Este é o quinto de uma série de cinco artigos que foram publicados em Maio pela Revista da Biblioteca Nacional, nº 56 do ano 5. Enfim, textos realmente relevantes no ponto de vista acadêmico, sem preconceito, sem paranóias, sem histerias.
Sim, Millennium é um bruxo brasileiro, daqueles que fazem magia e sabem o porquê das vassouras voadoras e dos chapéus pontudos. É um sumo sacerdote da Wicca - a religião dos bruxos - e não está sozinho. Em junho, São Paulo reunirá seguidores da religião na 6ª Conferência de Wicca e Espiritualidade da Deusa, que está sendo preparada para receber até 400 pessoas. A programação inclui uma série de palestras e workshops. Entre as dezenas de temas abordados estão as vestimentas usadas em rituais e a magia dos egípcios, dos indianos e do conjunto de povos de origem celta que ocuparam diversas regiões da Europa Ocidental desde o segundo milênio AC até por volta do século XVII.
A princípio, reunir num mesmo evento práticas da cultura do Egito, da Índia e dos primórdios europeus parece uma grande confusão. Mas isso pode ser explicado pela trajetória do inglês Gerald Brosseau Gardner, responsável pelo ressurgimento a bruxaria nos anos 1950, segundo relatos de wiccanos. Ele começou a modernizar os rituais incluindo suas experiências em outros grupos secretos, como a ordem mágica Ordo Templi Orientis, Rosacruz e a Maçonaria. De 1954 a 1957, Gadner e Doreen Valiente, sua iniciada, escreveram todas as filosofias da Wicca. O trabalho resultou no Livro das Sombras, um tipo de manual prático wiccano.
Gardner baseou seus estudos no culto de uma Deusa e de um Deus que descendiam de rituais de sociedades tribais desde o período paleolítico. Os Celtas, por exemplo, não tinham um consenso sobre o Deus a ser adorado. "Como se tratava de várias tribos com filosofias diferentes, acabavam não tendo uma religião institucionalizada. O que eles dividiam era um panteão de Deuses. Mas cada tribo tinha a sua Deusa ou Deus de devoção", conta Millennium.
A ênfase na espiritualidade feminina chamou a atenção da antropóloga Andréa Barbosa Osório. Ela viu na bruxaria moderna a possibilidade de cruzar estudos de gênero e antropologia da religião. O interesse da pesquisadora resultou na dissertação "Mulheres e Deusas, um estudo antropológico sobre a bruxaria Wicca", defendida em 2001 na UFRJ. Mas ela percebeu que há divergências nos relatos sobre a data de surgimento da doutrina. "Alguns dizem que ela é pré-histórica; outros, que é uma criação de Gerald Gardner. Este conflito é só um dos que se encontram na prática wiccana, que se apresenta, ao mesmo tempo, moderna e extremamente antiga. No Brasil, é certo que ela se tornou visível no final da década de 1990 e, especialmente, no início do século XXI", diz a antropóloga.
Como a Wicca não é uma categoria religiosa incluída nos censos, não é possivel estimar quantos bruxos existem no Brasil. Além disso, segundo a antropóloga, é intenso o trânsito religioso entre os adeptos. "As pessoas que entrevistei já haviam se convertido a mais de uma religião e existem indícios de que algumas delas não permaneceram na Wicca", afirma Andréa.
Outro fator que dificulta essa estatística é a inexistência de um templo destinado a essa religião. O que há são os chamados círculos mágicos, que são desenhados no chão. A cerimônia ocorre no seu interior e é feita uma preparação com os quatro elementos (água, fogo, terra e ar), para a recepção da energia dos Deuses. "Quando é traçado o círculo, os participantes se revestem do mesmo sentimento que um cristão se reveste quando entra numa igreja", diz Millennium.
