terça-feira, 15 de março de 2022

Não somos parentes

Satanismo e a História da Wicca, por Diane Vera.
Tradução e Adaptação por Femmina Seduttrice.

Em seu esforço para se desassociarem do Satanismo, os wiccans têm tendido a distorcer sua própria história. Wicca e Satanismo são de fato categorias religiosas muito distintas, porém há alguns laços históricos entre os dois, como até alguns estudiosos wiccans estão finalmente começando a admitir. (Veja, por exemplo, o livro de Aidan Kelly “Crafting the Art of Magic” págs. 21-22, 25-26, e 176).

Para analisar um texto que, supostamente fala de história, é preciso perguntar de que tipo de história essa autora se refere. Ao contrário do que querem e esperam os satanistas, não há nem nunca houve esse tal 'satanismo histórico' que querem tanto para embasar e justificar sua crença. Usar o livro de Aidan Kelly é embarcar em barco furado, pois ele o escreveu para atingir objetivos pessoais, não para dar um enfoque acadêmico na questão.

Wicca não é “A Antiga Religião”, ainda que influenciada por várias religiões antigas. Wicca como nós conhecemos atualmente é derivada da filosofia oculta do século XIX - incluindo a filosofia do Satanismo literário, entre outros - projetada em uma Deusa e um Deus (não cristãos), acrescida de um estilo descristianizado de magia cerimonial da Golden Dawn e folclore britânico sortido, e mais recentemente reformulado por estudiosos neo-pagãos, e influenciado pelo feminismo e a ecologia. De qualquer forma diversas partes da incerta árvore genealógica da Wicca podem ser traçadas ao Satanismo literário do século XIX, algumas formas têm mais em comum com a Wicca atual do que o Satanismo atual.

A autora enxerga 'provas' de um 'satanismo literário' sem explicar o contexto histórico em que tais filosofias surgiram. Historicamente, livros de magia e bruxaria surgiram muito tempo depois do surgimento das práticas em si e sempre surgiram ora como uma forma de satisfazer a crescente curiosidade da aristocracia europeia, ora para apoiar as ações criminosas da Igreja.


O principal exemplo de que o Satanismo literário influenciou fortemente a Wicca, especialmente a Wicca feminista, é o livro “La Sorciere” escrito pelo historiador francês do século XIX, Jules Michelet (publicado em inglês pela Citadel Press sob o título “Satanism and Witchcraft”). As idéias de Michelet, como parafraseadas por escritoras feministas como Barbara Ehrenreich e Deirdre English em seu livro “Witches, Midwives, and Nurses: A History of Women Healers (Feminist Press, 1973), atuou como um importante papel no atual movimento pela saúde feminina. (Ao menos Ehrenreich e English foram honestas o suficiente para listar Michelet na sua bibliografia). Michelet foi, até onde eu sei, a origem literária da atual imagem feminista da bruxa como curandeira. Entre outras coisas, ele teorizou que a caçada as bruxas foi usada pela medicina masculina emergente para matar as componesas que lhe faziam competição.

O livro de Jules Michelet não foi feito com o intuito de ser um registro histórico ou uma explicação acadêmica, mas um romance e mesmo assim foi feito baseado em outras fontes, o que o descaracteriza como fonte primordial dos movimentos citados.
Eu explico o contexto histórico no qual surgiu tal 'satanismo literário'. Em síntese, livros de magia e bruxaria surgiram muito tempo depois das práticas em si e surgiram para satisfazer a curiosidade da aristocracia europeia. Como as práticas tinham muito das crenças populares originais dos povos europeus, crenças estas que foram definidas pela Igreja como cultos de Satan. Ora, a aristocracia se ressentia com o poder político e econômico da Igreja, então procuravam nesses livros de magia e bruxaria, os Grimórios, formas de poder espiritual, político e econômico que pudessem competir com os da Igreja e do Deus Cristão.

