essa mulher/bruxa incorporava a Deusa e então realizava o Casamento Sagrado (hiero gamos) com o Mestre do Sabá, ou com quem ela escolhia. Isso foi mantido na cerimônia wiccana, embora a liturgia wiccana cite Aradia e Cernunnos, esses não são os Nomes sagrados, nem do Doce Senhor, nem da Benevolente Senhora.
No imaginário cristão o Diabo recebeu características do Mestre do Sabá, mas não é Ele. O Diabo, Satã, pertence a outra mitologia, então seu conceito deve ser interpretado conforme essa mitologia.
Em seu conceito original, Satã é um anjo de Deus (sim, isso mesmo, Satã foi criado por esse Deus, para o escândalo dos Judeus e dos Cristãos), sua única função é agir como Procurador, quando a alma se apresentar diante desse Deus, quando morrer, para ser julgado.
Dante Alighieri escreveu a Divina Comédia com isso em mente, mas se apropriou, e muito, dos mitos clássicos, como a travessia feita por Caronte e os três juízes do Mundo dos Mortos, só esqueceu do detalhe que eles obedecem a Hades, não ao Deus dos Cristãos.
Essa é a melhor parte dos mitos antigos: todos tem o mesmo destino. Lamento informar isso, cristão, mas você está comprando uma falsa promessa, a "salvação" prometida por Cristo, segundo as profecias em torno dele, são exclusivas para o Povo Judeu. Ops.
Resumindo, Satã não é um Deus. Satã não pode ser o Deus das Bruxas. O Mestre do Sabá não é Satã. A teologia cristã e sua doutrina não tem lugar, nem no Paganismo Moderno, nem na Bruxaria. Nós apenas nos apropriamos de algumas ferramentas, nada mais justo, afinal, os cristãos se apropriaram das nossas.
Então eu vejo deliciado a cena. Uma celebração, onde todos cantam, dançam, fazem música e amor. Sem distinção. Eu vejo alegria, felicidade, fartura e abundância. São espíritos e entidades, não são carnais, mas celebram a vida melhor do que nós. Uma celebração democrática, inclusiva e popular. Bem melhor do que esse culto de dor, sofrimento e morte. Bem melhor do que esse Deus que tem pastores que recebem assassinos, mas não homossexuais. Bem melhor do que um culto com características paramilitares e fascistas.
Aqui onde nós estamos a mesa está cheia e tem vagas. O Paraíso que te prometeram não se vê nenhuma alegria, felicidade, fartura e abundância, só relatos de ouro, pedras e joias. Aliás, você provavelmente não vai entrar, visto que você não pertence ao Povo Judeu. Eu te convido. Venha para o nosso Sabá.
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