Mas por que não ter um templo? O motivo está na ascendência tribal e no fato de se tratar de uma religião que inicia sacerdotes e não fiéis. Como todos são sacerdotes, é possível gerenciar um ritual sozinho, não há a necessidade de um rebanho. Mas esta é a visão tradiconal da Wicca, que só considera bruxo quem é iniciado por outro bruxo. Alguns grupos aceitam a autoiniciação. A origem dessa mudança vem dos anos 1970, quando o ciganista inglês Raymond Buckland põe passagens de bruxaria em seus escritos. Segundo Millennium, Buckland abandonou a doutrina de Gardner porque não tinha como acompanhar os rituais: "Ele acabou criando a Seax Wicca, a Wicca Saxônica, que admite pela primeira vez a autoiniciação. Assim, ele acaba deturpando um conceito da Wicca".
A estudante de história, Arliny Rochete Cavalcante é seguidora da bruxaria que não foi iniciada da forma tradicional. No círculo mágico do qual participa, não há nenhum sacerdote e ninguém pretende ter esse título. "Assim não há hierarquia, somos todos iguais", diz ela, que se tornará membro do grupo de fato depois que os wiccanos chamam de "a roda do ano", um ciclo de rituais associados aos equinócios, aos solstícios e aos entremeios das estações. São referências às festas essencialmente agrícolas dos Celtas.
A mudança na forma de iniciação também gerou outras divisões na doutrina. Já existe até Wicca Cristã, contradizendo a característica básica da criação da religião: o Paganismo. A aliança entre Cristianismo e Bruxaria é, no mínimo, curiosa. Os bruxos já foram acusados de demoníacos pela Igreja e, por isso, foram perseguidos. "Mas isso é impossível, porque, para ser um satanista, primeiro a pessoa tem que ser cristã. Como vou acreditar que existe um anticristo se eu não sou cristão? Sou pagão, meus preceitos são muito anteriores a Cristo", diz Millennium, que associa essa acusação a uma tentativa do Cristianismo de converter os Pagãos. Essa explicação poderia esclarecer a criação da imagem do demônio com chifres e rabo e a relação da bruxa com o mal, que mais tarde foi incorporada aos contos de fadas.
Os símbolos ligados à bruxaria não são poucos. Vassouras, chapéus cônicos e caldeirões são alguns dos mais conhecidos. Francisco de Goya chegou a retratar bruxas voando numa vassoura no final do século XVIII, tal como os Celtas faziam: com as palhas para frente e não para trás, como mostram as bruxas do cinema. A tradição conta que, para celebrar a colheita, os bruxos colocavam vassouras entre as pernas e corriam pulando no campo. Diante desta cena, cristãos deduziam que eles queriam voar.
O chapéu em forma de cone é explicado pelos bruxos como uma maneira de receber e gerar energias. Já o caldeirão é para a preparação de feitiços. Aliás, segundo Millennium, esta não é uma prática exclusiva dos bruxos. "A feitiçaria é a arte de mover energias para alcançar um determinado objetivo. Ela é aproveitada em várias religiões, ou até em todas. O cristão não deixa de ser um feitiçeiro quando acende uma vela para o santo e faz pedidos. Ele está querendo que a vontade dele se manifeste ali. Neste caso, ele é feitiçeiro, mas não bruxo".
O caldeirão já deixou marcas na literatura brasileira. Reza a lenda que Machado de Assis instalou o utensílio de cobre na frente de sua casa, no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, para queimar manuscritos. Assim teria nascido o apelido de "o bruxo do Cosme Velho", popularizado ainda mais por Carlos Drummond de Andrade num poema em homenagem a Machado. Já Monteiro Lobato fez questão de caracterizar a personagem Cuca, a feitiçeira do Sítio do Pica-pau Amarelo, com um grande caldeirão borbulhante, que aguça a imaginação dos leitores mirins.
Autora: Vivi Fernandes de Lima
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 5, nº 56, pg 28-31.
Nota da casa: Em vermelho, um pequeno trecho do texto corrigido.
Sim, Millennium é um bruxo brasileiro, daqueles que fazem magia e sabem o porquê das vassouras voadoras e dos chapéus pontudos. É um sumo sacerdote da Wicca - a religião dos bruxos - e não está sozinho. Em junho, São Paulo reunirá seguidores da religião na 6ª Conferência de Wicca e Espiritualidade da Deusa, que está sendo preparada para receber até 400 pessoas. A programação inclui uma série de palestras e workshops. Entre as dezenas de temas abordados estão as vestimentas usadas em rituais e a magia dos egípcios, dos indianos e do conjunto de povos de origem celta que ocuparam diversas regiões da Europa Ocidental desde o segundo milênio AC até por volta do século XVII.