De acordo com Jeffrey B. Russell em “A History of Wichcraft”, a Wicca clássica pré-feminista também retirou indiretamente muitas influências de Michelet. Michelet foi a principal fonte de inspiração para Margaret Murray, Charles G. Leland e Sir James Frazer, que a maioria dos wiccans instruídos reconhecem como influências. (Russell aponta isso, todavia negligencia informar ao leitor que o livro de Michelet é repleto de descrições apaixonadas e simpatizantes de Satã e das bruxas medievais. Russell também propaga o falso mito de que a Wicca não tem nada haver com o Satanismo).

Como eu expliquei, Michelet não foi o único que escreveu sobre bruxaria e as crenças populares do campo na Europa, de forma que é ridículo afirmar que este foi a fonte original na qual os outros escritores se basearam para seus livros.


Eu irei deixar para os mais estudados do que eu debaterem o quanto endividados Murray e Leland foram a Michelet. Em todo caso, a mitologia italiana sobre bruxaria que Leland apresentou em “Aradia: Gospel of the Witches” (Originalmente publicado em 1899), uma das maiores fontes da Wicca, contém alguns elementos da bruxaria diabólica - “Diana amou extensamente seu irmão Lúcifer, o deus do Sol e da Lua, o deus da Luz, que estava tão orgulhoso de sua beleza, e por isso foi repelido do Paraíso”. Os Wiccans geralmente argumentam que “Lúcifer” não é o demônio cristão, mas “o deus do Sol e da Lua”. (Eu também diferencio Lúcifer de Satã, como fazem muitos ocultistas). Contudo a declaração de que Lúcifer foi “repelido do Paraíso” por seu “orgulho” é claramente uma referência ao mito do demônio cristão. Aradia contém uma mistura de mitologias.

Uma óbvia confusão, considerando que a autora não sabe a diferença entre história e romance. Murray fez um ensaio acadêmico, Leland fez um romance. O livro “Arádia, o Evangelho das Bruxas” é uma referência romanceada da bruxaria toscana, uma das formas da Stregueria, ou bruxaria italiana, que não tem qualquer relação com a Wicca, uma forma de bruxaria moderna de origem britânica. Portanto, é necessário uma certa reserva quanto ao registro de Leland sobre o mito de Lúcifer.

Os wiccans estão corretos em dizer que seu Deus Chifrudo não é Satã, porém não é historicamente verdadeiro que a imagem cristianizada de Satã é uma re-interpretação do Deus wiccan. Pelo contrário, o moderno conceito wiccan do Deus Chifrudo é originário de uma re-interpretação paganizada da imagem medieval do demônio cristão (como nos escritos recentes de Margaret Murray). É verdadeiro que a imagem medieval do demônio cristão, incorpora versões distorcidas de deuses antigos (não só os chifres, ex.: o tridente que foi retirado de Poseidon/Netuno). Porém a imagem wiccan do Deus Chifrudo não é uma continuação direta de alguma religião antiga, e pelo menos um aspecto chave não veio de outra fonte senão do conceito medieval do demônio cristão como manifestado nas caçadas às bruxas. A idéia de um Deus Chifrudo associado especificamente com a bruxaria é derivada da caçadas as bruxas pelos cristãos, e não de outra fonte prévia. Na religião pré-cristã européia, havia deusas associadas a bruxaria (ex: Hécate), mas Pan e outros deuses com chifres não eram associados a bruxaria, até onde eu sei. Muito da própria imagem wiccan é baseada na re-interpretação paganizada da alegada adoração ao demônio, do que realmente na religião antiga. Muito da terminologia e da imagem wiccan (ex: as palavras “bruxa/witch”, “coven”, e “sabbat”), são usadas por causa do falso mito wiccan de que sua religião é sobrevivente de uma religião medieval secreta que foi alvo dos caçadores de bruxas. (negligenciando a origem linguística desses termos que vieram da caçada às bruxas). A ideia relatada que os modernos wiccans continuam sob o perigo de serem confundidos com satanistas é, ao menos parcialmente, uma profecia de próprio preenchimento. Poucas pessoas iriam confundir Wicca moderna com Satanismo, se a Wicca não usasse tantos termos derivados da caçada às bruxas e outras pompas popularmente associadas a bruxaria diabólica.

