quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

O sonho de Rhea

A chegada de Cronos e Enki ao voltarem à Cidade dos Deuses foi um misto de incredulidade e maravilhamento. De improviso, os Deuses começaram a arrumar a festa de boas vindas. Para Enki, não para Cronos. Afinal, Cronos era um que havia preferido viver na periferia. Cronos tinha escolhido manter sua posição como rejeitado, renegado. Ele teve a oportunidade, mas preferiu se perder em seus sentimentos de rancor e mágoa. Ele simplesmente retornou ao seu lar para cuidar de suas feridas.

Em sua casa, Cronos foi recebido por Phoebe, Selene, Thetis e Rhea com cânticos de vitória, guirlanda de louros e muito vinho. Mesmo com essa recepção, carinho e amor devotado por quatro Deusas, Cronos não dissipou seu rancor e mágoa. Mesmo tendo três das mais belas Deusas dançando voluptuosamente em sua homenagem, mesmo estando nos braços de Rhea, sua esposa, Cronos tinha fechado seu coração ainda em mais trevas, em vinganças, em violência, em morte.

- O que houve, meu Rei? Por que teu coração está tão turvo?

- Minha amada, se eu pudesse te contar o que eu vi e vivi, teu coração também ficaria coberto com uma sombra.

- Eu sei como dissipar essa neblina que cobre teu coração, meu Rei.

Rhea apanhou o cetro de Cronos e o inseriu em seu mais sagrado templo, sendo efusivamente aplaudida por suas irmãs. Cronos sorriu com essa situação inusitada. Ele, tão acostumado a batalhas, ao enduro, à resistência, ao confronto que podia durar horas, não era capaz de travar esta batalha com Rhea por mais de meia hora. A tensão se esvai, esguicha como leite quente, vapor, espuma, sopa. Por alguns instantes Cronos compartilhou da felicidade ingênua e despreocupada tão comum entre os Deuses.

- Meu querido, meu Rei, enquanto estiveste longe eu tive um sonho estranho.

- Ora, querida, tu percebes uma sombra em meu coração mas não é capaz de ver uma no teu? Que truque é este?

- Não é truque, meu Rei, é um sonho, não é uma sombra. Um Deus que eu nunca tinha visto visitou-me em sonho e me mostrou o que havia de vir. Eu vi a ti, meu Rei, matando e devorando aos Deuses! Horrorizada, antes de despertar, o Deus desconhecido me disse que aquilo que desejardes e fizerdes a teu pai, sofrerá de teu próprio filho.

As trevas no coração de Cronos cresceram e apertaram seu coração. Ele levantou-se quase possesso. Quem poderia saber de seus planos? Ele não tinha contado a ninguém, nem para Rhea. Quem era esse Deus desconhecido? Como, com que poder, ele poderia ver o coração de Cronos?

- Diga-me, querida, como era esse Deus desconhecido?

- Eu não o vi muito claramente, pois ele parecia estar envolto pela floresta que nos rodeia. Mas ele era alto, tanto quanto Anu. Ele parecia ser tão jovem quanto tu, meu Rei, mas ao mesmo tempo mais antigo e mais sábio do que Anu.

- Por acaso era tão peludo quanto as bestas da floresta e de sua cabeça brotavam dois chifres, tão incandescentes quanto a lava?

- Meu querido Rei, conhece o Deus? Leve-nos até ele para que dancemos para ele.

A sugestão de Rhea conciliava com a intenção de Cronos que desejava questionar pessoalmente ao Deus da Floresta Negra. A dança das Deusas poderia propiciar o Deus ao favor de Cronos e para avisá-lo das torpes intenções de Anu. Caminhando por vias secundárias para evitar passar pelos demais Deuses que ainda estavam celebrando a volta de Enki, Cronos levou as quatro Deusas até o ponto na floresta onde havia encontrado o Deus.

- Meu Senhor! Eis aqui vosso servo! Eu vos peço que ouça o que tenho a vos contar.

Novamente houve um silêncio seguido de um intenso pulsar e a impressionante aparição do Deus da Floresta Negra. O comportamento das Deusas alterou-se de forma impressionante. Elas começaram a apalpar e a alisar suas partes macias, suas dobras, suas reentrâncias, entregando-se ao arrebatamento do êxtase.

- Meu filho! Vieste visitar-me agora com presentes para perfumar e adoçar o meu dia?

- Meu Senhor! Nós viemos para alertar-vos dos reais interesses de Anu.

- Meus queridos! Acham mesmo que Anu, vosso rei, tem efetivamente tal poder e autoridade que vós lhes atribui? Saibam vós, meus filhos e filhas amados, que a nenhum Deus foi ou será dado a coroa do universo. Nem mesmo o rei está acima das leis que este promulga. Nem mesmo um reinado de medo perpetua-se sem que haja vontade.

- Então, meu Senhor, eu posso desafiar o destino e ter uma sorte, uma fortuna diferente para meu futuro?

- Tenham respeito e reverência, não temor. Sonhos e oráculos são avisos, não sentenças. Useis vossa força e coragem, dificuldades e obstáculos virão, mas não esmoreceis, para merecerdes os louros.

- Meu Senhor! Eu vos agradeço pelas orientações. Partimos com sossego e tranquilidade no coração, mas antes vos pedimos que saibamos o vosso nome.

- Meu filho, para me conhecer é necessário conhecer os mistérios da vida e da fertilidade. Tu tens os mistérios da guerra e da irmandade. Um mistério não pode tomar o lugar de outro mistério.

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