A princípio, reunir num mesmo evento práticas da cultura do Egito, da Índia e dos primórdios europeus parece uma grande confusão. Mas isso pode ser explicado pela trajetória do inglês Gerald Brosseau Gardner, responsável pelo ressurgimento a bruxaria nos anos 1950, segundo relatos de wiccanos. Ele começou a modernizar os rituais incluindo suas experiências em outros grupos secretos, como a ordem mágica Ordo Templi Orientis, Rosacruz e a Maçonaria. De 1954 a 1957, Gadner e Doreen Valiente, sua iniciada, escreveram todas as filosofias da Wicca. O trabalho resultou no Livro das Sombras, um tipo de manual prático wiccano.
Gardner baseou seus estudos no culto de uma Deusa e de um Deus que descendiam de rituais de sociedades tribais desde o período paleolítico. Os Celtas, por exemplo, não tinham um consenso sobre o Deus a ser adorado. "Como se tratava de várias tribos com filosofias diferentes, acabavam não tendo uma religião institucionalizada. O que eles dividiam era um panteão de Deuses. Mas cada tribo tinha a sua Deusa ou Deus de devoção", conta Millennium.
A ênfase na espiritualidade feminina chamou a atenção da antropóloga Andréa Barbosa Osório. Ela viu na bruxaria moderna a possibilidade de cruzar estudos de gênero e antropologia da religião. O interesse da pesquisadora resultou na dissertação "Mulheres e Deusas, um estudo antropológico sobre a bruxaria Wicca", defendida em 2001 na UFRJ. Mas ela percebeu que há divergências nos relatos sobre a data de surgimento da doutrina. "Alguns dizem que ela é pré-histórica; outros, que é uma criação de Gerald Gardner. Este conflito é só um dos que se encontram na prática wiccana, que se apresenta, ao mesmo tempo, moderna e extremamente antiga. No Brasil, é certo que ela se tornou visível no final da década de 1990 e, especialmente, no início do século XXI", diz a antropóloga.
Como a Wicca não é uma categoria religiosa incluída nos censos, não é possivel estimar quantos bruxos existem no Brasil. Além disso, segundo a antropóloga, é intenso o trânsito religioso entre os adeptos. "As pessoas que entrevistei já haviam se convertido a mais de uma religião e existem indícios de que algumas delas não permaneceram na Wicca", afirma Andréa.
Outro fator que dificulta essa estatística é a inexistência de um templo destinado a essa religião. O que há são os chamados círculos mágicos, que são desenhados no chão. A cerimônia ocorre no seu interior e é feita uma preparação com os quatro elementos (água, fogo, terra e ar), para a recepção da energia dos Deuses. "Quando é traçado o círculo, os participantes se revestem do mesmo sentimento que um cristão se reveste quando entra numa igreja", diz Millennium.
Mas por que não ter um templo? O motivo está na ascendência tribal e no fato de se tratar de uma religião que inicia sacerdotes e não fiéis. Como todos são sacerdotes, é possível gerenciar um ritual sozinho, não há a necessidade de um rebanho. Mas esta é a visão tradiconal da Wicca, que só considera bruxo quem é iniciado por outro bruxo. Alguns grupos aceitam a autoiniciação. A origem dessa mudança vem dos anos 1970, quando o ciganista inglês Raymond Buckland põe passagens de bruxaria em seus escritos. Segundo Millennium, Buckland abandonou a doutrina de Gardner porque não tinha como acompanhar os rituais: "Ele acabou criando a Seax Wicca, a Wicca Saxônica, que admite pela primeira vez a autoiniciação. Assim, ele acaba deturpando um conceito da Wicca".