A autora demonstra não ter conhecimento histórico nem antropológico. Existe uma enorme diferença entre as muitas formas de bruxaria que eram praticadas na Europa, muitas bruxas trabalhavam com espíritos, gênios locais, mas também muitas tinham seus Deuses e Deusas. Hécate é uma Deusa da Grécia Antiga e que foi assimilada pelos Romanos Antigos, antes de sua cristianização. Na Europa, haviam diversos tipos de Deuses e Deusas que foram, com o domínio Romano e, posteriormente, o Cristão, confundidos e associados com os antigos Deuses e Deusas, Gregas e Romanas, bem como foram demonizados pela Igreja. Portanto é bem evidente que a iconografia de Satan vem exatamente dessa associação simbológica dos Deuses Pagãos europeus.
Os termos são igualmente confundidos pela autora como uma ‘reinterpretação paganizada’, se ela tivesse o mínimo de critério e buscado fontes mais históricas, veria que os termos são usados pelos grupos de bruxas existentes na Europa Medieval.
O que é necessário diferenciar é a bruxaria praticada pelo povo e a ‘bruxaria’ praticada pela aristocracia, algo que a autora desconhece e não explica. Os ditos ‘cultos a Satan’, bem como a ‘bruxaria diabólica’ e mesmo as ‘Missas Negras’ são fenômenos diretamente ligados nessa prática aristocrática de ‘bruxaria’, que tinha como objetivo combater e desafiar o poder da Igreja e do Deus Cristão.


Minha questão aqui não é dizer que os wiccans não devem usar os termos “bruxa/witch”, “coven” e “sabbat”. A questão é que se eles usam essas e outras pompas da bruxaria diabólica, eles devem aceitar as consequências. Por exemplo, quando explicando que Wicca não é Satanismo, deveriam confirmar a real razão para a confusão: que wiccans escolheram se identificar com as vitimas das caçadas às bruxas na Europa medieval e por isso usam sua terminologia. Wiccans certamente não deveriam responsabilizar os satanistas por suas próprias dificuldades de relações públicas, como alguns wiccans fazem. Wiccans me aborrecem quando na tentativa de se distanciarem do Satanismo, difundem concepções populares errôneas sobre Satanismo (ex: dizendo: “Nós não somos satanistas!” em um tom dando a entender que satanistas são monstros, ou dizendo “Nós não somos satanistas!” como se estivessem dizendo “Nós não sacrificamos bebês.” - a última declaração pode ser dita separadamente e é um ponto óbvio de transgressão da “Wiccan Rede” e/ou lei do retorno triplo).

Eu considero que a autora tenta dar algum sentido e justificativa ao seu credo (satanista), tentando igualar movimentos, religiões e pensamentos tão distintos. Eu expliquei a terminologia, bem como as diferenças. O que a autora faz, bem como os satanistas em geral, é essa confusão da tradição da bruxaria europeia popular com as licenciosidades cometidas pela aristocracia. Toda forma de satanismo moderno, do ‘tradicional’ ao laveyano, provém dessa prática aristocrática, produzida e estimulada tanto pelos Grimórios quanto por magos e padres renegados. Não havia uma preocupação com a tradição ou com a religião, mas apenas a busca de uma válvula de escape. A aristocracia pagava para ter todo tipo de ritual, culto ou prática que contestasse a Igreja, mesmo que isso significasse cometer crimes e disso vem toda a histeria e pânico contra a bruxaria, como se esta fosse efetivamente um ‘culto a Satan’.

Voltando a história da Wicca. Além de Murray, Leland, e outros escritores de bruxaria, outra principal fonte da Wicca é Aleister Crowley. Muitos wiccans esclarecidos (ex. os Farrars e Doreen Valiente) compreendem que os rituais de Gardner foram altamente baseados em rituais de Crowley, entretanto eles tendem a retrucar “Crowley não era um satanista”.

