A mitologia cristã conta que o homem tem gogó porque Adão
ficou engasgado depois de ter comido o “fruto proibido”. Pela própria mística
cristã, o fruto foi identificado com uma maçã, embora alguns sábios digam que
seja um figo e as escolas de mistério digam que era uma romã.
Refraseando o trecho de um texto meu, a identidade e a
personalidade de uma entidade ou Deus não depende do que acreditamos.
John Hastead tem apresentado uma variante curiosa e
interessante de seu discurso, tentando convencer o público que “existem
diferentes níveis com os quais nós podemos falar de assuntos espirituais e
religiosos. Algumas palavras têm significados diferentes dependendo do nível no
qual ela está inserida”.
O interessante deste discurso é que ele é uma sequência de
outro texto onde John reclama da adoração ao dicionário, mas na verdade ele
está é querendo sustentar seu monólogo.
Anteriormente eu refutei esse discurso falacioso apontando
que “infelizmente, uma vez que usamos a linguagem para nos comunicar, as
palavras têm significados e é sobre isso que é o dicionário. Engraçado é ver
você usando os múltiplos significados das palavras que têm em um dicionário
para sustentar sua verdade e certeza...”, no que eu resumo pela analogia de que
uma pessoa pode chamar uma maçã de laranja que ela continuará a ser vermelha.
John comentou: “o professor perguntou para as crianças de
que cor é a maçã. A maioria disse vermelha, os espertos disseram verde ou
amarelo. Então ele pegou uma faca, cortou a maçã e perguntou de que cor era e
responderam branca. Há sempre mais de uma maneira de olhar para algo.”
A minha resposta foi: “quando você altera o objeto de
estudo, você muda o que está sendo observado, não sua natureza. Não é a
vermelhidão da maçã que a faz ser uma maçã, portanto não é sua brancura interna
que a torna outra coisa senão uma maçã. Quando você altera a perspectiva do
observador, você altera o ponto de vista, não a natureza do que é observado, do
contrário não haveria como comparar, categorizar ou diferenciar. Mesmo que você
corte uma maçã, ela continuará a ser uma maçã, não uma laranja...”
John tem usado desse novo discurso principalmente porque ele
insiste em sustentar sua visão como pagão e ateu, um argumento que se invalida
por si mesmo. Ele insiste na falácia de que uma palavra tem múltiplos
significados porque as definições dadas por ele são criticadas e como
ex-fundamentalista mórmon, ele tem a necessidade de mostrar que as definições
dele são as certas e a dos outros são erradas.
Evidente que John não é capaz de discernir as palavras, seus
conceitos e significados, uma vez que ele entrou nesse conceito pós-moderno
onde as palavras podem ser qualquer coisa e, no caso de John, elas significam
exatamente o que ele quer, muito embora elas não signifiquem o que ele acredita
que elas signifiquem. Ele persiste na metafísica das palavras para tentar expor
seu sofisma teológico, estendendo sua análise sobre maçãs:
"Mas e se a maçã está conectada com uma árvore? Ainda é uma
maçã distinta e individual ou é uma extensão da árvore? Se a maçã é parte da
árvore, não está conectada com a terra, as outras árvores e todo o ecossistema?
Se pegarmos a maçã, a maçã não permanence conectada à árvore
em milhares de formas através do ecossistema compartilhado? A maçã não carrega dentro dela as sementes da
árvore? Essas conexões tornam a maçã menos real?
Se mordermos um pedaço de maçã, ainda é uma maçã? Ainda é a
mesma maçã? Quantos pedaços de maçã podemos comer antes de deixar de ser uma maçã
e se tornar parte de nós?
Nós não precisamos sequer comer a maçã para que esse intercâmbio
aconteça. A maçã está espalhando suas moléculas na brisa a todo momento. Se
respirarmos o perfume da maçã, algumas de suas moléculas são capturadas pelos
nossos nervos olfativos. Não teria a maçã se tornado parte de nós de alguma
maneira?"