A estudante de história, Arliny Rochete Cavalcante é seguidora da bruxaria que não foi iniciada da forma tradicional. No círculo mágico do qual participa, não há nenhum sacerdote e ninguém pretende ter esse título. "Assim não há hierarquia, somos todos iguais", diz ela, que se tornará membro do grupo de fato depois que os wiccanos chamam de "a roda do ano", um ciclo de rituais associados aos equinócios, aos solstícios e aos entremeios das estações. São referências às festas essencialmente agrícolas dos Celtas.
A mudança na forma de iniciação também gerou outras divisões na doutrina. Já existe até Wicca Cristã, contradizendo a característica básica da criação da religião: o Paganismo. A aliança entre Cristianismo e Bruxaria é, no mínimo, curiosa. Os bruxos já foram acusados de demoníacos pela Igreja e, por isso, foram perseguidos. "Mas isso é impossível, porque, para ser um satanista, primeiro a pessoa tem que ser cristã. Como vou acreditar que existe um anticristo se eu não sou cristão? Sou pagão, meus preceitos são muito anteriores a Cristo", diz Millennium, que associa essa acusação a uma tentativa do Cristianismo de converter os Pagãos. Essa explicação poderia esclarecer a criação da imagem do demônio com chifres e rabo e a relação da bruxa com o mal, que mais tarde foi incorporada aos contos de fadas.
Os símbolos ligados à bruxaria não são poucos. Vassouras, chapéus cônicos e caldeirões são alguns dos mais conhecidos. Francisco de Goya chegou a retratar bruxas voando numa vassoura no final do século XVIII, tal como os Celtas faziam: com as palhas para frente e não para trás, como mostram as bruxas do cinema. A tradição conta que, para celebrar a colheita, os bruxos colocavam vassouras entre as pernas e corriam pulando no campo. Diante desta cena, cristãos deduziam que eles queriam voar.
O chapéu em forma de cone é explicado pelos bruxos como uma maneira de receber e gerar energias. Já o caldeirão é para a preparação de feitiços. Aliás, segundo Millennium, esta não é uma prática exclusiva dos bruxos. "A feitiçaria é a arte de mover energias para alcançar um determinado objetivo. Ela é aproveitada em várias religiões, ou até em todas. O cristão não deixa de ser um feitiçeiro quando acende uma vela para o santo e faz pedidos. Ele está querendo que a vontade dele se manifeste ali. Neste caso, ele é feitiçeiro, mas não bruxo".
O caldeirão já deixou marcas na literatura brasileira. Reza a lenda que Machado de Assis instalou o utensílio de cobre na frente de sua casa, no bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro, para queimar manuscritos. Assim teria nascido o apelido de "o bruxo do Cosme Velho", popularizado ainda mais por Carlos Drummond de Andrade num poema em homenagem a Machado. Já Monteiro Lobato fez questão de caracterizar a personagem Cuca, a feitiçeira do Sítio do Pica-pau Amarelo, com um grande caldeirão borbulhante, que aguça a imaginação dos leitores mirins.
Autora: Vivi Fernandes de Lima
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 5, nº 56, pg 28-31.
Nota da casa: Em vermelho, um pequeno trecho do texto corrigido.
Gostei muito da matéria e seria formidável se a Wicca fosse abordada sempre dessa maneira imparcial, embasada e com o auxílio de um conhecedor. Bom trabalho!!!
ResponderExcluirMillennium agora é Evangélico! Se converteu à Jesus Cristo.
ResponderExcluirEu não estranho. Star Foster também se reconverteu ao Cristianismo.
ResponderExcluirMillenniuM agora faz parte do corpo de CRISTO, se converteunuma igreja universal. graças a DEUS. mais pro reino da DEUS
ResponderExcluiré verdade acabou de se tornar Cristão!
ResponderExcluirVejam nesse link o que o Bruxo Milenio fez com Edir Macedo!
ResponderExcluirhttp://blogs.universal.org/bispomacedo/2015/02/10/o-mais-famoso-bruxo-do-brasil/
aos distintos cristãos, eu peço que leiam este texto:
ResponderExcluirhttp://betoquintas.blogspot.com.br/2014/12/perdendo-identidade.html