A dita influência de Crowley é mais um motivo de piada entre wiccanos do que de preocupação. Como a autora não teve o trabalho de pesquisar conceitos mais básicos e elementares de história e antropologia, seria redundante e desnecessário falar de tal influência.

Crowley não era um satanista, porém ele estava definitivamente dentro do simbolismo satânico, assim como estava dentro de zilhões de outras coisas. Em alguns escritos defensores do Neo-Paganismo (ex. o livro da “The Church of All Worlds”, “Witchcraft, Satanism, and Occult Crime: Who's Who and What's What”), é alegado que Crowley não era satanista nem pagão, mas somente mago cerimonial judaíco-cristão. O fato é que Crowley era muito eclético, podemos listar magia cerimonial da Golden Dawn, Qabalah, Grimórios medievais, Egito e Grécia antiga e Yoga. Crowley deu ênfase a elementos egípcios, inferiorizou os elementos cristãos, e adicionou muitas outras coisas em sua mistura, incluindo muita imagem satânica (tal como sua invocação de Satã no Liber Samekh, isso sem mencionar sua constante alto-definição de “Besta 666”). Alguns irão insistir que o simbolismo satânico de Crowley era meramente uma brincadeira, porém as atitudes de Crowley se encaixam bem dentro da tradição do Satanismo literário do século XIX. (Na maioria das mais sofisticadas formas de Satanismo, o nome “Satã” é entendido em um sentido irônico). Outros irão explicar que a maior parte do simbolismo satânico de Crowley pode ser re-interpretado em termos pagãos, porém isso também é verdadeiro em muitas formas de Satanismo.

Crowley foi, evidentemente, um gênio de sua época, mas viveu em uma época onde ainda se divulgavam livros de bruxaria e magia como sendo coisa do Diabo e ele mesmo assimilou essa acepção da mesma forma que os aristocratas europeus concebiam.

Há também uma possibilidade de que a Wicca tenha pego emprestado ideias de escritos sobre reais satanistas no fim do século XIX e início do século XX. No livro “Crafting the Art of Magic”, Aidan Kelly diz que Gerald Gardner retirou conceitos chaves de descrições da bruxaria do povo Ozark, incluindo Satanismo popular, no livro “Ozark Superstition” de Vance Randolph em 1947. Eu irei admitir que as conclusões de Kelly foram desafiadas por outros wiccans esclarecidos historicamente.

Aidan Kelly é um caso à parte, mas seu livro foi totalmente refutado.

Claro, se Gardner fosse influenciado por Randolph, ele provavelmente assumiria que as bruxas satânicas populares eram “realmente” pagãs e que Randolph as representou erroneamente como satanistas. Porém a suposição de Gardner não estaria necessariamente correta. Uma bruxa (pela inculta visão popular) seria de longe mais parecida com (1) uma satanista ou (2) uma devota embora cristã heterodoxa, do que alguém que tenha preservado uma antiga religião pagã intacta. Vários costumes pagãos certamente sobreviveram, porém isso é bem diferente da sobrevivência intacta de uma religião pagã, pelo qual há muita pouca evidência. (Para uma critica da alegada evidência da sobrevivência pagã, veja o livro “A Razor for a Goat” de Elliot Rose. Concernente a um possível culto medieval muito diferente do que Murray teorizou, veja o livro “The Night Battles” de Carlo Ginzburg. Concernente a bruxas hereditárias contemporâneas, muitas delas são cristãs, veja o livro “Bluenose Magic” por Helen Creighton. Para a um exemplo de grimório decididamente não pagão que é muito popular entre bruxas européias hoje em dia, veja o livro The Sixth e Seventh Books of Moses”, disponível em algumas botânicas).

A autora faz afirmações errôneas, baseadas em suas visões generalizantes e superficiais. As bruxas não eram vistas como satanistas nem como cristã heterodoxa pelo povo. Antes da Caça às Bruxas conduzida pela Igreja, as bruxas eram estimadas e procuradas, pois elas possuíam o conhecimento ancestral que ajudava as pessoas em suas dificuldades.

