quinta-feira, 28 de abril de 2016

O pomo de Adão

A mitologia cristã conta que o homem tem gogó porque Adão ficou engasgado depois de ter comido o “fruto proibido”. Pela própria mística cristã, o fruto foi identificado com uma maçã, embora alguns sábios digam que seja um figo e as escolas de mistério digam que era uma romã.
Refraseando o trecho de um texto meu, a identidade e a personalidade de uma entidade ou Deus não depende do que acreditamos.
John Hastead tem apresentado uma variante curiosa e interessante de seu discurso, tentando convencer o público que “existem diferentes níveis com os quais nós podemos falar de assuntos espirituais e religiosos. Algumas palavras têm significados diferentes dependendo do nível no qual ela está inserida”.
O interessante deste discurso é que ele é uma sequência de outro texto onde John reclama da adoração ao dicionário, mas na verdade ele está é querendo sustentar seu monólogo.
Anteriormente eu refutei esse discurso falacioso apontando que “infelizmente, uma vez que usamos a linguagem para nos comunicar, as palavras têm significados e é sobre isso que é o dicionário. Engraçado é ver você usando os múltiplos significados das palavras que têm em um dicionário para sustentar sua verdade e certeza...”, no que eu resumo pela analogia de que uma pessoa pode chamar uma maçã de laranja que ela continuará a ser vermelha.
John comentou: “o professor perguntou para as crianças de que cor é a maçã. A maioria disse vermelha, os espertos disseram verde ou amarelo. Então ele pegou uma faca, cortou a maçã e perguntou de que cor era e responderam branca. Há sempre mais de uma maneira de olhar para algo.”
A minha resposta foi: “quando você altera o objeto de estudo, você muda o que está sendo observado, não sua natureza. Não é a vermelhidão da maçã que a faz ser uma maçã, portanto não é sua brancura interna que a torna outra coisa senão uma maçã. Quando você altera a perspectiva do observador, você altera o ponto de vista, não a natureza do que é observado, do contrário não haveria como comparar, categorizar ou diferenciar. Mesmo que você corte uma maçã, ela continuará a ser uma maçã, não uma laranja...”
John tem usado desse novo discurso principalmente porque ele insiste em sustentar sua visão como pagão e ateu, um argumento que se invalida por si mesmo. Ele insiste na falácia de que uma palavra tem múltiplos significados porque as definições dadas por ele são criticadas e como ex-fundamentalista mórmon, ele tem a necessidade de mostrar que as definições dele são as certas e a dos outros são erradas.
Evidente que John não é capaz de discernir as palavras, seus conceitos e significados, uma vez que ele entrou nesse conceito pós-moderno onde as palavras podem ser qualquer coisa e, no caso de John, elas significam exatamente o que ele quer, muito embora elas não signifiquem o que ele acredita que elas signifiquem. Ele persiste na metafísica das palavras para tentar expor seu sofisma teológico, estendendo sua análise sobre maçãs:
"Mas e se a maçã está conectada com uma árvore? Ainda é uma maçã distinta e individual ou é uma extensão da árvore? Se a maçã é parte da árvore, não está conectada com a terra, as outras árvores e todo o ecossistema?
Se pegarmos a maçã, a maçã não permanence conectada à árvore em milhares de formas através do ecossistema compartilhado? A maçã não carrega dentro dela as sementes da árvore? Essas conexões tornam a maçã menos real?
Se mordermos um pedaço de maçã, ainda é uma maçã? Ainda é a mesma maçã? Quantos pedaços de maçã podemos comer antes de deixar de ser uma maçã e se tornar parte de nós?
Nós não precisamos sequer comer a maçã para que esse intercâmbio aconteça. A maçã está espalhando suas moléculas na brisa a todo momento. Se respirarmos o perfume da maçã, algumas de suas moléculas são capturadas pelos nossos nervos olfativos. Não teria a maçã se tornado parte de nós de alguma maneira?"
John passou da analogia para instâncias biológicas e botânicas, como se fossem as mesmas coisas, mas vamos seguir o argumento para refutá-lo.
Uma maçã é parte de uma macieira e de nenhuma outra árvore. Ainda assim, sua conexão com a árvore não a torna parte da árvore, senão um gato que subisse em uma macieira se tornaria uma maçã, pela lógica do John. Uma maçã é exatamente igual a todas as maçãs que estão naquela macieira porque são seus frutos, ainda que possam aparentar diferenças superficiais ou estarem em estágios diferentes de desenvolvimento. Um bom exemplo está em nós mesmos, nós somos filhos de nossos pais, nós carregamos em nós o mesmo DNA de nossos antecessores, mas nós não somos meras somas de nossos ancestrais, podemos nos comparar e equiparar em diversos sentidos, mas continuaremos a ser únicos e distintos.
Da árvore, da macieira, partem os ramos, o botão, a flor e então o fruto, como dizemos em nossas celebrações, então é possível estabelecer um elo, uma conexão, uma raiz e uma origem, partindo do fruto para a árvore e além. Mas essa é uma relação real, orgânica, biológica, você não consegue estabelecer qualquer conexão ou procurar a origem, a raiz de uma maçã quando ela é apenas um arquétipo, uma imagem mental, que existe apenas em nossa psiquê.
Quando retiramos a maçã da macieira, esta deixa de ser parte, extensão e fruto gerado pela árvore para se tornar fruto, objeto individualizado, muito embora que, por suas características, propriedades e natureza, ainda seja possível identificar este fruto como maçã e não qualquer outro fruto. Quando mordemos um pedaço da maçã, ali tem uma fração, a fração é parte da maçã, mas deixou de ser parte integrante dela e, depois de digerida, a fração é dissolvida em moléculas que evidentemente deixaram de ser o fruto, mas para o John a maçã tornou-se parte de nós, algo que é discutível em termos filosóficos e espirituais, pois é exatamente nisto que se vale os argumentos do vegetarianismo.
A maçã carrega em si a semente, não porque ela a desenvolveu, mas porque a árvore desenvolveu uma flor, que foi fertilizada, para então desenvolver o fruto, dentro do qual fica a semente que, caindo ao solo, pode dar origem a outra macieira, mas isso é biologia e botânica, o que é totalmente distinto de analogias e figuras metafóricas. A maçã apenas porta a semente porque era parte da macieira, a semente é uma macieira em potencial, mas não é a maçã nem a mesma macieira.
Esse é o problema quando não nos atemos ao significado, conceito e uso das palavras. Ainda que levemos em consideração que existam formas diferentes de observar algo, mudando o foco, o alcance ou a correlação entre o objeto, o ambiente e o observador, não se pode mudar a natureza daquilo que se observa. Tal como nos quadros de Magritte, a imagem de um chapéu não é um chapéu, a imagem [arquétipo] de uma maçã não é uma maçã. Nós não podemos alterar a essência das coisas com mera retórica, como bem explicita Geoffrey Chaucer: "A casa é pequena, mas, como vocês estudaram filosofia, devem estar acostumados, com seus argumentos sutis, a transformar lugarzinhos de vinte pés em recintos com uma milha de largura. Se o que ofereço não bastar, criem espaço com o palavreado, como de hábito".

Quando tratamos de assuntos espirituais e religiosos, palavras e definições precisam ser claras e concisas, fazer alegações sem fundamento ou base nos conduz a afirmações esdrúxulas como “a Wicca é uma filosofia de vida” ou de que os Deuses são meros arquétipos. Isto esvazia o próprio sentido de qualquer forma de espiritualidade e religiosidade, isto esvaziaria o próprio sentido de estarmos dialogando sobre os Deuses, nossas práticas e crenças.

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