sexta-feira, 6 de junho de 2014

Aprendendo a ser gente

Nós devemos a nossos ancestrais tudo de bom que temos. Mas nossos ancestrais também nos deixam uma herança ruim. O patriarcado, o sexismo, o machismo e a misoginia são um legado que vem desde o Período Clássico e o livro “The Reign of the Phallus” de Eva C Keuls analisa extensivamente a realidade da mulher na sociedade da antiga Atenas.
Para o interesse do pagão moderno, eu traduzirei um trecho do capítulo 12 de título “Aprendendo a ser homem, aprendendo a ser mulher”.

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Na Grécia Clássica, como em outras sociedades antigas, os rituais eram observados em diversos números e variedades. Todas as maiores funções da vida estavam associadas a uma ou mais divindades patronas e um corpo de mitos e rituais. Nossa distinção entre “sagrado” e “profano”, o reino da igreja e da rua seria ininteligível aos gregos antigos. E nós não podemos compreender o mundo deles a menos que nós percebamos que todos os processos da vida estavam interligados com noções místico-religiosas. Estudantes do passado tem procurado por uma teoria, uma chave única, que poderia abrir a porta para a compreensão da natureza e do propósito dos rituais religiosos nas sociedades pagãs. Uma teoria mais velha via no ritual primariamente um proposito imediatamente pragmático: o alvo do ritual era promover a fertilidade da terra e da espécie humana, produzir chuva, pacificar os Deuses ou evitar desastres. A antropologia mais recente tem apontado o papel do ritual como um perpetrador dos valores sociais e normas comportamentais, ou em seus méritos psicológicos como ajudar as pessoas a conviver com as contradições e problemas da vida. O homem quer viver, mas tem que morrer e para sobreviver ele tem que matar. O homem quer ordem e justiça em sua sociedade, mas ele é cheio de ganancia e agressividade. Apenas uma coisa é certa no confuso estudo do mito e ritual e seus significados ocultos: nenhuma prática de culto sobreviveu por muito tempo a menos que corresponda a uma profunda necessidade social ou emocional.

Rituais de significância social são melhores considerados sob dois títulos: iniciação e liberação ou escape. Ritos de iniciação e puberdade seguem um padrão básico amplamente atestado entre os mais diversos povos: os jovens passam por certas provas e humilhações que simbolizam a dureza da vida. Eles fazem tarefas odiosas e subordinam suas vontades aos mais velhos. Geralmente eles morrem simbolicamente e renascem, algumas vezes através de um processo de nascimento físico imitado e são cerimonialmente recebidos como membros plenos da comunidade adulta. A iniciação nas religiões de mistério segue um cenário similar exceto que aqui o processo não está ligado a um estágio definido de vida, mas pode ocorrer em qualquer idade e o esquema de morte e renascimento simbólicos é mais elaborado. Não há uma sociedade sequer que não perpetuem os costumes sem vestígios de iniciação.

Se o proposito da iniciação é didático, para doutrinar as futuras gerações com os valores das velhas para que a sociedade continue, os rituais de escape tendem a proteger os padrões sociais por providenciar uma liberação temporária e controlada. O significado mais comum que serve a esse proposito é a inversão de papéis, que é tão atestado quanto a iniciação. Nas condições controladas do ritual, o excluído, o submisso e o maldito podem sair das restrições sociais e das limitações da existência. O servo pode chicotear seu mestre. A mulher pode sair e conduzir um comércio. O homem pode brincar de Deus. O filho pode mandar no pai.

Fonte: The Reign of the Phallus, Eva C Keuls, capítulo 12, pg 300-302, University of California Press.

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