Algumas formas de Wicca podem ter sido influenciadas por satanistas mais diretamente do que via Murray, Leland, Crowley, Ehrenreich/English, e possivelmente Randolph. Dois exemplos possíveis: (1) Wiccans historicamente instruídos têm debatido qual papel, se algum, foi exercido no desenvolvimento da Wiccan moderna por um inglês trabalhador rural do século XIX chamado George Pickingill que tinha fama de ser um bruxo. Aidan Kelly, que não acredita que Pickingill contribuiu em algo para Wicca, descreve Pickingill como “um bruxo popular inconstante e satanista”. A afirmação que Pickingill exerceu um papel principal foi originalmente feita por “Lugh” em um jornal chamado “The Wiccan” em 1974. “Lugh”, que alegou ser um bruxo hereditário, descreveu Pickingill como “A maior autoridade que já existiu no mundo em Bruxaria, Satanismo e Magia Negra” (citado por Doreen Valiente em “Rebirth of Wichcraft”).

Pickingill surgiu igualmente em uma época onde existia essa identificação entre bruxaria e satanismo, portanto, é compreensível dentro do contexto histórico, social e cultural.

(2) Starhawk foi iniciada por Victor Anderson, que outrora pertenceu a um coven cuja forma de bruxaria incluía uma forma de “Satanismo literário” (ou pelo menos uma religião similar ao “Satanismo literário”); ou assim diz Kelly, baseada em uma pesquisa de Valerie Voigt.

Starhawk foi iniciada por Victor Anderson, o fundador da Tradição Feri, uma das muitas formas de bruxaria moderna, mas não é Wicca.

Mesmo que Kelly esteja correta ou não sobre Victor Anderson, e mesmo que Pickingill tenha ou não algo haver com a Wicca, não deve ser considerado improvável que algumas tradições de Wicca tenham se originado como formas de Satanismo e então gradualmente foram se afastando do Satanismo. Atualmente, há ocultistas que começaram como satanistas e eventualmente se tornaram Wiccans ou outros tipos de neo-pagãos. Seria muito estranho se o entendimento de Wicca de tais pessoas não fossem de um todo influenciado por suas experiências prévias com o Satanismo.

Eu devo salientar que, para quem começa a se interessar por bruxaria e Wicca, não há muitos livros ou fontes confiáveis, pois estamos em um momento posterior à existência da bruxaria e das religiões originais da Europa.
Quando Gerald Gardner iniciou o resgate dessas práticas e religiões foi necessário filtrar muito desse suposto ‘satanismo literário’ bem como muito da interferência da aristocracia e da Igreja no que era efetivamente a religião e a prática originais.


Formas teístas de Satanismo têm uma tendência natural de gerar novas religiões não satânicas. Se você rejeita a teologia cristã (como todos os satanistas inteligentes fazem), e venera Satã como um entidade ou força (não como somente um símbolo como no Satanismo LaVeyísta), então uma questão inevitavelmente aparecerá: Quem e o que é “Satã”? Diferentes formas de Satanismo tem diferentes respostas para essa pergunta. Uma das respostas mais fáceis é re-interpretar Satã como uma entidade pré-cristã, geralmente Set ou Pan. Contudo, uma vez que você equipara Satã com uma divindade antiga específica, você estará dando o primeiro passo para sair do Satanismo. Você não estará mais venerando Satã, você estará venerando uma divindade pagã com tonalidades satânicas. E então, uma vez que desenvolveu seu sistema de crença paganizada, as tonalidades satânicas se tornaram eventualmente menos importantes, ou vistas assim. Esse aparentemente foi o caso com o “Temple of Set”, um ramo saído da “Chuch of Satan” de LaVey. (Setianos discordam de serem chamados de “Satanistas”). Parece que não é de todo improvável que algumas formas de Wicca, com todas essas pompas da Bruxaria Diabólica, tenham uma origem similar. Um grupo de satanistas teístas que equiparam Satã com Pan, com alguns satanistas fazem, provavelmente se envolveriam em uma direção semelhante a Wicca.

