sábado, 9 de outubro de 2021

O segredo de Leda

Eu sigo minha vida como espectro no Mundo Espiritual e no meu emprego na cafeteria na Vila dos Deuses, a Cafeteria Pantheon. O lado bom é que eu estou trabalhando, o lado ruim é que não tem descanso, férias, folga ou fim de semana.

Então é inevitável que eu adormeça durante o serviço. O gerente grita, bravo. Eu acordo e me dou conta de que eu estou entre as pernas de uma cliente. Desajeitado e acanhado, eu saio do meio das pernas dela e meu creme de nozes escorre fartamente por entre suas coxas.

- Mil perdões, senhora.

[risos]- Não por isso. Eu sou culpada, afinal, eu solicitei o “serviço especial”.

O gerente continua bravo e gritando. Eu imagino que seja ciúme.

- Por favor, não comente isso com as outras Deusas.

- Ah, eu não sou uma Deusa.

[surpreso]- Eu discordo. A senhora tem o porte de uma Deusa.

[risos]- Eu também vou querer repetir a dose, seu tolo. Mas eu não sou uma Deusa.

- Nesse caso, a quem eu devo a honra e o privilégio de preencher o ventre?

- Leda, rainha de Lacedemônia, aposentada.

[surpreso]- Perdão por conspurcar vosso majestoso ventre, rainha.

[risos] – Eu sou a culpada. Eu pedi por esse seu serviço.

- Então perdoe a minha indiscrição, majestade. O que a trouxe para a Vila dos Deuses?

- Ah, coisas da minha vida mortal. Eu sou ornitóloga e minha especialidade é os anatídeos.

- Isso é fascinante, vossa majestade, mas como isso vos deu acesso ao monte Olimpo?

- Eu dispenso gentílicos. Apenas Leda. Bom, eu gosto muito de anatídeos. Patos, marrecos, gansos e cisnes. Eu gosto tanto que acabei indo para a cama com um cisne que depois eu descobri que era Zeus disfarçado.

[surpreso]- Deve ter sido desagradável.

[risos]- Ah, nem tanto. Patos são engraçados, mas tem pouco pescoço. Gansos são vigorosos, mas são muito escandalosos. Cisnes... oh, puxa... além de serrem graciosos tem pescoços bem longos.

[provocando]- Então o tamanho importa.

[risos]- Ah, depende. Muito grande pode ser bom, mas dói e causa muito sangramento interno. Eu gosto de avaliar o encaixe e a técnica.

- Então o prazer proporcionado é o que importa.

[séria]- Ah, sim, com certeza.

- Eu posso pressupor, pela sua expressão no seu rosto quando eu acordei, de que meu “serviço” foi satisfatório?

[roxa]- Divino.

- Mas por que, Leda? Com tantos Deuses, semi-deuses e heróis, por que escolheu um mero espectro que trabalha em um café?

[se abanando]- Oh, bem... Calisto vive se gabando que transou com Zeus disfarçado de urso, Europa vive se gabando que transou com Zeus disfarçado de touro, eu não posso me gabar de ter trepado com Zeus disfarçado de cisne.

[intrigado]- Isso não explica por que me escolheu.

[assoviando]- Por acaso eu ouvi as Moiras tagarelando algo sobre um certo espectro.

- Boatos!

- Então... eu andei pesquisando. O senhor tem reputação entre as Deusas mesopotâmicas. Parece que o senhor carrega consigo o espírito do Antigo. Eu fiquei intrigada e interessada em saber como é a sensação de trepar com o Antigo.

- Eu não recordo muito do que aconteceu. A senhora conseguiu o que queria?

[roxa]- Sim. Ele veio. Você ficou, tipo, três vezes maior e melhor.

- Isso me deixa feliz e contente. Tem algo mais em que eu possa servi-la?

[se abanando]- Oh, bem, vamos trocar os números e vamos manter contato.

- Aqui está meu número. Eu me sinto honrado e privilegiado.

[provocando]- Este é o meu. Na próxima, se você conseguir manter a consciência, pode fazer o favor de usar a porta de trás.

Leda paga a comanda e deixa algumas dracmas de ouro na caixa de gorjeta. Ela sai da cafeteria, lançando beijos no ar em minha direção. O gerente continua a gritar. Que escândalo. Quem vai ter que fazer hora extra sou eu.

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