terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Carnaval, a festa dos poderosos

A história do carnaval começa no princípio da nossa civilização, na origem dos rituais, nas celebrações da fertilidade e da colheita nas primeiras lavouras, às margens do Nilo, há seis mil anos atrás.
Os primeiros agricultores exerciam a capacidade humana, que já nas nas cavernas se distingiuia em volta da fogueira, da dança, da música, da celebração.
Foram na intenção da Deusa Isis, no Egito Antigo, as primeiras celebrações carnavalescas.
Com a evolução da sociedade grega evoluiram os rituais, acrescidos da bebida e do sexo, nos cultos ao Deus Dionisus com as celebrações dionisíacas.
Na Roma Antiga bacanais, saturnais e lupercais festejavam os Deuses Baco, Saturno e Pã. A Sociedade Clássica acrescenta ainda uma função política de distenção social às celebrações, tolerando o espírito satírico, a crítica aos governos e governantes nos festejos.
O Carnaval originário tem início nos cultos agrários da Grécia, de 605 a 527 AC Com o surgimento da agricultura, os homens passaram a comemorar a fertilidade e produtividade do solo.
O Carnaval Pagão começa quando Pisistráto oficializa o culto a Dioniso na Grécia, no século VII AC e termina quando a Igreja Católica adota a festa em 590 DC.
O primeiro foco de concentração carnavalesca se localizava no Egito. A festa era nada mais que dança e cantoria em volta de fogueiras. Os foliões usavam máscaras e disfarces simbolizando a inexistência de classes sociais.
Depois, a tradição se espalhou por Grécia e Roma, entre o século VII AC e VI DC A separação da sociedade em classes fazia com que houvesse a necessidade de válvulas de escape. É nessa época que sexo e bebidas se fazem presentes na festa.
A civilização judaico cristã fundamentada na abstinência, na culpa, no pecado, no castigo, na penitência e na redenção renega e condena o carnaval e muito embora seus principais representantes fossem contrários à sua realização, no séc. XV, o Papa Paulo II contribuiu para a sua evolução imprimindo uma mudança estética ao introduzir o baile de máscaras quando permitiu que em frente ao seu palácio, na Via Lata, se realizasse o carnaval romano. Como a Igreja proibira as manifestações sexuais no festejo, novas manifestações adquiriram forma: corridas, desfiles, fantasias, deboche e morbidez. Estava reduzido o carnaval à celebração ordeira, de carater artístico, com bailes e desfiles alegóricos.
Erwin Rohde, um colega de Nietzsche, interpretou a transformação de Dionísio de um irreverente deus das folganças num ente oficioso, à interferência de um outro deus: Apolo, o deus Sol. Sendo este uma divindade do Estado, ele não podia permitir que aquela subversão dos costumes ficasse solta pelos campos a provocar loucuras, incitando os pobres à desordem e ao deboche. Apolo então atraiu Dionísio para dentro da cidade com ofertas mil, e, como sócio maior, domou-o. Em Roma, com as saturnais, as incríveis e desregradas festas populares que se davam em dezembro, deu-se praticamente a mesma história. Em Veneza ou em Nova Orleãs, em Salvador da Bahia ou no Rio de Janeiro, o deus bastardo da bebida e do atrevimento, tornou-se amansado pela política envolvente do deus do Sol, Apolo.
O carnaval brasileiro, trazido pelos portugueses no século 17 com o nome de entrudo, é um herdeiro direto das bacantes e das saturnais greco-romanas. E, pode-se dizer, ao longo desses três séculos em que tornou-se na maior festa popular do Brasil, percorreu a mesma trajetória de acomodação dos seus antecessores. A plebe colonizada imediatamente aderiu ao entrudo como um imperdível momento de inverter, ainda que simbolicamente, o mundo desgraçado em que vivia. Naqueles dias tão aguardados, quando a troça assumia ares de majestade, nenhum fidalgo ou pomposo qualquer, nada que fosse solene, oficial ou sublime, escapava da mordacidade dos festeiros do rei Momo (deus pagão menor que presidia os festejos carnavalescos em Roma).
No Brasil, Apolo - a lógica do interesse do Estado - igualmente interviu. A partir de 1935, com o crescente centralismo estatal determinado pela Revolução de 1930, começou-se a sufocar a salutar espontaneidade popular submetendo os desfiles populares a regulamentos, horários e trajetos a serem cumpridos à risca. É a ordem da desordem! Seduziram Dionísio - em troca da obediência às regras de boa conduta - com promessas de honrá-lo em lugares especiais, próprios (sambódromos, passarelas de samba, concursos, prêmios, etc.), acertando em troca o fim da zombara e do ridículo em que antes os seus seguidores, os celebrantes de Baco, submetiam os poderosos naqueles três dias de tumulto e beberagem. Desde então as escolas de samba do Rio de Janeiro, e as outras que as imitaram, enfiaram-se numa camisa-de-força.
Caíram na armadilha de Apolo. Para exibirem-se ao grande público precisavam de dinheiro, que, como se sabe, só se encontra nos bolsos dos figurões, públicos ou privados. Impedidos moralmente de ridicularizarem ou glosarem os patrocinadores que os mantêm e amparam, os sambas-enredo - expressão musical do Dionísio acomodado de hoje -, esvaziados da irreverência e da gostosa safadice, não dizem mais nada. Comumente a cantoria é só elogio e reverência, quando não propaganda aberta de quem financiou o desfile. O luxo das fantasias e a parafernália dos alegóricos cerceia qualquer gesto mais solto, espontâneo ou original, liberando-se apenas a sensualidade, exposta em nichos especiais, não mais acolhendo o elemento de contestação divertida. O resultado disto é a mesmice. Quem assiste a um só desfile de escola de samba - ainda que reconhecendo estar frente a um dos maiores espetáculos populares da Terra - viu a todos, os que passaram e os que ainda virão. Domesticaram Dionísio!

Nota final: ainda existem manifestações populares que escapam a essa institucionalização e, por serem autônomas, são caricaturadas como 'selvagens' pela Mídia. O carnaval, quando é autênticamente festa popular, ainda cumpre sua função como válvula de escape. Mas como nós perdemos o sentido sagrado da festa, invariávelmente nós ficamos deprimidos e melancólicos no fim da festa.

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