A autora entra em uma confusão mental. Como eu expliquei, existiam Deuses e Deusas originárias da Europa que foram demonizadas pela Igreja e, desta imposição da Igreja, surgiu a iconografia de Satan.

Voltando a falar sobre as pompas da Bruxaria Diabólica usada pela Wicca. A própria imagem da Wicca é baseada nos registros das caçadas às bruxas, re-interpretando as alegadas atividades diabólicas que foram acusadas como sendo a adoração a um “deus pagão chifrudo”. A Wicca desde modo faz um novo uso da mesma fonte que satanistas têm usado por séculos.
Uma pergunta interessante: Por que reconstruir uma “Velha Religião” deste modo, ao invés de buscar registros de religiões realmente antigas? Outras formas de Neo-Paganismo (ex. Asatru e neo-Druidismo), que se baseiam mais no que é conhecido sobre reais religiões antigas, são de longe menos prováveis de serem confundidas com Satanismo do que a Wicca. Por que os Wiccans insistem em usar palavras como “bruxa/witch” e “coven” quando poderiam perfeitamente usar outras palavras menos “chamativas”?

Os processos contra as bruxas pode ser vistos de duas formas. Uma, a mais evidente, é a prova da existência das bruxas. A outra, menos evidente, é a necessidade de justificar os excessos cometidos pela Igreja, então os ‘testemunhos’ e ‘relatos’ eram evidentemente forçados para que os Inquisidores conseguissem, por tortura, ouvir o que era interessante para a Igreja. Como evidencia da existência das bruxas, se supõe então que elas são portadoras de um conhecimento ancestral, conhecido como a “Velha Religião”. Como ‘testemunho’ obtido por tortura e com a intenção de justificar as ações da Igreja, evidentemente que os processos reproduziriam as concepções da Igreja de que o Deus Chifrudo, o Deus da Bruxas, é Satan.

Apesar das pompas da Bruxaria Diabólica, ou talvez em parte por causa delas, a Wicca é mais popular do que qualquer outra forma de Neo-Paganismo. Certamente a terminologia “chamativa” da Wicca ajudou a ganhar mais publicidade do que o contrário. Representantes wiccans reclamam algumas vezes pelo fato de que os jornalistas só os entrevistam no Halloween, porém as outras pequenas facções religiosas não chegam nem perto da liberdade publicitária da Wicca em nenhuma época do ano, nem mesmo no Halloween. E, julgando pelo modo que os Wiccan insistem em repetir “Nós não somos satanistas!” mais freqüente do que eles realmente são acusados de serem satanistas, parece lógico suspeitar que pelo menos alguns estão usando palavras e imagens popularmente associadas ao Satanismo como modo de chamar atenção, e/ou porque eles se divertem se sentindo desobedientes. (Eu de fato escutei alguns wiccans dizerem que se a palavra “bruxa/witch” se tornasse muito respeitável, ela perderia algo de seu poder). Satanistas modernos tem a impressão de que a base de atração da Wicca jaz em uma combinação paradoxal (alguns diriam hipócrita) do uso de conotações satânicas e a negação das mesmas. Deste modo, satanistas tendem a considerar a Wicca como uma distorção do Satanismo.

A autora desconhece a Wica e desconhece a inexistência da ‘bruxaria diabólica’. Há, efetivamente, em nosso tempo, essa confusão conceitual e a autora demonstra estar nesse mesmo engano.
A visão da opinião pública no que se refere a bruxaria e wicca provém dessa visão enganosa e imposta pela Igreja. Para a Imprensa, o interessante é o de vender a notícia, não o de fornecer informação. Então nada mais cabível do que aproveitar a exposição para esclarecer a opinião pública de que existem diferenças entre bruxaria, wicca e satanismo.