John passou da analogia para instâncias biológicas e
botânicas, como se fossem as mesmas coisas, mas vamos seguir o argumento para
refutá-lo.
Uma maçã é parte de uma macieira e de nenhuma outra árvore.
Ainda assim, sua conexão com a árvore não a torna parte da árvore, senão um
gato que subisse em uma macieira se tornaria uma maçã, pela lógica do John. Uma
maçã é exatamente igual a todas as maçãs que estão naquela macieira porque são
seus frutos, ainda que possam aparentar diferenças superficiais ou estarem em
estágios diferentes de desenvolvimento. Um bom exemplo está em nós mesmos, nós somos filhos de nossos pais, nós carregamos em nós o mesmo DNA de nossos antecessores, mas nós não somos meras somas de nossos ancestrais, podemos nos comparar e equiparar em diversos sentidos, mas continuaremos a ser únicos e distintos.
Da árvore, da macieira, partem os ramos, o botão, a flor e
então o fruto, como dizemos em nossas celebrações, então é possível estabelecer
um elo, uma conexão, uma raiz e uma origem, partindo do fruto para a árvore e
além. Mas essa é uma relação real, orgânica, biológica, você não consegue
estabelecer qualquer conexão ou procurar a origem, a raiz de uma maçã quando
ela é apenas um arquétipo, uma imagem mental, que existe apenas em nossa psiquê.
Quando retiramos a maçã da macieira, esta deixa de ser
parte, extensão e fruto gerado pela árvore para se tornar fruto, objeto
individualizado, muito embora que, por suas características, propriedades e
natureza, ainda seja possível identificar este fruto como maçã e não qualquer
outro fruto. Quando mordemos um pedaço da maçã, ali tem uma fração, a fração é
parte da maçã, mas deixou de ser parte integrante dela e, depois de digerida, a
fração é dissolvida em moléculas que evidentemente deixaram de ser o fruto, mas
para o John a maçã tornou-se parte de nós, algo que é discutível em termos filosóficos
e espirituais, pois é exatamente nisto que se vale os argumentos do
vegetarianismo.
A maçã carrega em si a semente, não porque ela a
desenvolveu, mas porque a árvore desenvolveu uma flor, que foi fertilizada,
para então desenvolver o fruto, dentro do qual fica a semente que, caindo ao
solo, pode dar origem a outra macieira, mas isso é biologia e botânica, o que é
totalmente distinto de analogias e figuras metafóricas. A maçã apenas porta a
semente porque era parte da macieira, a semente é uma macieira em potencial,
mas não é a maçã nem a mesma macieira.
Esse é o problema quando não nos atemos ao significado,
conceito e uso das palavras. Ainda que levemos em consideração que existam
formas diferentes de observar algo, mudando o foco, o alcance ou a correlação
entre o objeto, o ambiente e o observador, não se pode mudar a natureza daquilo
que se observa. Tal como nos quadros de Magritte, a imagem de um chapéu não é
um chapéu, a imagem [arquétipo] de uma maçã não é uma maçã. Nós não podemos alterar
a essência das coisas com mera retórica, como bem explicita Geoffrey Chaucer: "A casa é pequena, mas, como vocês estudaram filosofia, devem estar acostumados, com seus argumentos sutis, a transformar lugarzinhos de vinte pés em recintos com uma milha de largura. Se o que ofereço não bastar, criem espaço com o palavreado, como de hábito".
Quando tratamos de assuntos espirituais e religiosos,
palavras e definições precisam ser claras e concisas, fazer alegações sem
fundamento ou base nos conduz a afirmações esdrúxulas como “a Wicca é uma
filosofia de vida” ou de que os Deuses são meros arquétipos. Isto esvazia o
próprio sentido de qualquer forma de espiritualidade e religiosidade, isto
esvaziaria o próprio sentido de estarmos dialogando sobre os Deuses, nossas
práticas e crenças.
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