Eu pessoalmente não considero a Wicca como uma distorção. Na minha opinião, o uso pelos wiccans de pompas derivadas das caçadas às bruxas são tampouco mais nem menos legítimas do que o uso das mesmas por satanistas. E a Wicca, como uma religião, tem muito mais substância para isso do que somente essa semelhança superficial deliberadamente adotada da Bruxaria Diabólica.

Considerando que o satanismo moderno provém de uma distorção aristocrática da bruxaria misturada com doutrinas da Igreja, os pomposos são os satanistas que tentam desmentir seu vínculo evidente com a Igreja enquanto tentam enganar o público dizendo que o satanismo é o original.

Mas eu estou muito irritada com essas intermináveis declarações de que “Wicca não tem nada haver com Satanismo!”. Eu não daria importância se os wiccans meramente dissessem que Wicca não é Satanismo (ao menos se fizessem isso sem a repetição desnecessária). É verdadeiro que Wicca não é Satanismo, mas historicamente não é verdadeiro que a Wicca “não tem nada haver com” Satanismo. Nem é verdadeiro que a Wicca não tem nada em comum com o Satanismo. Algumas formas de Wicca e Neo-Paganismo tem muito em comum com (algumas formas de) Satanismo.

Historicamente, satanismo tem mais vínculos com a aristocracia europeia e a Igreja do que com a bruxaria e a Wica, como eu evidenciei.

Curiosamente, das muitas formas de Neo-Paganismo baseadas na Wicca, uma das mais “satânicas” (em termos de Satanismo literário do século XIX) é a religião feminista da Deusa, apesar de sua freqüente omissão do “Deus Chifrudo”. Veja, por exemplo, alguns dos escritos de Mary Daly. Quando é para inverter e parodiar o simbolismo cristão, Daly faz melhor do uma Missa Negra escrita antigamente. Daly também recupera e venera quase todas as categorias femininas demonizadas concebíveis, de fúrias até feiticeiras. E não podemos esquecer as muitas feministas que veneram Lilith, um demônio feminino do folclore judaico equivalente ao Satã cristão. Lilith não chegou ao status de anti-deus, porém por outro lado seu mito é quase idêntico ao do Satã cristão: banida por seu orgulho, ela se tornou um pavoroso demônio e foi associada aos pecados humanos, principalmente os relacionados ao sexo. Para ser honesta, devo mencionar que nem todas as feministas adoradoras da Deusa são influenciadas por Mary Daly ou veneram Lilith. Porém a contracultura feminista, por ser uma contracultura, tende geralmente incluir uma dose extra de rebeldia “demoníaca” além do que é encontrado na Wicca clássica (ex. Títulos de revistas como “Sinister Wisdom”). Todos esses paralelos com o Satanismo refletem o tema central essencialmente satânico de algumas formas de religiões feministas da Deusa: auto-liberação de uma ordem “espiritual” imposta pela sociedade - ainda que a religião da Deusa seja completamente não satânica pelos critérios da maioria dos satanistas modernos.

A autora toma fenômenos atuais não como efeitos de um processo cultural, histórico e social, mas como evidências isoladas. Formas de bruxaria moderna, conhecidas como wicca diânica, tenta tornar a Wica uma religião matrifocal, mas é um movimento distinto da Wica.
Grupos diânicos dão um enfoque privilegiado às Deusas como se isso fosse ‘corrigir’ os excessos do patriarcado. Nessa busca, cometem o mesmo engano que a autora, ao confundir mitos e lendas de outras religiões sem se importar com suas fontes.
O mito de Lilith não é sequer igual ou semelhante ao de Satan, seja o Judaico ou o Cristão. O mito de Lilith pertence às lendas Judaicas, mas sua origem vem dos mitos Sumérios e Babilônicos, precisamente o de Inanna e Ishtar. Em uma sociedade patriarcal e monoteísta, os resquícios de cultos à uma Deusa deviam ser combatidos e demonizados. Esta é a origem do mito de Lilith, bem diferente de Satan.

As primeiras escritoras feministas sobre religião tiveram uma atitude muito amigável a respeito de Satanismo do que é comum nos dias de hoje. Até onde eu sei, a primeira escritora feminista que escreveu sobre Bruxaria e religião da Deusa foi a líder do sufrágio feminino Matilda Joslyn Gage. Seu livro “Woman, Church, e State” contém uma descrição entusiástica de uma Missa Negra medieval camponesa, baseada nos relatos de Michelet.

Michelet não fez um relato histórico ou acadêmico, não serve como referência ou prova.

Eu tenho esperança de que os Wiccans e adoradoras da Deusa de hoje irão parar de temer reconhecer que, assim como o cristianismo pegou muito da misteriosa religião grega ainda que seja uma religião muito diferente dos mistérios gregos, a Wicca e a religião da Deusa retirou muita inspiração do Satanismo, sendo entretanto religiões muito diferentes. A honestidade de Kelly é animadora. Se os satanistas de hoje são algumas vezes rudes com wiccans, bem, como você reagiria com um grupo de indivíduos que saíram de seu caminho para renegar suas próprias raízes, para assim repudiar você?

A Wica e a dita ‘Religião da Deusa’ não tomou coisa alguma emprestada do satanismo, mas dos credos originais da Europa. O correto seria dizer que o satanismo deve muito à distorção feita pela aristocracia cristã desses credos e cultos originais da Europa.

O que é especialmente irritante é o modo que muitos wiccans declaram a palavra “Bruxaria/Witchcraft” como sendo um nome para sua própria religião, definindo não somente a “Wicca” mas também a “Bruxaria/Witchcraft” como uma religião distinta do Satanismo. Me perdoem, mas “Bruxaria/Witchcraft” não é uma religião. Há bruxas por todo mundo, em diferentes culturas. Elas todas não pertencem a uma religião única. Uma bruxa pode ser de qualquer religião. Uma de minhas bisavós era uma “bruxa de água” que dizia onde cavar poços. Ela era uma devota cristã. Se uma cristã pode ser bruxa, então uma satanista também pode. Havia tanto cristãs e satanistas chamando si mesmas de bruxas muito antes de que os wiccans atualmente. (Veja os livros de Randolph e Creighton, por exemplo). Assim eu realmente gostaria que os wiccans parassem de usar a palavra “Bruxaria/Witchcraft” como nome para sua religião específica. Eu não desejo que os wiccans parem do usar a palavra “Bruxaria/Witchcraft”, eu apenas rejeito a idéia de que somente as wiccans (ou pelo menos pagãs) são bruxas verdadeiras, e portanto satanistas não podem ser bruxas.

Mais uma vez, a autora confunde um evento circunstancial como uma evidência isolada. Antes da Caça às Bruxas pela Igreja, muitas pessoas preservavam e transmitiam as superstições que aprenderam de seus ancestrais, mesmo depois de sua conversão forçada.

Encorajo os Wiccans a chamarem sua religião de “Wicca”, uma palavra arcaica que eles mesmos ressuscitaram. Outro bom nome seria “Bruxaria neo-Pagã”, algo sugerindo que sua religião é um ramo da Bruxaria/Witchcraft, e não a Bruxaria/Witchcraft como um todo. Deste modo, seria correto dizer, “Bruxaria neo-Pagã não é Satanismo”, considerando que é errado dizer que “Bruxaria (em geral) não é Satanismo”. Também seria ótimo se os wiccans parassem de fazer pronunciamentos inexatos sobre o que Satanismo é, assim como, “Satanismo é uma forma de Cristianismo” ou “Para ser satanista, você precisa acreditar no Deus cristão”.

Considerando que o satanismo deve muito à distorção feita pela aristocracia cristã desses credos e cultos originais da Europa, por maiores que sejam os esforços filosóficos dos satanistas, o satanismo é simplesmente uma forma deturpada e inversa do Cristianismo.

Repostado. Texto originalmente publicado em 24/01/2008, resgatado com o Wayback Machine.

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